O título do Cruzeiro de bicampeão da Copa do Brasil em 1996 contado por Marcelo Ramos

Alexandre Simões
asimoes@hojeemdia.com.br
Publicado em 28/09/2017 às 00:15.Atualizado em 15/11/2021 às 10:41.
 (Paulo Pinto/Estadão Conteúdo)
(Paulo Pinto/Estadão Conteúdo)

Na conquista do hexacampeonato da Copa do Brasil pelo Cruzeiro, o Hoje em Dia relembra os cinco títulos anteriores do clube no relato de campeões. Confira o trecho do livro Rei de Copas, publicado em 2009, com o depoimento de Marcelo Ramos sobre a campanha de 1996.

COPA DO BRASIL 1996

Por Marcelo Ramos

Em 1995, a Copa do Brasil deixou de ter apenas os campeões estaduais, mais os vices dos principais estados, e passou a ter clubes convidados. Foi nessa condição que o Cruzeiro entrou na disputa de 1996. E justificou o convite, com uma campanha recheada de grandes atuações e com uma grande lição: futebol se ganha em campo. Aquela conquista memorável teve vários heróis. Um deles especial, o atacante Marcelo Ramos. E é ele quem relata a caminhada celeste até o dia em que o Parque Antártica foi calado.

Naquele ano, a competição teve 40 clubes, um número bem menor se comparado com os 64 de hoje em dia. E isso fez com que o Cruzeiro, depois de passar sem dificuldades pelo Juventus-AC, na primeira fase, já tivesse um grande desafio: o Vasco.

O jogo de ida foi disputado no Estádio de São Januário e tinha algumas particularidades. O técnico do time carioca era Carlos Alberto Silva, que no ano anterior tinha deixado o Cruzeiro para treinar o Palmeiras e foi muito criticado pela diretoria, tanto é que nunca mais trabalhou na Toca da Raposa. Além disso, o zagueiro Rogério foi dispensado pelo treinador cruzeirense, Levir Culpi, e prometia mostrar serviço.

Mas naquela noite o Vasco foi apenas coadjuvante, apesar de jogar em seu próprio caldeirão. “Entramos em campo com o pensamento de vencer, pois, em mata-mata, sempre é importante se jogar com a vantagem. Na verdade, não perder era o mais importante, pois a decisão da vaga seria em Belo Horizonte. Mas 6 a 2 sobre o Vasco ninguém imaginava, até porque eles tinham um time forte também”, recorda Marcelo Ramos.

O Vasco já era passado, pois o empate por 1 a 1, no jogo de volta em Belo Horizonte, foi mais que suficiente para garantir a vaga nas quartas-de-final. O futuro reservava ao Cruzeiro, nas quartas-de-final, confrontos contra o Corinthians, de Edmundo e Marcelinho Carioca.

O time paulista acabou sendo mais uma vítima do poder de fogo daquele Cruzeiro. O confronto foi mais uma vez decidido na partida de ida, desta vez disputada no Independência, e que terminou com nova goleada cruzeirense, dessa vez por 4 a 0.

No primeiro tempo me recordo que a gente não foi muito bem. O Levir deu uma sacudida na gente no intervalo, pois era importante fazer pelo menos um gol, pois sabíamos que decidir lá em São Paulo ia ser complicado. Foi um segundo tempo realmente diferente e os gols começaram a sair naturalmente”, revela Marcelo Ramos.

O jogo de volta, no Pacaembu, foi encarado pelo Corinthians como guerra. O time queria vingar a goleada sofrida em Belo Horizonte. A partida esteve sempre controlada pelo Cruzeiro e a única derrota da campanha foi administrada.

A vantagem era muito grande. A gente não chegou a relaxar. Sabíamos que o time deles era muito forte, mas quando viramos o jogo vimos que estávamos classificados. Deu tranquilidade, não nos expomos, até para evitar qualquer lesão, pois a competição estava entrando na fase decisiva. Realmente os 4 a 0 do Independência nos permitiram administrar o jogo”, afirma Marcelo Ramos.

Confiança
O Cruzeiro ainda tinha de encarar a semifinal e a final para levantar a taça. Mas Marcelo Ramos garante que a confiança do grupo já era outra: “As goleadas de 6 a 2 sobre o Vasco, em São Januário, e depois aqueles 4 a 0 sobre o Corinthians, no Independência, nos deram a certeza de que a gente poderia chegar ao título. Foram resultados que nos deram confiança, fortaleceu o grupo e passamos a confiar no objetivo”.

Os dois confrontos semifinais contra o Flamengo foram verdadeiros jogos de xadrez. Os dois times tinham muito poder ofensivo. “Eles tinham Romário, Sávio, Amoroso e Marques na frente. Eram muito fortes”, revela Marcelo Ramos, mas apenas dois gols foram marcados. E o de Cleison, na partida de ida, no Maracanã, garantiu a vaga na final aos cruzeirenses, pois a volta, no Mineirão, ficou no 0 a 0.

