Craque do PSG, Juju Gol luta por crescimento do futebol feminino e pelo fim do preconceito

Lucas Borges
12/06/2019 às 20:32.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:05

(Lucas Borges/Hoje em Dia)

“Lugar de menina é onde ela quiser”. Essa frase poderia muito bem ter saído da boca de Marta, Cristiane, Andressa Alves ou de outras craques que lutam pelo crescimento do futebol feminino e o fim do preconceito em torno do esporte. Entretanto, tal discurso pertence à Júlia Rosado de Souza, a "Juju Gol", que, com apenas 9 anos, levanta essa importante bandeira.

Juju desponta como uma das maiores promessas da modalidade nos país. Nascida em Teresópolis, a menina possui raízes mineiras. Além de ter familiares em BH, ela foi apadrinhada por Amanda Moura, ex-jogadora e irmã do centroavante Rafael Moura, que atuou por Atlético e América. Os irmãos são grandes incentivadores da carreira de Juju, que iniciou sua trajetória nos gramados aos 5 anos.

Jogadora do PSG Academy Brasil, projeto de jovens atletas fundado pelo Paris Saint-Germain, da França, a atacante também atua pelo Resende, do Rio de Janeiro, e pelo Centro Olímpico, clube de São Paulo. Antes, Juju jogou por dois anos na escola oficial do Barcelona. Mesmo com o currículo pomposo, o que mais chama a atenção na trajetória da jogadora é o fato de ela atuar com meninos. A ausência de times com garotas da sua idade fez com que Juju tivesse que migrar para o futebol masculino.

E a garota atua em várias equipes, já que não tem contrato de exclusividade com o PSG. Afinal, ela ainda não tem idade para assinar um contrato profissional, o que pela legislação brasileira só pode acontecer quando o atleta completar 16 aos. 

Assim como as estrelas do futebol feminino do Brasil, Juju luta pela evolução da modalidade e, principalmente, contra o preconceito que atinge as mulheres que praticam o esporte no país. “De uns tempos para cá, quando comecei a jogar melhor que alguns meninos, os pais falavam: ‘Essa menina não pode jogar melhor que meu filho’. Então, eu jogava, o pai falava para me empurrarem, que não era para eu estar ali, que era para eu estar na casinha de boneca’. A cada dia estou mostrando que futebol é coisa de menina também”, revelou Juju.

Apesar da pouca idade, ela acumula feitos que dariam inveja a muitos atletas já experientes. No final do ano passado, já defendendo o PSG e sendo a única menina em campo, a atacante foi campeã de um torneio realizado pelo time francês, em pleno Maracanã. É a atleta mais jovem a atuar no maior palco do futebol brasileiro.Lucas Borges/Hoje em Dia / N/A

Copa do Mundo

Várias das maiores inspirações da carreira de Júlia estarão em campo hoje, às 13h, em Montpellier, na França. Após uma importante vitória na estreia da Copa do Mundo, o Brasil volta a campo para enfrentar a Austrália, na segunda rodada do grupo C do torneio feminino.

Na torcida pela Seleção, Juju vibra com a valorização que a modalidade vem ganhando em razão do Mundial: “Me sinto feliz, porque agora estão olhando para as mulheres. Estão falando que elas podem ter um futuro no futebol, que podem ser craques, inspirar meninos e meninas”!

Apoio em casa

Apesar da dedicação e do talento, Júlia conta com um apoio fundamental da família para se manter firme na busca pelo sucesso nos gramados.

Mãe de Juju, a bancária Cláudia Rosado conta como administra todas as nuances que envolvem a escolha da filha em seguir o caminho do futebol.

“No início, a gente via apenas como um esporte que ela estava praticando. Quando começamos a ver a evolução dela, os comentários dos professores sobre o seu potencial, sentamos com ela e perguntamos se era aquilo que ela queria. Ela disse que sim, que amava e que não se via fazendo outra coisa que não fosse jogar futebol. Disse que sempre iria estudar, mas que queria muito jogar.

Cláudia conta, inclusive, que abriu mão do trabalho para poder se dedicar a carreira de Juju.

“Tivemos que abrir mão de muitas coisas em prol do sonho dela, porque acreditamos que ela vai muito longe. Hoje estou exclusivamente para a Juju e para o irmão, que já está na faculdade. O pai está trabalhando em tempo integral. Mas estamos tocando, não me arrependo”.

Confira o bate papo completo de Juju Gol com o Hoje em Dia:

Quando descobriu que seu sonho era ser jogadora de futebol? Como foi seu primeiro contato com a bola?

Meu primeiro contato com a bola foi aos quatro ano de idade. Eu sempre amei jogar futebol. Minha trajetória começou aos quatro anos quando eu experimentei esse esporte. Desde pequeninha eu fui para a quadra do meu prédio, joguei um pouco lá, mas sempre tive interesse.

Você jogava junto com os meninos? Havia outras meninas também?

Só com meninos. Eu era a única menina.

Os meninos te respeitam? Te tratam de um jeito diferente por ser menina?

Os meninos me respeitam, sempre me trataram bem. Mas alguns pais dos meus adversários nos jogos mandam puxar meu cabelo, me bater, me machucar, me empurrar para a grade. Isso não é bom, mas sempre me motivou a lutar mais pelo futebol feminino.

