'Acho que a saída da Sul-Americana refletiu na vaga da Libertadores', diz Sérgio Sette Câmara

Frederico Ribeiro e Alexandre Simões
Publicado em 14/12/2018 às 19:06.Atualizado em 05/09/2021 às 15:35.

O Mineirão e a Arena MRV duelam nas preocupações da gestão de Sérgio Sette Câmara no Atlético. O primeiro ano do mandato se encerra logo mais. O balanço do presidente alvinegro é positivo, muito por conta da volta à Libertadores, que será disputada basicamente no Independência. 

Mais além dos palcos dos jogos do Galo, Sérgio Sette Câmara busca driblar a difícil vida financeira do Atlético para buscar reforços e tentar conseguir o que almeja: trilhar o caminho vencedor de Alexandre Kalil. Nesta entrevista ao Papo em Dia, o advogado, que fará 54 anos em janeiro, comenta sobre os primeiros 365 dias na cadeira mais importante do Clube Atlético Mineiro.

Qual o início da ligação com o Atlético e com Belo Horizonte?
Eu nasci numa família de atleticanos. O meu pai é de Caputira, próximo a Ponte Nova. Sou filho de um farmacêutico que veio para Belo Horizonte. Passei dificuldades e me formei em Direito. Sou de uma família de classe média. Estudei no Pandiá Calógeras (Escola Estadual), quando as escolas públicas no Brasil viviam dias melhores. Vim para o bairro Santo Antônio, depois mudei pro Santo Agostinho. Joguei futebol de salão no ginásio onde hoje é a Loja do Galo. Meu pai me levou muito novo pro campo. E obviamente me apaixonei pelo Atlético. Acompanhei muito pelo rádio. Me lembro quando estou conversando com Éder (Aleixo, auxiliar-técnico do Galo), de ouvir o Marcelo Guzella (ex-diretor do Atlético) anunciar a troca dele pelo Paulo Isidoro no Apito Final da Itatiaia. Brinco que entrava com ele de mascote. Montei uma torcida organizada chamada TUSA (Torcida Uniformizada do Santo Agostinho). Tinha uma turma que encontrava na Rua Araguari. Íamos a pé até a Tupi e pegávamos o ônibus pro Mineirão. Frequentei a arquibancada minha vida inteira. 

Como o senhor entrou na administração do Galo?
Em 1999, um amigo advogado trabalhava sem remuneração no jurídico do Atlético. E me convidou pra ajudar nos vários processos. Eram muitos. Depois fui convidado pelo Ricardo Guimarães e Alexandre Kalil a ocupar a vaga de um conselheiro por quem tenho carinho especial, o Edison Simão. Entrei pra ser um cartola do Atlético, apesar de não gostar dessa palavra, por achá-la arrogante e que não tem nada com a minha pessoa. Fui vice-presidente por dois anos, depois mais um mandato. Sai do Atlético numa época em que houve distensão política. Fiquei alguns anos fora e retornei com o Kalil na condição de assessor dele. Fui eleito vice do (Rodolfo) Gropen no Conselho. Surgiu a possibilidade de vir a ser presidente do clube que eu amo, que eu entendo ser o maior do mundo, e que me fez gostar de futebol.

Há um ano o senhor assumia a presidência. Era um misto de alegria e desafios?
Eu achei que aquilo era um chamamento, uma honra muito grande. E que eu não poderia deixar de passar na minha história de vida. Então eu aceitei esse desafio. Estar sentado nessa cadeira é uma responsabilidade muito grande. Não só com o torcedor, mas com todas as pessoas que passaram por aqui e deixaram marca na história do Galo. Como o Kalil costuma dizer, deixaram um “tantão” da própria saúde.

A questão da política de austeridade tem uma ligação linear com a Arena MRV. Faltou mostrar isso melhor pro torcedor, uma vez que sua gestão sofreu críticas neste sentido?
Pode ter ocorrido falha de comunicação com o torcedor e eu até me penitencio. O torcedor, e eu me incluo, quer saber de resultado, de time forte, elenco campeão. Ele não quer saber de discurso de dívida. Mas eu não posso ignorar isso. Há uma situação financeira delicada, mas que tem solução. Não é no curto prazo. Levando em consideração as dificuldades financeiras, os ajustes necessários, conseguimos montar um elenco mais novo, algo que todos pediam, e recolocamos o Atlético na Libertadores, nas oitavas da Copa do Brasil, fizemos a quinta melhor campanha do Atlético nos pontos corridos do Brasileiro. Não é fácil fazer um estádio, equacionar dívida, time competitivo, salário em dia. Muitas coisas debaixo de um guarda-chuva pequeno. Temos que saber encontrar a receita que equilibre todos os fatores. Não é fácil, mas é um desafio que aceitei enfrentar.

Há uma “herança maldita” deixada pela gestão de Kalil, que ajuda a explicar a pressão da torcida?
Herança maldita não, nem entre aspas. Ele enxergou o Atlético do tamanho que o Atlético é. E é grande. E as pessoas que estavam no entorno dele entenderam essa mensagem. Ele deixou um legado, uma missão que é complicada de manter. Mas ficou o ensinamento de que somos grandes e temos que continuar neste patamar. Eu fui testemunha da gestão dele. É um desafio que ele lançou a quem venha ocupar essa posição: ter noção da grandeza do Atlético. 

