Nelinho e Humberto Ramos: "professores" dentro e fora dos gramados

Wallace Graciano - Hoje em Dia
Publicado em 25/03/2013 às 00:00.Atualizado em 21/11/2021 às 02:12.
 (Arquivo/Hoje em Dia)
(Arquivo/Hoje em Dia)

Cativar a idolatria de uma torcida não é uma tarefa das mais fáceis, ainda mais em um clube com 105 anos de história como o Atlético. Boas atuações, garra e alguns gols anotados, de preferência, fazem parte do “pré-requisito” para se tornar um ícone. Ainda assim, alguns ex-jogadores que tiveram passagens destacadas pelo Galo colocaram em xeque esse carinho ao assumir aquela que talvez seja uma das profissões mais “cruéis” no mundo do futebol: a de treinador.

Nomes como Marcelo Oliveira, Alexandre Gallo, Toninho Cerezo, Vantuir Galdino, Mussula, Procópio, Kafunga e Barbatana serviram o Atlético tanto dentro como fora das quatro linhas. Assim como Nelinho e Humberto Ramos, que quebraram tabus e colocaram a imagem construída de outrora em risco, mas ainda mantiveram o respeito dos atleticanos.

Os dois lados da moeda

Nelinho é um caso bem peculiar. O lateral-direito, que vestiu o manto alvinegro em 272 oportunidades e anotou 52 gols, excelente número para um defensor, deixou sua marca no futebol mineiro ao ser ídolo nos dois maiores clubes do Estado. Logo após, ao término da carreira, voltou a reviver a rivalidade ao treinar o Galo em 1993 e a Raposa em 1994.

Encarar esses “dois lados da moeda” e ter conseguido o respeito de ambos é um orgulho para Nelinho. “Quando analiso minhas duas passagens,  evidentemente fico satisfeito pelo o que consegui como jogador e até mesmo como técnico. Tenho reconhecimento dos torcedores, isso me envaidece. É o reconhecimento do que foi feito. No fundo, adoro os dois, uma vez que minha vida profissional se resume a eles. É uma coisa que vou carregar até a minha morte”, afirmou.

Nelinho chegou ao Atlético em 1982, comprado por Cr$ 20 milhões, junto ao rival, que defendia desde 1973. O que poucos sabem é que por pouco ele não foi parar no Galo antes de desembarcar na Toca da Raposa. No dia 25 de novembro de 1972, ele entrou no lugar do lateral titular da equipe azulina, Aranha, justamente ao enfrentar o clube alvinegro. Sua boa atuação  foi elogiada pelos adversários, que prometeram indicar seu nome para a diretoria do time mineiro. Acontece que o Cruzeiro foi mais rápido e o buscou no clube paraense. Curiosamente, Aranha, que seria o melhor jogador da posição naquele Campeonato Brasileiro, foi parar no Atlético no ano seguinte, mas sem o sucesso que obteve com a camisa do Leão.

 “Quando eu jogava pelo Remo cheguei a jogar contra o Atlético lá em Belém e o Dario ficou de falar de mim para a diretoria. Acontece que o Cruzeiro foi mais rápido e na semana seguinte acertou minha contratação, mandando eu me apresentar em 73. Assinei contrato e logo no início do Campeonato Mineiro comecei a me destacar. Mas hoje vejo que a negociação foi boa para os dois clubes. O Aranha era mais forte na marcação e o Atlético contratou por isso. No Cruzeiro queriam a parte ofensiva. Por isso não fui para o Galo”, conta o lateral.

Após encerar a carreira, Nelinho voltou ao Atlético em 1993, desta vez como o “dono do boné”. Comandou o Galo em 27 partidas, vencendo 17, empatando cinco e perdendo outras cinco. Porém, uma derrota no clássico para o Cruzeiro, na fase final do Campeonato Mineiro, lhe custou o título e o cargo de treinador. Ele viria a atuar o rival em seis partidas no ano seguinte, porém sem sucesso. Ao analisar as duas passagens, o ex-lateral foi categórico. “Foram importantes para mim. Infelizmente não obtive o mesmo sucesso como jogador”, concluiu.

Torcedor, jogador e treinador

Diferentemente de Nelinho, Humberto Ramos tem seu nome vinculado somente ao Atlético. Ele vestiu a camisa alvinegra em 110 partidas, marcando 12 tentos. Mas sua maior lembrança é a jogada que ele articulou para o gol de Dario, contra o Botafogo, que deu o título de Campeão Brasileiro para o Galo em 1971. Ao recordar o feito histórico, o meia não esconde a emoção.

“A conquista foi maravilhosa e foi de muita importância para mim. Primeiro por eu ser atleticano. Aliou o sonho com a realidade. No começo desse campeonato, o Atlético estava fora da lista dos cotados, afinal, tínhamos rivais muito fortes. O Palmeiras era uma academia. Cruzeiro e Inter dois timaços. O Telê estava começando como treinador e montou uma equipe, revertendo isso. Fomos comendo pelas beiradas, como bons mineiros. Na metade da competição, vimos que a possibilidade de ganhar o título era real. Tanto que o jogo mais importante para mim foi contra o Internacional, quando goleamos no Beira-Rio. Ali o Brasil teve olhos para o Atlético. Após ganhar do São Paulo, já no triangular, eu tinha a certeza de que dificilmente tirariam o título da gente contra o Botafogo. E não conseguiram”, avaliou Humberto.

