Descontrole x Austeridade: o significado das quartas da Copa do Brasil para Raposa e Galo

Alexandre Simões
09/07/2019 às 20:36.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:28

(Maurício Vieira)

As quartas de final da Copa do Brasil, que Cruzeiro e Atlético começam a disputar nesta quinta-feira (11), às 20h, no Mineirão, ganharam uma preliminar bombástica que é a operação Primeiro Tempo, deflagrada na manhã desta terça-feira (9), com a Polícia Civil cumprindo mandados de busca e apreensão em vários endereços cruzeirenses, como a sede do clube, residências de dirigentes, centros de treinamentos e até na Máfia Azul, maior organizada da Raposa.

A grande dúvida é a influência que mais esse grave episódio terá nos mata-matas entre cruzeirenses e atleticanos pela competição nacional. A reação dos comandados de Mano Menezes, só os dois jogos definirão. Mas independentemente dela, os fatos desta terça-feira só tornam a disputa pelas semifinais da Copa do Brasil ainda mais importante na vida política dos dois clubes.

Sim, para a política atleticana o confronto também vale demais, embora o motivo seja bem diferente, pois o clube não é acusado de nenhuma irregularidade e nem está sob a mira das Polícias Civil e Federal, como acontece com o rival.

No caso do Cruzeiro, é evidente a relação dos dois jogos contra o Atlético com o momento que o clube atravessa. A maior crise institucional de sua história pode ganhar o ingrediente de uma eliminação para o maior rival num mata-mata importante, e isso será gasolina no fogo cruzeirense.

E o motivo é muito simples. Uma queda do time de Mano Menezes na Copa do Brasil terá um fator que pode ser decisivo no rumo da política cruzeirense. A pressão da torcida é a maior ameaça a uma diretoria que tem nas mãos a maioria de um Conselho Deliberativo, até porque, vários componentes dele prestam serviço ao clube ou se beneficiam das “vantagens” do cargo que ocupam.

REUNIÕES

O poder dos jogos contra o Atlético, e também diante do River Plate, da Argentina, mas aí pela Libertadores, em 23 e 30 de julho, ficou evidenciado na batalha travada entre o presidente do clube e o do Conselho Deliberativo, Zezé Perrella, pela data de uma reunião do órgão que trataria da crise.

Wagner Pires de Sá queria o encontro na última segunda-feira (8), antes de o time iniciar a maratona decisiva de julho. Perrella pretendia em 5 de agosto, após os jogos decisivos contra Atlético e River Plate, com o resultado do campo já sendo conhecido. As duas reuniões, numa espécie de acordão, foram canceladas.

Mas o efeito de uma reunião do Conselho, na última segunda-feira, seria com certeza pequeno. A vitória da chapa lançada pelo presidente Wagner Pires de Sá na eleição do Conselho Fiscal, na semana passada, provou que a maioria dos conselheiros está alinhada com a atual diretoria, apesar de todas as denúncias que passaram a fazer parte da rotina do clube.

E essas denúncias já envolviam um caso de polícia anterior. No mês passado, três conselheiros foram presos na Operação Escobar, que investiga o vazamento de documentos sigilosos sobre operações da Polícia Federal (PF). Um deles tinha sido indicado por Perrella para integrar uma comissão de sindicância que analisaria as contas da atual gestão.

O Cruzeiro precisou eleger um novo Conselho Fiscal porque o escolhido no ano passado renunciou ao cargo por não receber documentações da diretoria atual e por não concordar com ações na gestão do clube pelos atuais dirigentes.

Wagner Pires de Sá e seu diretor jurídico, Fabiano de Oliveira Costa, foram chamados a depor na PF como testemunhas. Saíram como investigados, mas isso não mudou em nada os rumos da eleição do novo Conselho Fiscal cruzeirense.

O que pode mudar essa situação, além é claro da Polícia Civil, que investiga agora com base nos documentos recolhidos nesta terça-feira, é o resultado que o time alcançará diante do Atlético nessas quartas de final da Copa do Brasil.

