Arrepiem-se, torcedores de carteirinha, que não perdem um jogo que seja do time do coração e são capazes de mover montanhas para acompanhá-lo, arrancam cabelos, roem unhas, estão juntos na alegria e na tristeza, na vitória e na derrota, amando e honrando as cores escolhidas.
Sim, porque a noite de sábado no Mineirão – aliás, os embalos de sábado à noite no Gigante da Pampulha – foram território de outro tipo de público. E não poderia ser diferente considerando que, em campo, estavam Honduras e Coreia do Sul. Não um Honduras e Coreia do Sul qualquer, mas o maior de todos os tempos.
E não sou eu, muito menos os outros 36.703 espectadores que viram a heroica classificação hondurenha de perto que vão negar. Público que a grande maioria das partidas do Brasileirão nem sonha conseguir.
Veio na cabeça aquele narrador dizendo "É Olimpíaaada, amigo" – e foi exatamente isso que eu postei no Facebook, como que para imortalizar o momento histórico.
Atire a primeira pedra quem estava lá e não fez ao menos uma foto (da selfie eu escapei, juro...); não se deixou levar pela gostosa alegria de simplesmente ver uma partida de futebol sem precisar tomar partido; escolheu pela cor do uniforme, pelo continente; torceu para os dois.
Como a torcedora bem à minha frente, acompanhada da mãe e que, na lata, sem qualquer vergonha de passar vergonha, voltou-se para quem estava em volta e soltou um "mas qual dos dois é Honduras e qual é a Coreia do Sul"?
Tá perdoada e desculpada, que era daquelas noites de olhar para o telão, para o resto da torcida, para a meia-dúzia de hondurenhos e dúzia de sul-coreanos, até para o campo. Boa parte do show, aliás, veio da arquibancada.
Que ensaiou uma vaia ao ver as cores da bandeira do país centro-americano: um azul com cinco estrelas que desagradou a parcela alvinegra do público. Mas ao mesmo tempo gritava, a plenos pulmões, "Honduras, Honduras...".
E a entrada em campo de times, arbitragem e quem mais fosse teve recepção digna de final de Copa – vamos combinar que é muito melhor atuar diante de um estádio cheio do que jogando para ninguém.
Primeiro veio a ola, que deu voltas e voltas. Depois foi a vez dos flashes de celular, das palmas ritmadas, e da ola, e dos flashes de celular, e das palmas ritmadas e, quando encheu o saco geral, as manifestações mudaram.
Foi o goleiro Luís 'Buba' López fazer duas defesas incríveis e aquele "uhhhhhhhhhh" característico incendiou a plateia. E tinha quem queria gol logo, quem queria prorrogação, pênaltis, quem até agora não sabe o que queria. Fim do primeiro tempo, placar em branco, mas animação no último grau.
Segundo tempo rolando e parece que todo o estádio estava na fila das lanchonetes – eu que tentei ser prevenido perdi pouco tempo. Mas estavam todos em seus lugares quando a bola perdida pelo ataque sul-coreano se transformou em sentença de eliminação.
Três toques rápidos; um contra-ataque daqueles de manual e Alberth Elis fez um Mineirão explodir de emoção. Teria Honduras conquistado a torcida mineira? Mais ou menos: a cera ganhou vaia, as faltas feias ganharam vaia; a contusão do heroi da partida ganhou vaia e, como estava bom, o incentivo mudou de lado e passou para os asiáticos, que todo mundo queria mais jogo.
Não deu, e os classificados, que mais tarde descobririam que vão pegar um tal de Brasil na luta pela medalha, tiveram sua comemoração aplaudida. E todo mundo foi embora de alma leve, sorriso no rosto – famílias inteiras, camisas de todos os times e seleções possíveis e imagináveis.
Bom descer a Abrahão Caram em clima de paz e ordem, ver tudo tranquilo nos ônibus, na cara e no trabalho dos policiais e voluntários. Como bem diria meu irmão, teve bom e, para quem o jogo se transformou no único pedacinho de Olimpíada ao vivo, valeu cada centavo pago pelo ingresso.
Ainda tem dois jogos pela frente, desta vez com medalha em disputa – se você ainda está em dúvida, não pense duas vezes, pra não se arrepender depois. Ah, e até onde consta, não havia nenhum Pokemon perdido pelo estádio – eu pelo menos não vi ninguém atrás dos monstrinhos...