O Kalil é uma voz ativa na gestão do senhor?
O Alexandre tem muitas preocupações por ser prefeito de Belo Horizonte. Ele brinca que é mais fácil ser prefeito do que presidente do Atlético. Mas ele tem responsabilidades gigantescas. Óbvio que aqui e ali ele me dá conselhos e procuro seguir. Só se fosse louco para não escutar o presidente que mais ganhou títulos aqui. 

E a situação política do Atlético?
É de modo geral muito boa e confortável. Não que o Conselho não seja atuante, pois ele é. E o presidente precisa ter o apoio do Conselho. O próprio nome diz, é um corpo para ajudar o clube. Nós somos o Clube Atlético Mineiro. Eu sou um conselheiro que estou presidente. Amanhã estarei naquela cadeira e gostaria de fazer o que sofro hoje: aconselhar, dar força, apoiar. Se tem situação política conturbada, é pior ainda, e isso acaba refletindo no clube e no time.
 

Sérgio Sette Câmara tem mais dois anos de mandato e é elegível pra mais 3

Presidente irá para o seu segundo ano de
um mandato trienal: 2018-2020

Passados meses do episódio, como o senhor refletiu sobre a declaração da Sul-Americana ser a 2ª divisão da Libertadores?
Houve foi uma tentativa de me criticar em cima daquela declaração, colocando a Copa Conmebol no mesmo patamar da Sul-Americana, o que, absolutamente, não é verdade. São campeonatos completamente diferentes. Quem jogava a Conmebol eram os terceiros, quartos colocados dos campeonatos nacionais de seus países. Hoje esses clubes vão para a Libertadores. Talvez, se não tivéssemos saído da Sul-Americana, não estaríamos na Libertadores e nas oitavas da Copa do Brasil. Foi dolorosa a saída da Sul-Americana, mas eu acho que, indiretamente, acabou refletindo na vaga da Libertadores que conquistamos no final do ano. Por exemplo o Fluminense, que andou mais adiante na Sul-Americana, correu o risco de cair pra Série B na última rodada do Brasileirão, justamente também por ter um elenco enxuto, e com jogadores que se machucaram no decorrer de tantos jogos. No Brasil se joga muito. Com relação à questão das declarações em si, eu acho que houve essa interpretação. Eu valorizo a Copa Sul-Americana, mas eu entendo que ela precisa ser melhor remunerada pelos clubes. Naquela fase nós gastamos muito mais do que arrecadamos. E a nossa projeção é que isso iria ocorrer durante algumas rodadas. Só quem chega nas finais, nas semifinais consegue recuperar algum valor. A Sul-Americana tem o seu valor, mas ela também tem que ter uma maior valorização dos organizadores, no sentido de melhor remunerar os clubes. Acredito que a Conmebol está fazendo isso e tornará a Sul-Americana mais atrativa. Acompanhei, após aquela entrevista, alguns jogos da Sul-Americana e vários jogos estavam vazios. E o torcedor sabe, não é bobo, viu que aquela competição não tinha respaldo, viu que outros clubes estavam colocando time alternativo, priorizando outras competições. Sinal de que precisa-se melhor trabalhar a Sul-Americana. Eu, como dirigente que tem que trabalhar pra pagar as contas, tenho que levantar o dedo e dizer: 'somos responsáveis por pagar 650 salários de funcionários, colocar 11 jogadores em campo que entregue resultados, uma torcida de 8, 9 milhões de pessoas. Tudo isso recai nos meus ombros e tenho que balançar a bandeira pedindo pras entidades olharem por nós. Temos que ter campeonatos que sejam atrativos, valorizados e que tragam retorno financeiro, se não não temos como pagar os artistas do espetáculo, que são os jogadores.

O Atlético faz “jogos de Mineirão” no Independência e o Cruzeiro, o contrário. É possível rever esta utilização dos dois palcos do futebol em BH? E o que precisa acontecer para o clássico dividido?
A questão de clássico com torcida dividida é desde que seja meio a meio em tudo, absolutamente tudo: camarote, número de assentos, quem for o mandante ter o túnel da direita. Se for assim, sou a favor. Tive uma conversa boa com o Itair (Machado, vice-presidente do Cruzeiro) neste respeito. Mas existem mesmo jogos que tanto Atlético como Cruzeiro deveriam jogar no Independência e, outros, no Mineirão. Isso tem de ser analisado caso a caso, porque há jogos deficitários no Mineirão e existem jogos que você joga no Independência e, se fosse no Mineirão, a arrecadação seria muito maior. Acredito que devemos seguir essa receita, mas se eles (Cruzeiro) farão lá, não posso dizer. Isso não é questão de parceria. Existem administradores nos estádios e o clube vai tratar desses assuntos caso a caso. O Atlético entende que a receita passa por ter jogos nos dois estádios, dependendo da importância, do tamanho. Levando em consideração que, mesmo jogos que possam ter expectativa de público grande, mas se entendermos que é mais importante levar para o Independência porque o fator campo pode ser mais preponderante, iremos levar para o Horto. 

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