Espoletão, Nuno e João

15/09/2018 às 06:20.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:28

O fim de ano estava chegando e aquele clima de paz e tranquilidade tomava conta das casas. Na casa onde nasci, à beira da linha, na Vila Guilhermina, uma atmosfera diferente também permeava a família.

Meu pai, o saudoso Nilson Espoletão, chegou mais cedo do trabalho e trouxe consigo uns quitutes diferentes do que estávamos acostumados a saborear. Minha mãe, dona Maria José Barbosa, também foi para a cozinha mais cedo. Costumeiramente não jantávamos em casa. Normalmente, à noite a gente tinha um lanche. Dizia minha mãe que comida fazia a gente passar mal à noite, por isso era melhor não ir dormir de “bucho cheio”.

Mas, naquela noite, era diferente. Na boca da noite, compreendi o porquê.

Nosso lar receberia um amigo de meu pai, um craque de sua época. Na verdade, seriam dois amigos. Um era fiel escudeiro do outro.

Lá por volta das 7 e meia eles chegaram: Nuno e João Batista. A casa se encheu de alegria. Três companheiros que não se viam há tempos. Nuno agora morava em Poços de Caldas e vinha de tempos em tempos visitar a família, e sempre ia em casa matar a saudade do velho amigo. Desta vez, trouxe a família completa para conhecer o velho Espoleta. Não me esqueço dos olhos verdes de João Batista e do seu fusca azul, além das gargalhadas amplamente sonorizadas pela nossa grande casa à beira da linha.

Os quitutes estavam à mesa, e eu, de longe, espiava tudo e participava também... comia.

Enquanto isso, os três falavam de jogadas mil realizadas entre os anos 1950-1970. Do tempo em que jogaram juntos no time do deputado Edgar Pereira, o Ipê. Dos tempos de Cassimiro de Abreu. Dos tempos em que o futebol era a maior opção de lazer da população montes-clarense.

Entre um gole de cerveja, uma gargalhada e outra, cenas eram relembradas: do Campo do União, do Estádio Ivani Martins Pereira, do Estádio Demóstenes Rocket. Das excursões para torneios futebolísticos em Corinto, Belo Horizonte, Curvelo, Vale do Jequitinhonha e tantas outras cidades. Os duelos intermináveis entre o Broca e o Mais querido!

Jogadas de craque. Amigos Pernas de Pau. Risos, festa e muita alegria.

No fim, os discos de Nelson Gonçalves saíam das capas dos LPs e iam parar em nossa vitrola.

Foi assim que aprendi a apreciar a linda voz do metralha: ouvindo amigos contarem as histórias de vida junto à mesa ou então nas cadeiras de ferro do alpendre de nossa casa. Na hora da despedida, sempre se cantava a famosa canção mexicana clichê do fim das madrugadas caribenhas: “ai ai ai, está chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem, nós temos que ir embora”.

E entre abraços fraternos e muita alegria, os amigos se despediam. Espoletão, Nuno e João Batista: por meio deles entendi que os amigos se vão, depois se encontram, até que um dia não se encontram mais. Porém, a amizade jamais morrerá.

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