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Se o presente é de aflição para o torcedor cruzeirense, pelo fato de o seu time ocupar a vice-lanterna do Campeonato Brasileiro, recordar o passado pode ser uma saída para se mudar o astral. Principalmente se a viagem no tempo for de quatro décadas e voltar ao dia 30 de julho de 1976. Nesta data, com uma vitória de 3 a 2 sobre o poderoso River Plate, da Argentina, no jogo desempate da decisão, disputado no Estádio Nacional, em Santiago, no Chile, o Cruzeiro conquistou o seu primeiro título da Copa Libertadores.
Os 4 a 1 no jogo de ida no Mineirão, com grande atuação do centroavante Palhinha, autor de dois gols, em 21 de julho, somado aos 2 a 1 para o River Plate, uma semana depois, no Monumental de Núñez, em Buenos Aires, obrigaram a disputa de um confronto desempate em campo neutro. E o local escolhido pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) foi o Estádio Nacional, em Santiago.
E a partida, que teve o Cruzeiro abrindo 2 a 0, mas permitindo o empate argentino, foi decidida num lance que entrou para a história do futebol.Aos 43 minutos do segundo tempo, numa falta na entrada da área, Joãozinho se antecipou ao especialista Nelinho e, de forma surpreendente, marcou aquele que seria o gol do título.
No livro “Rei de Copas”, lançado em 2010, o ex-atacante Palhinha revela o que aconteceu naquele lance: “A gente já tinha tomado um gol do River praticamente da mesma forma. O Raul estava formando a barreira, eles bateram rápido e fizeram o gol. Quando saiu aquela falta, no momento em que eles estavam formando a barreira, eu pedia ao Piazza para me tocar a bola porque estava sozinho, mas o Nelinho, que era o cobrador do time e batia com a maior perfeição, não deixava. O Joãozinho entrou na frente e bateu a falta. Eu, o Nelinho e Piazza já estávamos com o palavrão na boca, mas a bola tomou a direção do gol e entrou, num ato irresponsável do Joãozinho, pois o cobrador era o Nelinho. Foi um lance atípico, pela forma como aconteceu”.
Apesar da irresponsabilidade de Joãozinho ter se transformado no primeiro título continental do Cruzeiro, Palhinha se recorda da bronca que o ponta levou do técnico Zezé Moreira no vestiário: “Seu Zezé sempre foi enérgico, sério. Não era uma pessoa muito aberta, alegre. O Joãozinho entrou no vestiário no meio daquela festa, e quando se aproximou do Seu Zezé recebeu uma cobrança”.
Alegria e tristeza
Mas aquela campanha do Cruzeiro teve muito mais que o gol de Joãozinho. Entre alegrias e uma grande tristeza, o time que contava com a segurança de Raul, as bombas de Nelinho, a liderança de Piazza, a categoria de Zé Carlos, o oportunismo de Palhinha e Jairzinho e a genialidade de Joãozinho foi construindo uma campanha memorável, que fez da conquista da taça algo inquestionável.
Logo na estreia, em 7 de março de 1976, Cruzeiro e Internacional fizerm aquele que é considerado até hoje o maior jogo da história do Mineirão. A vitória por 5 a 4, num dia infernal de Joãozinho, que acabou com o jogo, foi fundamental para a Raposa vencer o Grupo 3, numa época em que apenas o primeiro colocado de cada chave passava à fase seguinte, que já era a semifinal, disputada no sistema de triangular.
E foi na fase semifinal que a grande tristeza aconteceu. Após uma vitória de 4 a 0 sobre o Alianza, do Peru, em Lima, o ponta-direita Roberto Batata, logo que desembarcou em Belo Horizonte, pegou o seu carro e iniciou uma viagem a Três Corações, no Sul de Minas, para buscar a esposa e o filho pequeno. O cansaço o venceu e ele morreu em um acidente na Fernão Dias.
Menos de uma semana após a morte de Roberto Batata, o Cruzeiro recebeu o Alianza, no Mineirão. E goleou por 7 a 1, com quatro gols de Jairzinho e três de Palhinha. E o centroavante conta o clima que cercou aquela partida, que teve um placar que foi uma homenagem ao companheiro que tinha deixado o grupo.
“Acontecem algumas coisas na vida que parece estar escrito. Nós tivemos a infelicidade de perder o Roberto Batata no meio dessa jornada. Apesar disso, essa perda também fortaleceu o grupo em relação à conquista. E isso ficou ainda mais forte após aquele jogo com o Alianza. Antes da partida houve uma homenagem ao Batata e colocaram rosas formando o número 7, quer era a camisa que ele costumava usar. A partida começou, a gente jogando o futebol de sempre e os gols foram saindo naturalmente. Parecia que o Batata estava presente. Tivemos a felicidade de sete gols, três meus e quatro do Jairzinho, e ficou aquilo como uma homenagem a ele”, recorda Palhinha no “Rei de Copas”.