ATLÉTICO

Sérgio Sette Câmara assumiu o Atlético ao mesmo tempo em que Wagner Pires de Sá iniciava sua história no Cruzeiro como presidente. E já carregando o “Caso Fred”, que trocou a Cidade do Galo pela Toca da Raposa no final de 2017, numa atitude que até hoje está na Justiça, pois a rescisão do camisa 9 com o Galo previa uma multa de R$ 10 milhões caso ele fosse para a Raposa, mas ela não foi paga e segue em discussão.

Porém, a diferença entre as duas diretorias não para por aí. As propostas mostram isso desde o início. E enquanto o rival investia alto, no Atlético, Sette Câmara ficou marcado por iniciar seu mandato pregando austeridade, palavra que virou quase que sinônimo do presidente alvinegro.

O primeiro balanço de cada lado mostra as duas filosofias. Em relação ao endividamento é difícil se falar, pois ainda há o reflexo de administrações anteriores. Mas a análise do gasto com o futebol em 2018 mostra um investimento de R$ 205 milhões do Atlético e de R$ 324,2 milhões do Cruzeiro. Sim, a Raposa gastou, em média, R$ 10 milhões a mais por mês com seu time no ano passado, embora aí estejam valores de premiações por títulos.

E aí entra a pressão sobre o lado alvinegro. Os resultados em campo foram diferentes. Os rivais decidiram o Campeonato Mineiro de 2018 e 2019, e as duas taças foram parar na Toca da Raposa II, sendo que a deste ano foi garantida com um gol justamente de Fred, dentro do Independência.

Além disso, no ano passado o Cruzeiro ganhou os inéditos hexacampeonato, no geral, e bi, em sequência, da Copa do Brasil, que agora é o objeto de disputa entre eles.

MOMENTO DO PRESIDENTE

Sette Câmara vive seu melhor momento na relação com a torcida alvinegra. Após a classificação às quartas de final da Copa do Brasil, garantida com um 2 a 1, de virada, sobre o Santos, no Pacaembu, ele foi assediado por torcedores para fotos.

Além disso, o momento do rival deu um choque de realidade, e a austeridade deixou de ser vista como um monstro pelo torcedor. No final do mês passado, o Conselho Deliberativo do clube se reuniu, e a pauta era uma reforma do estatuto do clube que permitisse uma modernização e maior transparência na administração.

“Por que reformar o estatuto? Esse estatuto é da época que o orçamento do Atlético era de R$ 50 milhões por ano. Hoje é seis vezes maior. Então, é preciso ter regras de controle muito firmes e rígidas. Porque o Atlético continua, sobrevive a nós”, declarou Rodolfo Gropen, presidente do Conselho atleticano à TV Galo no dia da reunião.

Na mesma entrevista, duas semanas antes da operação desta terça-feira da Polícia Civil, Gropen revelou o objetivo principal da ação do Conselho: “Para que não haja oportunidade de uma pessoa não muito benta fazer mau uso do que nós estamos construindo, do que o Atlético está evoluindo nos últimos dez anos em que eu estou aqui. A ideia é reformar o estatuto para modernizá-lo. Então, quando eu falo regras de governança e compliance é criar controles de forma a equilibrar despesas e receitas”.

A crise faz com que o Cruzeiro tente agora gastar o menos possível, embora isso seja impossível de uma hora para a outra, principalmente com uma folha tão alta, a terceira no futebol brasileiro antes dos escândalos, abaixo apenas de Palmeiras e Flamengo. Mas os jogos contra o Atlético podem significar muito mais que dinheiro, pois a classificação do time de Mano Menezes não deixa de ser uma água na fervura, embora as investigações das Polícias Federal e Civil e do Ministério Público sigam.

No Atlético, a austeridade já é vista de forma diferente pela torcida, pois o fio da meada cruzeirense é a grande dívida contraída nesta década. Mas de toda forma, no terreno da rivalidade, voltar a levar a melhor sobre o Cruzeiro no campo, num momento em que o rival sofre fora dele, teria um sabor pra lá de especial para os atleticanos.

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