Entrevista: fisiologista da Seleção, Guilherme Passos relata preparação a um ano de uma Copa atípica

Gustavo Andrade
@gfandrade
15/11/2021 às 11:06.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:15
 (Lucas Figueiredo/CBF)

(Lucas Figueiredo/CBF)

Quando a Seleção Brasileira entrar em campo para enfrentar a Argentina na noite desta terça-feira, às 20h30, em San Juan, a equipe comandada por Tite buscará a 12ª vitória em 13 partidas nas Eliminatórias Sul-Americanas. No entanto, mesmo se for derrotado, o Brasil seguirá na liderança isolada da competição. O aproveitamento superior a 94% foi determinante para que a vaga na Copa do Mundo de 2022 fosse confirmada com seis jogos de antecedência. Agora, a comissão técnica já se prepara para um Mundial atípico.

A Copa no Catar será disputada em novembro — a escolha pelo fim do ano foi feita para evitar forte calor no país do Oriente Médio em julho. Além do clima atípico, a Seleção Brasileira se planeja para um período curto de treinamentos antes de iniciar a briga pelo hexacampeonato mundial.

“Teremos um cuidado muito maior previamente. Vamos reforçar as visitas aos jogadores em seus clubes, ir aos locais onde os atletas estão para avaliá-los, para ver o estado físico dos atletas. Assim, vamos tentar garantir ao máximo que eles cheguem no melhor estado. Em período tão curto de preparação, fica muito difícil desenvolver fisicamente o atleta”, destacou Guilherme Passos Ramos, fisiologista da Seleção Brasileira.

Há mais de oito anos na CBF, o profissional mineiro coordena, ao lado do preparador físico Fábio Mahseredjian, o planejamento da comissão técnica de Tite para ter os jogadores nas melhores condições físicas durante a Copa do Mundo de 2022. Em entrevista ao Hoje em Dia, Guilherme Passos relata todos os passos do departamento de fisiologia da Seleção Brasileira na busca pelo hexacampeonato mundial. Lucas Figueiredo/CBF

Guilherme Passos busca deixar jogadores da Seleção na condição física ideal

Ainda que a Copa do Mundo seja no fim do ano que vem e as previsões de temperatura no Catar nesta época sejam entre 20ºC e 30ºC, há uma preocupação em relação ao desgaste excessivo dos jogadores?

Essa era uma preocupação quando o Catar foi escolhido. Seria extremamente preocupante se fosse em junho ou julho. São temperaturas extremas. Os estádios são climatizados, mas os locais de treinamento não são. Em novembro, serão temperaturas similares às do Brasil. Nossa maior preocupação é com a sequência de jogos. É uma Copa com o período total reduzido (27 dias). Teremos jogos com intervalo de três dias. O foco será maior para o período entre jogos. Estamos olhando recursos que teremos de levar ao Catar para acelerar a recuperação entre os jogos, para ter os atletas recuperados para o jogo subsequente. Já pensamos em ferramentas para avaliar o estresse do atleta, outras para tentar acelerar a recuperação, algumas tecnologias novas, como freezers de corpo inteiro e câmaras hiperbaricas. O Fábio (preparador físico) e eu continuamente estamos investigando se esses recursos possuem evidências científicas e se podem ou não nos ajudar.

Até a Copa do Mundo, vocês terão poucos dias de contato direto com os atletas durante as convocações. Como é feito o acompanhamento no período em que não há jogos?

Basicamente, no período em que não estamos convocados, nossa função é buscar informações dos atletas nos clubes. Também vamos assistir aos jogos e temos avaliação subjetiva da questão física do atleta. O Fábio é extremamente experiente e consegue avaliar o estado do atleta, fazer inferências e ajudar o treinador a fazer essa avaliação. Além disso, solicitamos informações aos clubes. Recebo esses dados e comparo com os dados de treino na seleção, para ver se o jogador está conseguindo desempenhar próximo do que já fez e se está dentro da média de atletas da posição.Também fazemos trabalhos de visita in loco, acompanhando os tipos de treinamento e  assistindo aos treinamentos. Muitas vezes, os atletas têm profissionais próprios (personal trainer ou preparador físico). Vamos à casa do atleta para acompanhar como é feito esse tipo de trabalho. Fábio e eu temos contato direto com esses profissionais que acompanham os atletas. Estamos a todo o tempo trocando informações.

Nos clubes, os jogadores são submetidos a diferentes metodologias de trabalho. É possível perceber diferenças de preparação quando eles chegam à Seleção? 

Os treinamentos são diferentes entre os clubes e temos de fazer ajustes. As diferenças são comuns entre as nacionalidades das comissões técnicas. Em comissões de italianos, há volumes muito grandes de treinamentos. Já em comissões espanholas, o volume de treino tende a ser menor. Como o atleta vai sofrer essa mudança de estímulo, a gente vai priorizar mais a recuperação em um ou outro, sempre tentando achar o equilíbrio.

No período em que não há jogos, quantos atletas são acompanhados à distância pela comissão técnica da Seleção Brasileira? 

Geralmente, a comissão técnica cria uma relação de 40 a 45 atletas num primeiro momento, logo depois de uma sequência de jogos, quando retornamos ao expediente aqui na CBF. A comissão técnica tem estratégias de acompanhamento. Dentro desses 45 atletas, os atletas são divididos em grupos. Claro que todos assistem aos jogos, mas esse contato direto com atleta é feito com o pessoal dividido em pequenos grupos. O Fábio, geralmente, faz contatos telefônicos com os atletas, enquanto fico mais na análise dos dados. Dividimos o trabalho dessa forma. E, praticamente, todos os dias compartilhamos as informações. Juninho e Tite lideram reuniões diárias. A partir do momento em que são definidos os 23 jogadores convocados, não deixamos de monitorar os outros. 

Quais análises são feitas para prevenir lesões? 

A questão da lesão muscular virou um mito no futebol. A lesão é multifatorial, não há um fator que vai determinar se o jogador vai se lesionar ou não. Não é linear, nem binário. É quase impossível com uma variável só afirmar se o atleta vai se machucar ou não. Até mesmo o sono influencia. Há mais de 100 fatores que podem influenciar numa lesão. É preciso somar e relacionar esses fatores e é fundamental uma boa comunicação entre todos da comissão técnica

Se for constatada a possibilidade de uma lesão antes de um jogo decisivo, como é feito o equilíbrio entre o risco de escalar o jogador e a necessidade de contar com ele em campo?

Não existe um fator ou escala que determine que o atleta vai ou não se machucar. O nosso trabalho é desde o acompanhamento inicial até estarmos no dia a dia com o atleta e auxiliar no controle do máximo de variáveis que podem estar associadas a um aumento do risco de lesão. Além de procurar entregar à comissão uma equipe equilibrada fisicamente..

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