A esperança da China Azul, nesses tempos difíceis, é que o espírito e a qualidade do time campeão da Copa Libertadores de 1976 possa contagiar, pelo menos em parte, a equipe de Mano Menezes, que vai precisar e muito de toda força possível para ter sucesso na briga contra o rebaixamento.
A CAMPANHA
DATA | PLACAR | ADVERSÁRIO | LOCAL | FASE | GOLS |
7/3 | 5 x 4 | Internacional | Mineirão | Grupos | Palhinha (2), Joãozinho (2) e Nelinho |
14/3 | 3 x 1 | Sportivo Luqueño (PAR) | Assunção | Grupos | Roberto Batata, Nelinho e Joãozinho |
18/3 | 2 x 2 | Olimpia (PAR) | Assunção | Grupos | Joãozinho e Darci Menezes |
24/3 | 4 x 1 | Sportivo Luqueño (PAR) | Mineirão | Grupos | Palhinha (2), Eduardo e Jairzinho |
28/3 | 2 x 0 | Internacional | Beira-Rio | Grupos | Jairzinho e Joãozinho |
4/4 | 4 x 1 | Olimpia (PAR) | Mineirão | Grupos | Jairzinho (2), Nelinho e Eduardo |
9/5 | 3 x 1 | LDU (EQU) | Quito | Semifinal | Palhinha (2) e Joãozinho |
12/5 | 4 x 0 | Alianza (PER) | Lima | Semifinal | Roberto Batata, Joãozinho (2) e Jairzinho |
20/5 | 7 x 1 | Alianza (PER) | Mineirão | Semifinal | Jairzinho (4) e Palhinha (3) |
30/5 | 4 x 1 | LDU (EQU) | Mineirão | Semifinal | Nelinho, Jairzinho, Palhinha e Ronaldo |
21/7 | 4 x 1 | River Plate (ARG) | Mineirão | Final | Nelinho, Palhinha (2) e Valdo |
28/7 | 1 x 2 | River Plate (ARG) | Buenos Aires | Final | Palhinha |
O JOGO DO TÍTULO
CRUZEIRO 3
Raul; Nelinho, Moraes, Darci Menezes e Vanderlei; Piazza (Valdo) e Zé Carlos; Ronaldo, Eduardo, Palhinha e Joãozinho. Técnico: Zezé Moreira
RIVER PLATE 2
Landaburu; Comelles, Lonardi, Ártico e Urquisa; Sabella, Merlo e Alonso; Pedro González, Luque e Oscar Más (Crespo). Técnico: Angel Labruna
DATA: 30 de julho de 1976
LOCAL: Estádio Nacional (Santiago)
GOLS: Nelinho, aos 24 minutos do primeiro tempo; Eduardo, aos 10, Oscar Más, aos 13, Urquisa, aos 17, e Joãozinho, aos 43 minutos do segundo tempo
ÁRBITRO: Alberto Martínez (Chile)
CARTÃO VERMELHO: Ronaldo (Cruzeiro); Alonso (River Plate)
PÚBLICO: 35.182
RENDA: Cr$ 653.331,00
OS CAMPEÕES
JOGADOR | POSIÇÃO | JOGOS | GOLS |
Raul | goleiro | 13 | (17) |
Nelinho | lateral | 13 | 6 |
Moraes | zagueiro | 13 | - |
Eduardo | meia | 13 | 3 |
Vanderlei | lateral | 12 | - |
Jairzinho | atacante | 12 | 2 |
Joãozinho | atacante | 12 | 7 |
Darci Menezes | zagueiro | 11 | 1 |
Zé Carlos | volante | 11 | - |
Piazza | volante | 11 | 1 |
Palhinha | atacante | 11 | 13 |
Isidoro | meia | 7 | - |
Roberto Batata | atacante | 6 | 2 |
Ronaldo | atacante | 6 | 1 |
Ozires | zagueiro | 5 | 0 |
Valdo | atacante | 3 | 1 |
Silva | atacante | 2 | - |
Mariano | lateral | 1 | - |
Eli Mendes | atacante | 1 | - |
Hélio | goleiro | - | - |
Vitor | goleiro | - | - |
Geraldão | goleiro | - | - |
Roberto César | atacante | - | - |
Baiano | atacante | - | - |
Cléber | atacante | - | - |