A final seria contra o poderoso Palmeiras, bancado pela multinacional Parmalat e dono de uma verdadeira Seleção Brasileira, pois contava com jogadores como Cafu, Cléber, Júnior, Flávio Conceição, Rivaldo, Djalminha e Luizão. Reconhecer a força do rival foi um dos méritos daquele time, segunda Marcelo Ramos: “O ambiente era de muita confiança, apesar de grande parte da imprensa de todo o Brasil já dar o Palmeiras como campeão. Não nos entregamos em momento algum. Sabíamos que individualmente o time deles era melhor que o nosso, pois tinha vários jogadores da Seleção Brasileira. Mas nosso grupo era muito fechado, unido. A gente sabia que tinha condições de chegar ao título”.

E o favoritismo palmeirense cresceu ainda mais após o empate por 1 a 1 no jogo de ida da final, no Mineirão. “Acho que o placar foi normal pelo que as duas equipes fizeram. Me lembro que marquei o gol de empate. A gente sentia que era o resultado que o Palmeiras queria, pois teria a vantagem de decidir em casa. Senti dentro de campo que a torcida deu uma baixada com o primeiro gol do Palmeiras. A gente não esperava sair atrás. Deu um baque, mas depois a torcida começou a apoiar o time, o Roberto Gaúcho entrou muito bem no jogo e cruzou a bola para eu empatar a partida”, recorda Marcelo Ramos.

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O atacante Roberto Gaúcho foi um dos destaques do Cruzeiro na decisão da Copa do Brasil de 1996, marcando um gol e dando assistências para Marcelo Ramos

A partida de volta, no Parque Antártica, tinha ares de jogo das faixas do Palmeiras. Pelo menos foi esse o clima criado pelo clube paulista, que esqueceu de avisar ao Cruzeiro. “Saímos daqui com a desconfiança de muita gente, o que era normal pela força do Palmeiras. Mas isso não abateu o time. Deu foi força. Com cinco minutos de jogo eles fizeram 1 a 0 e ali senti que a gente teria muita dificuldade de virar o placar, pois jogando dentro do Parque Antártica é difícil. Mas o time não sentiu, continuou jogando bem e num lance até de sorte do Roberto Gaúcho conseguimos empatar”.

Novo empate por 1 a 1 levava a decisão do título para os pênaltis. E Marcelo Ramos revela que com  final do jogo se aproximando, e Dida fazendo uma das maiores exibições da sua carreira, os pênaltis passaram a ser uma opção: “O Dida fez excelentes defesas durante o jogo. O que ele fez nos deu confiança. No final do jogo a gente já não tinha mais tanta força. Com o 1 a 1 a decisão iria para os pênaltis e acreditávamos que poderíamos ganhar o título nos pênaltis, principalmente por causa do Dida. Mas graças a deus fiz aquele segundo gol e não precisamos passar por este sofrimento”.

Gol que o próprio artilheiro relata: “A jogada eu iniciei no meio-campo, toquei para o Roberto Gaúcho na esquerda e corri para a área. A gente tinha essa jogada desde o ano anterior, pois ele falava sempre que se tivesse espaço ia cruzar para que eu antecipasse o zagueiro. Mas o cruzamento não saiu tão perfeito. Foi na mão do Velloso, só que acompanhei a jogada. Nunca imaginava que ele fosse tentar segurar a bola. A melhor opção era colocar para fora. Mas quando ele tentou a bola foi muito para frente, estava acompanhando e esse lance está gravado até hoje na minha cabeça”.

Outra memória de Marcelo Ramos foi a reação que o seu gol provocou: “Deu para perceber que o estádio ficou mudo, pois a maioria absoluta era de palmeirenses. Eles pareciam não acreditar no que estava acontecendo. Até os jogadores deles ficaram diferentes. Foi uma sensação muito boa ganhar dentro da casa do adversário. Acho que foi melhor até do que se fosse no Mineirão, lotado de cruzeirenses. Calamos a torcida e a imprensa paulista”.

Provocação
Marcelo Ramos foi herói, mas poderia ser vilão. Na véspera da final, o jornal Estado de Minas publicou uma foto em que ele, Cleison e Roberto Gaúcho estavam de boca aberta, prontos para devorar um leitão (o símbolo do Palmeiras é o porco).

A gente vai aprendendo. Eu tinha 22 anos na época e se fosse hoje não faria essa foto nunca. Não imaginava que daria tanta repercussão. Fomos convidados, o Roberto Gaúcho, Cleison e eu, para fazer uma matéria e comer um leitão. Sem menosprezo ao adversário, mas mesmo uma brincadeira. Depois ficamos sabendo que o Vanderlei Luxemburgo usou a foto para tentar motivar os jogadores dele. Fomos repreendidos pelo Levir, mas ele viu que foi sem intenção. O próprio Zezé (Perrella) deu uma dura na gente, mas na boa, Disse que isso não era coisa para se fazer, que ia motivar o adversário. No final foi bom que ganhamos o título. Talvez, se tivesse perdido, a gente poderia até ter sido punido”, revela Marcelo Ramos.

Para Marcelo Ramos, aquela noite de 19 de junho de 1996, foi um marco na sua carreira: “Aquele gol e a conquista mudaram a minha vida. Fui ainda artilheiro do Campeonato Mineiro no mesmo ano. Depois disso, mais duas ou três semanas fui negociado com a Europa. Até hoje, nas ruas, as pessoas lembram daquele título, do gol. Foi o título mais importante da minha carreira, até mais que a própria Copa Libertadores, pela forma como foi conquistado. Ninguém acreditava na gente, vencemos e ainda marquei o gol do título. Isso é inesquecível, me marcou”.

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