Técnico, clássico e vencedor. Em 15 anos de carreira, Marcelo Kiremitdjian, ou simplesmente Marcelo Djian, é lembrado como um dos principais zagueiros do Brasil na década de 1990 e no início dos anos 2000. Com passagens por Corinthians, Lyon, da França, Cruzeiro e Atlético, Djian encara, aos 52 anos, uma das missões mais desafiadoras da sua vida profissional.
Desde novembro de 2017, o paulista da capital exerce o cargo de diretor de futebol da Raposa. Em meio a maior crise institucional da história do clube, Marcelo Djian se tornou o homem forte do futebol do Cruzeiro.
Com o afastamento de Itair Machado do cargo de vice-presidente de futebol, cabe a Djian a responsabilidade de comandar os bastidores de uma das maiores agremiações do futebol brasileiro, em um momento de turbulência dentro e fora de campo.
Ao Hoje em Dia, o dirigente relembrou momentos marcantes de sua carreira de jogador e falou abertamente sobre o momento atual que vive o clube estrelado.
Você é daqueles que gostam de rever lances, os jogos clássicos e os títulos de sua trajetória como jogador?
Não vejo muito. Às vezes, quando alguém me manda por WhatsApp. Estou em grupos de amigos do Corinthians e amigos do Cruzeiro. Alguns colocam lances de jogos de decisões de campeonatos. Mas só assim, e só quando eu estiver muito à toa. E ultimamente nunca estou à toa (risos).
E nesses grupos rola uma brincadeira?
Sim, sim. Tem pessoas que enviam fotos de épocas de juvenil, júnior. A gente relembra um pouco. Existe um pouco de saudosismo da época, ao relembrarmos as histórias.
Falando de sua época no Corinthians, você conquistou o título brasileiro em 1990, o primeiro do clube em Brasileiros. Era um peso que a torcida e os jogadores carregavam. O que representou aquele título, e o quão importante foi para o prosseguimento de sua carreira?
Naquele ano tínhamos sido eliminados no Paulista pelo Bragantino, que foi campeão. O Corinthians acabou contratando o técnico Nelsinho Baptista, que era treinador do Novorizontino, finalista daquele Paulista. E fomos campeões brasileiros. Foi muito importante na minha carreira. Eu havia começado a jogar no profissional em 1987. Em 1988, ganhamos o Paulista, e 1990 houve a confirmação do título (brasileiro). Eu estava em evolução, tive convocações na Seleção, então (o título brasileiro) foi a confirmação na minha carreira.
Depois disso, você foi para o Lyon e, em seguida, defendeu o Cruzeiro. Como se deu esse período antes de ser jogador da Raposa?
Em outubro de 1993 fui para o Lyon. Foi algo bem inesperado, uma surpresa. Apesar de que em 93, o Corinthians estava muito bem. Eu joguei as 14 primeiras partidas. Inclusive, estive no primeiro jogo do Brasileiro, na estreia do Ronaldo (Fenômeno), e tive que marcá-lo...
E como foi marcar o Fenômeno?
Nem sabíamos que ele se tornaria o que se tornou. Sabíamos que iria estrear um menino de 17 anos que era rápido e driblador. Mas fizemos um jogo muito bom, ganhamos de 2 a 0, o Ronaldo estava tímido ainda, graças a Deus (risos). Tínhamos também estreia do Rivaldo, do Viola, Zé Elias... foi um jogo marcante para a época. Este foi o início, Mário Sérgio era nosso treinador.
Depois disso, você seguiu para o Lyon...
Fizemos partidas muito boas. Aí teve o interesse do Lyon, fiquei quatro anos lá. Na minha volta, me tornei representante do Lyon, mesmo sendo jogador. Fui para o Goiás, mas quando cheguei lá, recebi um convite do Cruzeiro, um chamado do Nelsinho Baptista. Rescindi com o Goiás. Houve uma confusão, acabei não conseguindo ser inscrito para a final do Mundial, contra o Borussia. O Nelsinho foi demitido antes de eu jogar, e o Levir (Culpi) chegou em 98. Comecei na reserva, esperei umas sete ou oito partidas para ter uma chance e virar titular. Ganhei minha segunda bola de prata (zagueiro do Brasileiro). Fiquei quatro anos aqui.
Qual foi melhor: o Marcelo do Corinthians ou o Djian do Cruzeiro?
Tive momentos bons nos dois. No Cruzeiro eu vim com mais experiência e trazia alguns ensinamentos da Europa. Saída de bola melhor, fazia bem o jogo longo, não era só bola no pé. Tinha colocação e parte tática com mentalidade melhor do que a que existia no Brasil na época.
Em 1998, o Cruzeiro foi campeão mineiro e vice de três competições (Copa do Brasil, Brasileiro e Mercosul). O que faltou naquele dia para levantar uma dessas três taças?
