(Carlos Rhienck)
O olhar emocionado observava atentamente cada um dos setores, desde as arquibancadas até o gramado. Na cabeça, imagens de um passado de glória remetiam a uma verdadeira viagem no tempo. “Estou lembrando da torcida gritando o meu nome. Era uma emoção. Tive grandes momentos aqui”, conta Luiz de Matos Luchesi.
Aos 76 anos, o ex-goleiro Mussula, campeão brasileiro com o Atlético em 1971, viveu nessa terça-feira (2) uma tarde memorável. Visitou pela primeira vez o novo Mineirão, estádio onde há exatos 45 anos alcançou um feito histórico. No dia 3 de setembro de 1969, diante de mais de 70 mil alvinegros, parou um dos ataques mais poderosos que a Seleção Brasileira já teve.
Naquela noite de quarta-feira encarou Jairzinho, Gérson, Pelé, Tostão e Edu, que formavam o quinteto ofensivo das “Feras do Saldanha”, como era conhecida aquela equipe, que perdeu para o Galo por 2 a 1, em amistoso disputado no Gigante da Pampulha. Amauri Horta e Dario balançaram as redes de Félix para delírio da Massa.
Pelé tentou estragar a festa, mas não conseguiu. “Nós comemoramos muito. Vencer um time igual aquele era motivo de orgulho para qualquer jogador. Mas nada se compara a alegria do nosso torcedor. Para eles foi como se a gente tivesse conquistado um título”, relembra o camisa 1, que passou também por Cruzeiro, América e Villa Nova. “Fiz pelo menos quatro grandes defesa naquela noite. Foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira, sem dúvida”, confessa Mussula.
Apesar da grande empolgação dos atleticanos na época, o goleiro assume que a motivação não era grande para a Seleção Brasileira. “Eles tinham acabado de garantir a classificação para a Copa e vieram sem muito compromisso. Tanto que por volta da meia noite do dia anterior ao duelo, o Djalma Dias passou de carro buzinando na nossa concentração com vários outros jogadores e convidando a gente para uma festa”, revela Mussula, 45 anos depois.
Um pouco desiludido com o baixo nível técnico do futebol brasileiro, ele não ia ao Mineirão desde 2007, quando recebeu uma homenagem. Até hoje Mussula não conhece também o novo Independência. “Prefiro acompanhar pela televisão. Se por um lado o jogador esta bem mais valorizado financeiramente, hoje falta profissionalismo no futebol”, avalia.
O reencontro de Mussula com o estádio onde parou Pelé e companhia começou exatamente pelo túnel onde entram os atletas. “Esse momento antes de entrar era fantástico”, conta. Com muito entusiasmo, subiu cuidadosamente os degraus que levam ao gramado. Quando chegou ao interior do Mineirão, uma surpresa. “É outro estádio. Estou impressionado. Que maravilha. Agora a torcida fica bem pertinho dos jogadores. Isso dá mais emoção”, acrescentou, enquanto observava atentamente todas as novidades do Gigante da Pampulha. Depois de passar pelo banco de reservas, chegou ao gramado. “Como dizia o Telê Santana, quem matar a bola na canela num campo desse, pode ir embora”, brincou.
Rivalidade de Yustrich e Saldanha foi combustível
O confronto entre Atlético, que jogou com a camisa da Federação Mineira, e a Seleção Brasileira, não passava de um amistoso, mas a partida ganhou ares de decisão nos dois túneis. Desafetos declarados, os técnicos João Saldanha e Yustrich não admitiam sair derrotados.
“O Yustrich questionou muito a escolha do João Saldanha, que era jornalista, para treinar a Seleção. Aí viraram inimigos. Uma vez o João Saldanha entrou na concentração do Flamengo (em 1970) de arma na mão para pegar o Yustrich. Nenhum dos dois aceitava perder o jogo”, relembra o ex-goleiro Mussula.
Durante os 90 minutos, os dois técnicos não se olharam. “Quando terminou a partida, o Yustrich invadiu o campo pulando e comemorando feito um torcedor”, conta o goleiro.
A vitória
Mesmo 45 anos depois, o lance do gol de Dario ainda está bem vivo na memória do lateral-esquerdo Oldair, que jogava também como volante e naquela noite marcou Pelé.
E não é para menos. Afinal, Oldair teve participação direta para que as redes de Félix balançassem pela segunda vez e o Galo garantisse o resultado histórico.
“Recebi a bola e vi o Dario entrando na área, marcado por dois jogadores. Consegui tocar no meio dos dois e ele, com aquela velocidade dele, marcou”, conta.
“Foi uma maravilha. Claro que para nós foi motivo de muita honra vencer a Seleção, principalmente porque não era um time qualquer. Mas o mais gostoso foi ver a festa que os torcedores fizeram. Para eles, não poderia haver coisa melhor do que uma vitória diante daquele time com tantos talentos”, completa.