"Alguns pais dos meus adversários nos jogos mandam puxar meu cabelo, me bater, me machucar, me empurrar para a grade. Isso não é bom, mas sempre me motivou a lutar mais pelo futebol feminino", Juju Gol

Depois de um tempo, quando se acostumaram a ver você jogando, ainda mais nesse nível, todos tiveram que aceitar, né?

De uns tempos para cá, quando eu comecei a melhorar, jogar melhor que alguns meninos, os pais falavam: “Essa menina não pode jogar melhor que o meu filho”. Então, eu jogava, o pai falava para me empurrarem, que não era para eu estar ali, que era para e eu estar na casinha de boneca”. A cada dia eu estou mostrando que futebol é coisa de menina também, e o lugar de menina é onde ela quiser”

Quais são suas maiores inspirações no futebol, tanto no feminino, quanto no masculino?

No masculino eu gosto muito do Cristiano Ronaldo. Ele se destaca bastante, é muito decisivo, chuta muito bem com as duas pernas e dribla muito bem. No feminino eu gosto de todas, de todos os países. Todas as craques têm uma história linda para contar. Tudo que passaram no futebol feminino para estarem ali jogando. Mas  me identifico mais com a Andressa Alves, porque ela é canhota, chuta muito bem. Mas eu adoro também a Mônica, Andressinha, Marta, Cristiane, todas.

Nunca uma Copa do Mundo Feminina havia gerado tanto debate, expectativa e divulgação no Brasil. Como você está vendo essa situação?

Eu me sinto feliz, porque agora estão olhando para as mulheres. Estão falando que elas podem ter um futuro no futebol, que podem ser craques, inspirar meninos e meninas. Quero todo mundo torcendo pelo futebol feminino e que não caia esse nível, só melhore.

O que você acha que precisa ser mudado tanto nas escolas e clubes, quanto na mentalidade dos pais para que mais meninas tenham mais oportunidades de jogar futebol?

As meninas não devem ter medo. Essas pessoas que falam que elas não podem jogar, deveriam fazer uma pesquisa na internet e ver que têm muitas craques ainda por vir, além das que já estão jogando agora, que inspiram muitas crianças.  

Não existem muitos campeonatos femininos porque não estão dando (escolas) valor. Acontece que muitas vezes tem uma menina que joga bem, mas ninguém chama, simplesmente porque ela é uma menina. Acabam chamando um menino, que muitas vezes não joga nada, mas é um menino. Esse preconceito já deu. As meninas podem jogar, arrebentar, ser as melhores.

"Não existem muitos campeonatos femininos porque não estão dando (escolas) valor. Acontece que muitas vezes tem uma menina que joga bem, mas ninguém chama simplesmente porque ela é uma menina", Juju Gol

Sua família te apoiou quando você decidiu jogar futebol?

A minha família sempre me incentivou. Sempre esteve do meu lado nos momentos bons e nos momentos ruins. Quando havia esses pais falando mal, os meuas me ensinaram que essas coisas ruins deveriam me motivar, para eu provar que eu posso, que todas as meninas conseguem.

Como foi a experiência no Barcelona e agora no PSG?

Com quatro anos eu estava na escola e o professor de Educação Física chamou meus pais e disse que eu jogava muito bem.  

Com cinco anos eu fiz a seletiva no Barcelona e passei. Fiquei dos seis aos oito anos no Barcelona. Desde agosto do ano passado eu estou no PSG.

Nessa trajetória, quando eu estava no Barcelona, com sete anos, eu me tornei a primeira menina do Brasil a ser federada (inscrita na CBF) jogando só com meninos. 

Como é sua rotina? Dá para conciliar os treinos com a escola?

A minha escola entende essa vida maluca que eu levo, mas que eu amo. Que as vezes eu tenho que viajar para jogar. Sempre que eu volto, eu me empenho muito, porque não adianta nada ser muito boa no seu sonho e não ir bem na escola.

Quantos dias por semana você treina no PSG?

Eu treino duas vezes por semana no PSG, uma vez por semana no Resende, e mais duas vezes treino no Arouca futsal.

No PSG sempre me acolheram, os meninos me trataram muito bem. Lá tem um time de meninas, mas são muito mais velhas que eu, ai jogo com os meninos.

Como foi a experiência de jogar no Maracanã?

A experiência de jogar no Maracanã, em que muitos jogadores nunca pisaram, mesmo com muitos anos de mais de futebol do que eu, é muita felicidade. Fui a menina mais nova a jogar no Maracanã. E ainda fui campeã, invicta.

Qual é o seu maior sonho?

Meu maior sonho é ser uma grande jogadora de futebol e apoiar muitas crianças a realizarem esse sonho.  Crianças que não tem o apoio dos pais, e quero ajudá-las, independentemente se for menino ou menina.

Como você lida com as críticas e ofensas nas redes sociais?

Normalmente aparecem alguns comentários no meu Instagram que são ridículos. Muitos falam que menina não pode jogar futebol, que deveria ir brincar de boneca. Eu estou provando que lugar de menina é onde ela quiser. Cada dia mais eu me sinto mais feliz em incentivar  meninas a, quando crescerem, continuar fazendo isso (jogando futebol). Eu queria dizer que sem as mulheres que estão agora no presente, eu não conseguiria fazer o que eu faço agora, que é jogar.Lucas Borges/Hoje em Dia / N/A

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