RIO DE JANEIRO - No fim da tarde da última segunda-feira, a comunidade de Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, parou.
Uma filha ilustre, a judoca Rafaela Silva, acabava de ganhar aquele que até agora é o único ouro do Brasil na Rio-2016 e mostrava aos pequenos vizinhos que o esporte pode, sim, ser um caminho.
A mais de 400 quilômetros de distância, a façanha da garota pobre da periferia carioca povoava o imaginário dos judocas de um projeto no bairro Serra Verde, região de Venda Nova, em Belo Horizonte.
No Rio de Janeiro ou na capital mineira, o ouro de Rafaela é muito mais que uma façanha. É a inspiração que com certeza impulsionará muitas crianças e adolescentes que enfrentam uma realidade parecida com a dela, e que se espelham na judoca que saiu da favela carioca.
Fogos
Enquanto Rafaela lutava a final, Diogo Kalleb, 13 anos, jogava videogame em casa e não tinha ideia do que estava por vir. Ao escutar uma gritaria na vizinhança, abriu a janela de casa, calçou os chinelos, e foi ver o que acontecia.
O estouro de fogos foi a confirmação de que algo ainda mais significativo se passava. Já na rua, descobriu que Rafaela, uma vizinha do bairro, havia acabado de conquistar o ouro.
Com o feito da judoca, Kalleb percebeu a possibilidade real de chegar ao auge como esportista. Mas, apesar do sucesso alcançado por Rafaela, ele não pensa em entrar para o mundo das lutas. Quer focar no esporte com mais adeptos do mundo, o futebol. “Quero ser campeão de uma Copa do Mundo”, enfatiza.
Além da bola, ele também pratica jiu-jítsu, assim como o colega Luan Azevedo Vieira, 11 anos. No entanto, o amigo decidiu nesta semana, influenciado por Rafaela, que acrescentará mais um esporte à rotina: o judô.
Quando Rafa ajoelhou no tatame, ao final da luta que consagrou a reconstrução da carreira, o garoto estava soltando pipa na Cidade de Deus. “Foi muita felicidade aqui. Ela é uma verdadeira campeã”, confirma.
Maurício Daniel Rodrigues Rangel, 8 anos, pratica corrida, atletismo, futebol, jiu-jitsu, salto na areia e, claro, judô. “Eu gosto dela, amo ela”, afirma, em referência a Rafaela.
Os três fazem parte de um projeto social desenvolvido pela ONG Action Aid Brasil, na Cidade de Deus, em parceria com o Comitê Olímpico Italiano (Coni) e a empresa italiana Ferrero.
Presente em 27 países, o programa Kinder+Sport deve ser implantado em Poços de Caldas, no Sul de Minas, onde a empresa tem uma fábrica.
Venda Nova
Na periferia de Belo Horizonte também a medalha de ouro de Rafaela Silva virou motivo de inspiração.
Reunidos todas as segundas e quartas para a prática do judô, numa escola do bairro Serra Verde, em Venda Nova, crianças e adolescentes do Projeto Samurais do Amanhã, mantido pela equipe Peposo Team, têm, desde a medalha da carioca, uma motivação maior.
“Para mim é muito bom. Não são todas as pessoas que conseguem essa oportunidade que estou tendo. É uma forma de realizar o nosso sonho e, quem sabe, um dia ganhar uma medalha também”, revela a menina Raíssa Martins da Silva, de 12 anos, uma das alunas do projeto.
Política
Rafaela Silva foi revelada num projeto social da Cidade de Deus, o Instituto Reação, criado pelo ex-judoca Flávio Canto e pelo treinador Geraldo Bernardes.
A ONG Action Aid Brasil e o Samurais do Amanhã fazem o mesmo papel, numa história em que todos os personagens evidenciam a falta de uma política pública de esportes no País.
* Colaborou Guilherme Guimarães