Tínhamos um time muito bom, jogadores experientes, veteranos. Acho que poderíamos ter priorizado algum campeonato. Jogamos até 29 de dezembro. As decisões do Brasileiro (contra o Corinthians) foram em dezembro e depois ainda teve as do Palmeiras (na Mercosul). Além da parte física, o primeiro jogo no Brasileiro foi fundamental; estávamos ganhando de 2 a 0, não poderíamos ter deixado empatar. Já na Mercosul, ganhamos o primeiro jogo e perdemos os outros dois. E as decisões mesmo foram fora de casa, então, querendo ou não, era um peso grande.
E em 2000 você foi campeão da Copa do Brasil.
Sim, estava no banco (risos). Até joguei as primeiras partidas. O Paulo Autuori havia me tirado do time para um clássico, em que perdemos do Atlético de 4 a 2. O Aututori saiu depois desse jogo, e o Marco Aurélio chegou. Tive uma participação boa. Joguei a semifinal contra o Santos. Ajudei muito o Marco Aurélio do lado de fora, ele até me agradeceu depois do título (da Copa do Brasil). Eu acalmava o pessoal.
Rogério Ceni não gosta muito dessa época.
É verdade (risos). E eu falei para ele que foi a Copa do Brasil mais perdida que ganhamos. Lembro que neste jogo (da final), o Marco Aurélio me perguntou o que poderíamos fazer. Aí eu falei para ele colocar dois atacantes. Quem iriam tirar eu não sabia, mas tinha que colocar dois atacantes. Ele colocou o Müller e o Fábio Júnior. O Müller aconselhou o Geovanni na falta do segundo gol. Foi um título que ganhei que parecia perdido.
E aí depois você acertou com o Atlético. Como foi aquela época em que você decidiu atravessar a cidade e jogar no maior rival do Cruzeiro? O Atlético, inclusive, fez uma boa campanha no Brasileiro de 2001.
A Hicks Muse (investidora do clube) estava saindo do Cruzeiro. Estava numa redução de investimentos. E quem tinha salários altos estava saindo. E eu era um deles. Me perguntaram o que eu achava disso. Eu tinha dois filhos pequenos e disse que era ruim sair naquela época. Pedi para esperarem para me mandarem embora em julho, que era período de férias escolares, que eu olharia um time para jogar. Esperaram até julho e continuaram com essa ideia de eu sair. Eu tinha um salário relativamente alto e não estava sendo utilizado.. Nesse tempo, o Levir estava indo para o Atlético. Um amigo meu me sugeriu de ligar para o Levir. Só que falei que não ligaria. Por mais que eu tivesse amizade com o Levir, não faria isso (risos). Cinco minutos depois, o Levir me ligou. Acertei a rescisão com o Cruzeiro e chegamos num acordo. Depois, fui muito bem-sucedido também no Atlético. Fizemos campanhas boas, a torcida me aceitou bem, e chegamos à semifinal do Brasileiro contra o São Caetano. Naquela época, o Atlético começou a pagar tudo em dia. Me considero privilegiado. Nos 17 anos em que joguei no profissional nunca recebi atrasado. Fiz muitos amigos no Atlético.
O atleticano é muito sentido por conta do Brasileiro de 2001. A chuva atrapalhou bastante, houve muita reclamação por parte do Atlético. O que mais se lembra daquele duelo?
Fizemos o mais difícil que foi sair à frente do placar, com o Valdo. Aí caiu uma chuva grande... Conversamos com o Simon (árbitro do confronto), não para terminar o jogo, mas para haver a marcação de uma nova data para a continuação da partida, pois o gramado estava impraticável. Ele resolveu continuar a partida, e o São Caetano fez dois gols de escanteio. Não dava para jogar daquele jeito.
Você passou pelos anos 80, 90 e 2000, três décadas no futebol. Como foi para você dentro de campo passar por essas três décadas? E quais as maiores transformações que você viu ao longo dessas décadas?
Na parte técnica e física, houve uma evolução enorme. O treinamento físico, quando subi para o profissional, era muito intenso, muita musculação e corrida. Depois, teve o Jair Pereira em 88 com um trabalho técnico melhor, junto com o Café, que era o preparador físico. Em 90, com o Nelsinho, tinha muito treino também. Revertemos vantagens muito em função da parte física. Em 93, peguei a evolução na Europa que veio para o Brasil dez anos depois. Em 98, o Brasil continuava com sistemas diferentes; nas partes físicas e técnicas, houve mudanças. E na parte fora de campo, houve a Lei Pelé. Essa mudança nas leis era uma faca de dois gumes, tinha prós e contras. Antes da Lei Pelé, o clube te recuperava, caso estivesse mal, porque você era patrimônio dele. Por outro lado, o jogador deixou de ser "escravo" do clube, sendo livre quando acaba contrato.
Quem foi seu melhor companheiro de zaga?
Me dei muito bem com o Henrique no Corinthians. Tive uma grande fase com o Gottardo também no Cruzeiro. Acho que Henrique e Gottardo marcaram bastante minha carreira.
