Gestora das cabulosas

'O Cruzeiro não é uma equipe formada por salvadores da pátria', diz Kin Saito

Angel Drumond
angel.lima@hojeemdia.com.br
Publicado em 27/11/2023 às 11:56.
Gestora das Cabulosas analisa evolução do futebol feminino e do clube na gestão SAF (Reprodução/Cruzeiro/Gerdau)

Gestora das Cabulosas analisa evolução do futebol feminino e do clube na gestão SAF (Reprodução/Cruzeiro/Gerdau)

Se no futebol masculino o Cruzeiro está passando por dificuldades, seja dentro de campo ou fora dele, no feminino a história está completamente diferente. Uma semana atrás, a equipe comandada por Jonas Urias bateu o Atlético e conquistou o Campeonato Mineiro. E uma das responsáveis pelo sucesso da temporada é Kin Saito, diretora de futebol das ‘Cabulosas’.

Formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Kin atua no ramo desde 2015. De 2015 a 2017, atuou no Departamento de Comunicação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Depois passou a trabalhar como coordenadora de futebol feminino no Grupo R9, do Ronaldo Fenômeno, sócio majoritário do Cruzeiro SAF.

No clube desde maio, Kin vem acumulando bons resultados na gestão. As Cabulosas, que lutaram contra o rebaixamento no ano passado, esse ano chegaram a uma fase final inédita do Campeonato Brasileiro, além de conquistarem o Campeonato Mineiro após três anos batendo na trave.

Em uma conversa com o Hoje em Dia, Kin falou sobre os projetos à frente da Raposa, Seleção Brasileira e sobre a gestão da SAF.

Em visita à Toca II no início do ano, os jornalistas foram informados que o futebol feminino é um pilar estratégico da SAF do Cruzeiro. O que mudou depois da chegada do Ronaldo?
Por muito tempo, o futebol feminino foi visto como uma obrigação dos clubes, a partir do licenciamento de clubes da CBF e da Conmebol, e não com esse entendimento que é um pilar estratégico. Então o que mudou de uma forma prática é que o futebol feminino passou a ser tratado com respeito, com estrutura, porque por muitos anos, antes da chegada do Ronaldo, o futebol feminino não era integrado à Toca I ou Toca II e agora elas operam a rotina nos CTs do clube e toda essa parte de construção, de pedagogia do jogo, ou metodologia do jogo, de literalmente usar o mesmo gramado, o mesmo refeitório, os mesmos processos, foi a grande virada de chave. Fazer com que o futebol feminino e as atletas do futebol feminino se sintam pertencentes ao escudo que elas defendem e representam, para que o clube possa crescer também de acordo com que o mundo vem pedindo. 

O time conseguiu a classificação na 8° posição e acabou sendo desclassificado pelo Corinthians no último Campeonato Brasileiro. Depois de vencer o Mineiro qual a meta para a próxima temporada?
Em 2022 a equipe brigou para permanecer na 1ª divisão e esse objetivo foi alcançado. Para 2023, a gente tinha essa meta desportiva e de forma inédita alcançar o mata-mata. Com a classificação em 8º, o chaveamento das quartas de final nos colocou à frente do Corinthians. A gente sabe da história e o tempo de desenvolvimento que a equipe do Corinthians, e essa eliminação acabou ocorrendo dentro de uma fase inédita alcançada, mas de alguma forma demonstrando essa diferença que existe por tempo de desenvolvimento do projeto. Então, a gente vira uma chavinha ao término da competição para focar no Estadual, onde o Cruzeiro colocou uma meta de fazer a melhor campanha da 1ª fase, o que aconteceu, para poder ser mandante e controlar a operação da final. Temos um calendário muito competitivo por meio da Ladies Cup. A gente pretende entender a Ladies Cup como um laboratório para poder mapear as oportunidades que o elenco de 2023 demonstra para nós e também estar ali para uma preparação para 2024, já que a nossa temporada começa com a Supercopa.

O Brasil fez uma campanha decepcionante na última Copa do Mundo, qual a sua opinião sobre a participação e o que levou a esse resultado?
Quando penso em Seleção Brasileira trato isso como desempenho ou uma consequência dos esforços, das estratégias ou dos planejamentos que a gente tem sobre várias perspectivas, desde a formação individual das atletas, passando pelo processo de formação nas categorias de base, até pelo nível de competitividade que as competições nacionais e regionais propõem, até de fato essa construção de identidade desde a seleção sub-17, sub-20 e essa transição para uma seleção principal. Então a gente precisa sempre reconhecer o resultado, não só pelo desempenho que foi apresentado. Realmente uma eliminação precoce na fase de grupos não fazia parte dos planos, mas acho que a gente precisa fazer uma análise muito ampla e construída por várias perspectivas sobre o que foi o trabalho desenvolvido sob a liderança da Pia. Quais foram os processos positivos de inte-gração que ela trouxe, mas especialmente essa leitura de contexto de entendimento histórico do futebol feminino e claramente subir o sarrafo, entender o quanto esse processo aparece.