O ex-lateral garante que a derrota mexeu com o brio dos atletas da Seleção. “Lembro que teve briga do João Saldanha com o Yustrich, o Pelé reclamou também. Ninguém gosta de perder”, diz. Para Oldair, o entrosamento do Atlético, que já jogava junto há algum tempo, foi fundamental: “A gente tinha uma base, sabia como cada um gostava de jogar e receber a bola”.
Grande atuação valeu vaga na Copa a Dario
“Nem o gol do título de 1971 eu comemorei tanto quanto este diante da Seleção Brasileira”, diz o atacante Dario. Mais do que a vitória, balançar a rede do goleiro Félix naquele 3 de setembro tinha um tom de desabafo.
“Antes do jogo, entrevistaram o João Saldanha e perguntaram por que eu não era convocado. Ele respondeu que eu era um perna de pau e tinha dez atacantes melhores do que eu. Os repórteres me mostraram essa gravação e isso me motivou mais”, diz Dadá Maravilha.
Com uma atuação maiúscula, o centroavante alvinegro ajudou o Galo a garantir a vitória e praticamente carimbou seu passaporte para a Copa do Mundo de 1970. “O jogo foi televisionado para o Brasil inteiro. Eu joguei demais mesmo. Até o presidente (Emílio Garrastazu) Médici cobrou depois a minha convocação para a Copa do Mundo”, explica Dario.
O “pedido” do general Médici, no auge da ditadura, surtiu efeito imediato. “O João Saldanha foi tirado do cargo e o Zagalo me convocou”, relembra Dario.
O Atlético
Para o atacante, o triunfo em cima do time de João Saldanha colocou o Atlético ainda mais em evidência no cenário nacional. “Nós demos um show de bola. O resto do país queria ver a Seleção Brasileira jogar e acabou vendo o Atlético. Vencemos a maior seleção do mundo”, completa Dario.
Um dos mais felizes com a vitória foi o técnico Yustrich, desafeto de João Saldanha. Treinador de temperamento forte, falecido em 1990, o “Homão”, como era conhecido, comemorou o placar como uma criança. Apesar de toda a fama de durão, o ex-goleiro Mussula garante que trabalhar com o treinador era um aprendizado diário. “Ele era muito exigente. Isso é verdade. Se você errasse um lançamento no treino, ia ficar lá cobrando até acertar. Com ele era assim. Até no barro a gente treinava, mas era querido por todos”, explica.
Dois rivais integravam a Seleção Brasileira
Para dois jogadores que vestiram a amarelinha naquela noite de 3 de setembro de 1969, a partida teve um gostinho especial. O volante Piazza e o atacante Tostão defendiam o Cruzeiro na época. Enquanto para os demais atletas comandados por João Saldanha o duelo representava um simples amistoso, para eles era impossível esquecer o fato de que no lado oposto estava o maior rival.
“Até hoje a gente encontra sempre alguém que brinca dizendo que venceu a a Seleção tricampeã do mundo. A rivalidade em Minas Gerais é muito grande. Nós sabíamos que ia ter este tipo de brincadeira”, revela Piazza.
Apesar dos 2 a 1 e das gozações, o ex-cruzeirense encarou a derrota das “Feras do Saldanha” no Mineirão com muita tranquilidade. “É mais do que natural. A Seleção tinha acabado de se classificar nas Eliminatórias. É normal que você dê uma relaxada. Já para o Atlético, vencer a Seleção de João Saldanha com tantos talentos representava muito. Não quero aqui tirar o mérito do Atlético, que também tinha um time muito bom, com jogadores de muita qualidade, e fez por onde vencer a partida”, avalia Piazza.
De fato, o Brasil tinha confirmado a classificação três dias antes com a vitória de 1 a 0 sobre o Paraguai, no Maracanã, no maior público oficialmente registrado no estádio carioca, com 183.341 pagantes.
Com a vaga da Copa do México assegurada e jogando em casa, restava ao volante desfrutar seu primeiro duelo pela Seleção no Gigante da Pampulha. “Não deixou de ser um jogo especial. Eu estava orgulhoso, feliz por jogar pela Seleção Brasileira no Mineirão. Eu tinha muitos amigos do outro lado. Foi uma partida gostosa de disputar. Tinha muitos amigos nas arquibancadas também”, completa o ex-volante e hoje presidente da Associação de Garantia ao Atleta Profissional de Minas Gerais (AGAP).
O goleiro Mussula, que começou no Cruzeiro, e o lateral-esquerdo Oldair, de quem era vizinho no Bairro Santo Agostinho, eram os rivais mais próximos na época.