Dos seus 27 anos de vida, 15 são no Cruzeiro, onde passou por todas as equipes da base. Referência de comportamento, dedicação e qualidade, Rafael vive em 2016 seu principal momento no clube.
Desde 28 de agosto, é o dono do gol cruzeirense, por causa da contusão do titular Fábio, jogador que mais partidas disputou pelo clube em todos os tempos (705).
E o peso de substituir o maior ídolo da torcida se transformou numa nova história, pois Rafael é um dos destaques do time de Mano Menezes e encerra a temporada em alta.
Nesta conversa com o Hoje em Dia, na tarde da última quinta-feira, ele fala ainda da preparação para disputar o clássico dos 6 a 1, em 2011, da idolatria por Taffarel na infância e do seu futuro.
O que a titularidade mudou na vida do Rafael fora de campo?
Percebo que agora o reconhecimento é maior. Mais pessoas acabam reconhecendo. Mas o carinho, o respeito pelo trabalho, não mudou muito. Sempre me senti muito bem acolhido pelos torcedores, por ter vindo da base e por ter feito também jogos importantes na ausência do Fábio. A relação sempre foi próxima e boa, mesmo quando eu entrava para substituir o Fábio em apenas um jogo.
Você está falando de substituir o Fábio. O momento mais marcante foi na goleada de 6 a 1 sobre o Atlético, na última rodada do Brasileiro de 2011, que livrou o Cruzeiro do rebaixamento. Qual a lembrança daquele momento?
Fomos para Atibaia e passamos a semana toda lá, concentrados, fazendo a preparação. Me lembro que todos os dias o grupo se reunia para conversar sobre a importância do jogo, da mobilização, do que tínhamos que fazer para vencer. Era um momento delicado, de muita pressão. E vínhamos sofrendo essa pressão já há dois, três meses antes desse jogo. O clima foi tão bom, de confiança, de superação, que chegamos em campo muito confiantes. Sabíamos que ali, todo mundo ia dar a vida pela vitória. O nível de concentração e dedicação foi extremo e o placar desse jogo se deve muito a isso.
Há quase dez anos você foi campeão da Copa São Paulo e do Brasileiro sub-20 no mesmo ano (2007). É importante ser campeão na base?
O principal objetivo é formar jogadores, e a base do Cruzeiro tem excelência nisso, pois hoje, no nosso elenco, são vários. Dos cinco goleiros, quatro foram formados na base, sendo que o Fábio também teve uma passagem por lá. Tem Alisson, Élber, Bruno Ramires, Fabrício Bruno, Mayke. Mas no futebol, sabemos que a vitória, o título, é algo que importa. Sabemos que nossa profissão é essa, ganhar. Por isso é importante conquistar títulos na base, conviver com isso, disputar torneios importantes.
Como começou sua história no Cruzeiro?
Vim com 11 para 12 anos fazer um teste. Passei, mas meu pai não deixou eu ficar, por causa da idade e preocupação com o estudo. Segui na minha escolinha até o final de 2001 para 2002. Apareceram outros convites, para jogar no Vasco, no Tombense, ai me pai se convenceu e disse para fazer outro teste no Cruzeiro. Já estava com 12 para 13 anos. Seria uma semana de testes, mas com três dias já estava aprovado e no final de semana, que estava programado de voltar para casa, nem voltei. Já fui para o jogo.
Quem era o ídolo de infância do Rafael?
Não tem como ser diferente. Na época, o goleiro que defendia a Seleção, que pegou pênalti na final da Copa de 1994, quando eu tinha cinco anos e pude assistir, era o Taffarel. Isso marcou muito. Ele foi espelho não só para mim, mas, com certeza, para muitos da posição, pois foi um grande goleiro, que fez uma história muito bonita e foi decisivo em Copas. Além disso, por associar Rafael e Taffarel, os nomes se parecem, e criança gosta muito disso. Depois, quando comecei a jogar, passei a ter muitos espelhos.
Quais os melhores do mundo na posição hoje?
Tem vários. Acho que seria até injusto, pois goleiro, cada um tem uma característica, como saída na bola ou velocidade debaixo do gol. É difícil apontar um só. São vários. Mas acho que hoje, se fosse falar de um, seria o Buffon, que ainda está jogando em grande nível e tem uma história maravilhosa como goleiro. Tento me espelhar nele.
O que o Fábio representa para você?
Antes de um companheiro de trabalho é um amigo. Falo que somos amigos dentro e fora de campo, pois dentro de campo a gente treina muito forte e isso ajuda a elevar o nível do trabalho, de concentração e faz com que todos os goleiros cresçam. Estamos sempre conversando sobre lances, jogos, aprendendo juntos. Sou muito feliz de poder conhecer, trabalhar e ter ele como amigo, pois é um goleiro excepcional e ídolo do clube. Nossa amizade me fez crescer muito.
Chegou o momento de o Rafael jogar, ser titular de uma equipe?
Todo atleta profissional quer jogar. Mas não penso muito nisso. Primeiro quero terminar o ano bem, pois tem mais dois jogos. Tenho contrato com o clube por mais três anos e sou feliz aqui. Deixo meu futuro para o meu empresário e a diretoria do clube decidirem. Quero poder ajudar, dentro de campo, em algumas oportunidades ou no treinamento. Vou estar sempre disponível. Como profissional, tenho que trabalhar sério. Quem vai jogar, se será aqui ou em outro clube, isso aí é opção de treinador, da comissão, da diretoria. Tento não me preocupar muito com isso.
Mas no mercado da bola, seu nome ganhou outra dimensão, não foi?
Sim. Vai chegando o final de ano e há muita especulação e sondagem a respeito de vários jogadores. Todos os times estão se movimentando para contratar. Sou bem tranquilo. É claro que agora está acontecendo como nunca tinha acontecido antes, pela sequência de jogos que tive, mas tento não me preocupar com isso, pois posso acabar perdendo o foco. O futuro a Deus pertence e deixo para quem trabalha comigo, que é meu empresário, e para a diretoria do clube.
Como é ter uma oportunidade que você aguarda há anos, mas com a contusão de um amigo?
Futebol tem espaço para todo mundo. As pessoas tratam muito às vezes como uma disputa. Não vejo assim. Trabalhamos na mesma empresa e temos a mesma função. Seja o Fábio, o Rafael, o Lucas França ou o Elisson, estamos trabalhando para que o Cruzeiro saia vencedor. Que bom que temos quatro goleiros bons no clube.
A máxima de que para ser goleiro precisa ser louco é verdadeira?
É uma posição totalmente diferente. O zagueiro, às vezes, consegue jogar no ataque, na lateral, no meio. O goleiro não. É uma posição específica e com uma responsabilidade muito grande. E tem um papel muito importante, pois está vendo o time de frente o tempo todo. O goleiro precisa ter liderança, orientar o time. E precisa ser frio. A maioria é mais calado, tranquilo, brinca um pouco menos. A cobrança e pressão são muito grandes, pois não podemos errar. Atrás da gente só tem a rede. Vir aqui todo dia, ficar pulando no chão mais de cem vezes, levando chute de todo lado, na cara, no braço, já tenho dois dedos quebrados, o nariz também. Para aguentar isso, tem que ser um pouco louco mesmo.
Dá para ter a leitura, dentro de campo, das situações difíceis?
Precisamos prever quais são as possibilidades do atleta naquele momento. Nós só podemos reagir à ação, depois que ela acontece. Por isso, é fundamental fazer a leitura do jogo, para se posicionar melhor ou até orientar um colega. A leitura rápida da jogada é fundamental.