Como gestora do futebol, como você avalia o trabalho das mulheres no staff dos times? Ainda temos um número abaixo do esperado?
A presença de mulheres atuando com futebol é explicada por uma questão histórica, então se em algum momento as mulheres foram proibidas de jogar futebol isso significa um grande impacto e com várias gerações sonhando em exercer outras funções dentro do futebol, seja em área de gestão ou área técnica. A gente precisa pensar também quais as condições que a gente está dando a essas mulheres se capacitarem e serem inseridas nesse mercado. Então acho que cada clube pode assumir essa responsabilidade de ampliar esse número de mulheres, mas também entender hoje, através da CBF, quais são as iniciativas que a gente está fazendo para oportunizar esse conhecimento e essa inserção no mercado. Então acho que sim, a gente tem um número abaixo, mas a gente precisa ter um olhar muito atento, criterioso e crítico também para saber o que cada instituição, cada clube, cada federação ou a CBF tem feito para oportunizar essa qualificação.

As Cabulosas possuem um planejamento a longo prazo. O que a torcida pode esperar da equipe até 2030, data informada pela gestão da SAF?
A gente tem duas grandes metas com o futebol feminino do Cruzeiro. A primeira está dentro de um pilar de profissionalização que pode se resumir a modelo de contrato das atletas que foi revisado. A partir da gestão do Cruzeiro SAF de amador para contratos profissionais, que pagam o que a lei pede, e tem o direito de imagem, podemos elevar o nível de cobrança e de excelência para essas atletas. Futebol feminino talvez por muito tempo tenha sido feito por jogadoras de futebol e esse próximo passo é por atletas profissionais de futebol. Isso exige disciplina e comprometimento acima do que a história vem nos contando. E essa outra grande meta tem a ver com a sustentabilidade, desde o ponto de vista de formação de novos talentos, mas também a sustentabilidade financeira. Então, o futebol feminino no Brasil ainda depende muito da geração de receita por meio de patrocínios esportivos e a gente entende que a partir de 2025 essa conversa sobre direitos de transmissão vai ser ampliada para que isso torne uma fonte de receita aos clubes.

Levar as atletas para treinar na Toca II teve um papel na evolução da equipe que conquistou o Campeonato Mineiro?
A evolução da equipe feminina de fato passa pela palavra construção. Se a gente imaginar que ano passado esse time estava brigando com o Z4 do Campeonato Brasileiro, para na temporada seguinte conquistar uma vaga inédita nas quartas de final, isso também é uma medida de evolução. E no Mineiro feminino, a gente entende que existe uma construção de modelo de jogo e principalmente desde a chegada do Jonas Urias. Então, a forma como as atletas conseguem absorver conceitos e princípios do futebol e se sentirem parte desse novo modelo que o Cruzeiro está tentando implicar dentro de campo como estamos falando, por posição, por uma construção tática, por esse jogo de fato coletivo, isso é evolução. O Cruzeiro não é uma equipe formada por salvadores da pátria, ou atletas com capa, que são heroínas, é a força do grupo, então acho que esse conceito tem sido muito trabalhado, e é uma série de fatores que tem levado a evolução da equipe, não somente o fato delas usufruírem a estrutura da Toca II. Então esse crescente e essa margem de evolução é o que vai guiar o projeto do Cruzeiro daqui para frente.

O que a Kin falaria para a torcida do Cruzeiro sobre a gestão da SAF?
A minha mensagem na verdade é um convite. O futebol feminino do Cruzeiro tem uma história muito recente, essa equipe foi criada em 2019. Desde então ela vem tentando aprimorar a entrega, mas principalmente dentro dessa nova gestão do Cruzeiro SAF a gente vem de fato integrando e profissionalizando a categoria. Então, a máxima do futebol feminino é querer fazer o torcedor se sentir representado pela entrega delas dentro de campo. Isso está em cada atleta. Elas se descrevem como time de trabalhadoras que realmente na hora que estão ali no jogo e vestindo essas cinco estrelas no peito, deixam tudo dentro de campo, porque sabem que estão representando muito além da própria história, muito além das próprias superações, representam uma torcida enorme que independente da categoria quer ver o Cruzeiro no lugar que ele merece estar.

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