Vamos falar do seu trabalho como diretor no Cruzeiro. No ano passado, o clube ganhou o Mineiro e a Copa do Brasil. Neste ano, levou o Mineiro, mas vem passando por um momento turbulento fora de campo. Essa crise extracampo tem atrapalhado seu trabalho?
A situação a que tudo chegou não é boa para nenhum clube. Estou sempre mais na Toca, e os jogadores também. Existe um isolamento maior aqui. A gente procura evitar ao máximo que essas coisas cheguem aos jogadores, porque isso pode vir a atrapalhar. Essas denúncias, em si, não são uma coisa boa, claro. Mas os jogadores estavam blindados quanto a isso. Do jogo do Emelec para cá, começamos a perder alguns jogos, e aí começaram as denúncias... As denúncias estão sendo apuradas, a gente está no aguardo do que vai sair dali. E procuramos blindar o time. O atleta tem que estar preparado nas partes física, técnica e emocional. Explicamos algumas coisas para eles,que assimilaram bem. Teve a saída do Mano e chegada do Rogério Ceni. Esperamos confirmar a melhora no Brasileiro e quem sabe vencer o Internacional na Copa do Brasil.
Mas essa questão fora de campo chegou a interferir dentro de campo de alguma forma?
Por eu estar próximo dos jogadores, acho que não. Os próprios jogadores falaram entre eles para não ficar olhando as redes sociais e aguardar a apuração das denúncias. Eles mesmo tomaram essa atitude. Mas sabemos que é uma situação que incomoda a todos do clube. Só que esse problema não interferiu muito dentro de campo.
O Rogério Ceni já chegou falando do planejamento para 2020. Apesar de ser um assunto interno, queria que nos falasse o quanto esse pensamento dele e essa parceria com você são importantes para o planejamento.
Logicamente a gente consulta o treinador na hora de contratar. Sempre conversamos. Ao mesmo tempo tem jogadores que achamos interessantes para o clube, e podemos fazer isso em separado, mas sempre consultando o treinador. Estamos pensando, sem dúvida, no elenco do ano que vem. Apesar de sabermos que o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil são nosso foco. Mas a formação do elenco está sendo estudada, para fazer contratações ano que vem. De repente, haverá jogadores que terão propostas de outros clubes também. O importante é seguirmos uma metodologia de contratações.
O Rogério não especificou esse planejamento, mas muda muito caso o Cruzeiro não se classifique para a Libertadores, em termos de montagem de elenco?
Logicamente que quando se está classificado para a Libertadores é outro investimento. Tem-se as cotas da Libertadores. O investimento é outro, porque sabe que tem um valor diferente entrando, e também pela importância da competição. Se classificar ou não, influencia nas contratações e no volume para investir em reforços. Estamos há dois anos seguidos em Libertadores, por conta das duas Copas do Brasil que ganhamos. O investimento de todos os times que entram nessa competição é para ganhar a Libertadores.
O Rogério Ceni teve uma carreira muito bem-sucedida como jogador, mas como treinador ainda está iniciando sua trajetória. Houve uma certa ousadia do Cruzeiro em apostar no Rogério?
Foi conversado internamente, e chegamos ao nome dele. A última partida nossa antes da parada da Copa América foi contra o Fortaleza. A gente via que o Fortaleza era um time bem treinado. Tanto que perdemos o jogo para eles. Vimos que o Rogério também era um cara da nova geração. Vindo para cá, ele encontraria jogadores até mais qualificados do que ele tinha lá e poderia nos ajudar. As semanas de treinamento estão deixando a gente bastante otimista. Esperamos que faça um grande trabalho aqui.
Você tinha dotes como líder em campo, relembrou o caso da final da Copa do Brasil de 2000, em que ajudou o Marco Aurélio. Não pensou em ser treinador?
Cheguei a pensar. Fiz curso de treinador na França. Mas como eu tinha cargo de representante (do Lyon), virei agente de jogador, porque era uma exigência do presidente do Lyon. Deixei passar o tempo. Agora que tive o convite para ser diretor aqui no Cruzeiro. Acabei com minha licença na CBF em outubro (de 2017), me desfiliando (da função de agente), pois seria conflito de interesses. Mas conheço bem o meio.
Algumas críticas da torcida são com relação à alta média de idade dos jogadores. Existe um planejamento no clube para rejuvenescer essa média de idade?
Existe essa preocupação (com a média de idade). A preparação física está bastante evoluída, mas, quanto maior a idade do atleta, maior o tempo de recuperação de um jogo para o outro. E sabemos que precisamos de jogadores mais jovens na equipe. É preciso ter jogadores jovens e jogadores experientes. A tendência é dar uma rejuvenescida mesmo. Não se pode colocar 11 jogadores novos, é muito arriscado. Tem que se mesclar com atletas de experiência. E esses experientes seguem o profissionalismo e ajudam os mais novos a ganhar essa experiência. Havia falado sobre rejuvenescer o elenco no começo do ano, e vamos fazer isso.