Naquele ano, Telê Santana estava em seu segundo ano à frente do comando do Atlético. Segundo Humberto Ramos, ele foi o principal responsável pela conquista. “O Telê foi fundamental. Ele mesclou experiência com juventude e tinha uma metodologia de trabalho interessante, insistindo no bom futebol, trabalhando fundamentos. O bacana era que a gente tinha um padrão de jogo, não importava se iríamos enfrentar o Santos, o Inter ou o Sport. A gente jogava quase que automaticamente. Não vi depois dele outro treinador com tanta capacidade e conhecimento”, afirmou.

O tempo passou, Humberto encerrou a carreira e em 1999 era um dos coordenadores do Atlético. Já quase no final da primeira fase do Campeonato Brasileiro, o Galo ainda lutava para se classificar para as quartas de finais quando foi goleado pelo Guarani, por 4 a 0, a duas rodadas do final. Dario Pereyra, então treinador, foi demitido após o revés. Como o jogo contra o Grêmio decidiria o futuro da equipe no Brasileiro, a diretoria resolveu chamar Ramos para assumir o cargo vago, a princípio interinamente.

  “Na emergência, o Nélio (Brant, à época presidente do Atlético) e o Alexandre Kalil (presidente do conselho deliberativo)  me ligaram. Tínhamos uma possibilidade pequena de classificação. Como estava na concentração com o time e conhecia o grupo, topei, afinal, seria provisório. Na quarta, ganhamos do Grrêmio e ficou no impasse de fico e não fico. E os jogadores pediram para que eu ficasse”, contou.

Acontece que após aquele jogo, o Atlético, de azarão, foi crescendo. Eliminou o Cruzeiro em dois jogos antológicos, revertendo a vantagem do rival de jogar por três empates no mata-mata. Sobre aquela arrancada espetacular, Humberto credita o sucesso à união do grupo.

“O que houve uma união tremenda. Tudo começou no duelo contra o Cruzeiro. Ouvimos bastante. Na semana, o Levir Culpi (então técnico da Raposa) colocou defeito no Mineirão, falando que o  Cruzeiro perdeu vantagem por jogar lá Assim, trabalhamos a motivação dos jogadores, afirmando que já que eles perderam a vantagem, iríamos pegá-la. Assim, começamos ganhando na empolgação e entramos confiantes, mesmo sabendo que o Cruzeiro era o favorito. Conseguimos reverter a vantagem que eles tinham e liquidamos em dois jogos. Ali o time pegou moral”, relembrou.

Após superar o arquirrival, o Atlético passou pelo Vitória, nas semifinais, e bateu de frente contra o Corinthians, então melhor time do país. O Galo encarou de igual para igual o adversário, mas, por obra do destino, ficou sem a taça. Ao relembrar as finais, Humberto lamenta que Marques, um dos principais destaques da equipe, não pôde jogar nos confrontos decisivos. Para ele, a presença do atacante mudaria o resultado.

“Pena que perdemos o Marques. A perda dele foi fundamental. Os nossos jogadores tinham essa preocupação, tamanha a representatividade dele em nosso estilo de jogo. Futebol não se pode prever nada, mas tenho a convicção de que o título seria nosso já no segundo jogo se o Marques estivesse lá”, afirmou.

No ano seguinte, Humberto comandou a equipe em apenas cinco partidas, válidas pela extinta Copa Sul-Minas, sendo demitido após uma derrota contra o Paraná, no Mineirão. Após treinar o Atlético, Ramos passou por outros clubes, mas sem sucesso, se afastando posteriormente.

“Me aborreci com o futebol. Não vou sair de casa para sofrer para receber. Tenho meus negócios, prefiro tocá-los, com a cabeça fria. Mas não posso negar que minha vida está ligada ao futebol. Apesar de ter me afastado, estou absolutamente inteirado de tudo, acompanho direto”, ponderou.

Ramos, porém, prefere deixar de lado às mágoas que teve como treinador e relembrar do sentimento infantil de quando torcida pelo Atlético, clube que neste dia 25 comemora 105 anos. Afinal, foi com a camisa alvinegra que ele teve suas maiores realizações, sempre ao som da massa atleticana, a qual ele deixa uma mensagem.

“Meu sentimento com relação ao Atlético é profundo. Tinha o sonho de vestir a camisa e Deus me possibilitou isso e muito mais. Realizei o sonho de ser campeão, de trabalhar nesse time como treinador. Tive um trabalho memorável. Por isso, quero deixar meus mais sinceros agradecimentos a esse time e essa torcida maravilhosa”, conclui o ídolo eterno alvinegro.

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