Paixão pelo país é marca que conquistou o público

Émile Patrício - Hoje em Dia
30/04/2014 às 09:04.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:22

(YouTube)

Dentre todos os ídolos que o Brasil teve no esporte ao longo da história, nenhum marcou tanto quanto Ayrton Senna. Mesmo 20 anos após sua morte, completados nesta quinta-feira (1º), a imagem do brasileiro carregando a bandeira nacional após as vitórias e a maneira como ele tomava o banho de champanhe no pódio ainda são lembradas com muito saudosismo. Mas a construção do mito é algo que vai além do indiscutível talento que ele tinha para pilotar.

Os recordes e títulos não seriam tão válidos se ele não fosse uma pessoa carismática. Há quem diga que Senna ganhou o carinho do país, ao levantar a bandeira verde e amarela pela primeira vez. Isso ocorreu no dia seguinte à eliminação da Seleção Brasileira de futebol para a França, na Copa do Mundo de 1986.

Ao vencer o GP de Detroit (EUA), o piloto pegou uma bandeira de plástico com um torcedor e desfilou orgulhoso. Não só se vingava dos franceses das pistas, já que derrotara Jacques Laffite e Alain Prost, como exaltava o país. Na ocasião, teria dito, antes da corrida, que queria a vitória porque “os brasileiros estavam tristes”.

Amor incondicional

A jornalista alemã Karin Sturm, autora do livro “Ayrton Senna: Sua vitória, seu legado”, se lembra bem desse e de outros episódios marcantes envolvendo o ídolo. Amiga pessoal do piloto e sua família, ela se emociona ao tentar descrever o brasileiro. “O Ayrton foi uma pessoa tímida, que sempre preferiu manter certa distância dos holofotes. Mas tinha um amor incondicional pelo Brasil e seu povo. Era um indivíduo muito carismático”, revela ela, que também destaca o seu forte lado espiritual.

Cobrindo o “circo” da F-1 há três décadas, a jornalista acredita que Senna se adaptaria aos dias de hoje da categoria, apesar de admitir a grande influência técnica nos atuais resultados. “É difícil comparar gerações. E não sei se o Ayrton gostaria desse formato de disputa, dos aspectos técnicos e artificiais dos carros. Ele amava mesmo correr, a corrida em si. Mas, com certeza, se daria bem, era um gênio”, sentencia.

Karin destaca uma coincidência na própria carreira. “A primeira prova que cobri foi na Áustria, em 1982. Só alguns anos atrás descobri que o Ayrton estava lá, na Fórmula Ford, e ganhou aquela corrida. Uma coisa maravilhosa”, conta a alemã. (Colaborou Felipe Torres) l

A imensa comoção na despedida

Os brasileiros que passaram como um rio silencioso na frente do caixão de Ayrton Senna, na Assembleia Legislativa de São Paulo, não poderiam imaginar outra farda no piloto que não fosse o macacão e o capacete amarelo. Dentro do caixão fechado, no entanto, ele estava vestido como qualquer “homem comum”: terno preto, gravata cinza e camisa branca.

O jornalista Antônio Carlos Melane Neves, de 64 anos, cobriu a Fórmula 1 por mais de 20 anos e foi um dos que trabalharam na triste despedida. Ele ficou a poucos metros da família de Senna e viu milhares de pessoas, entre famosos e anônimos, darem o último adeus.

No dia 4 de maio de 1994, acompanhou a chegada do corpo a São Paulo. O velório durou mais de 22 horas, e o enterro ocorreu na manhã do dia 5, no cemitério do Morumbi. “A cidade parou. Foram cenas marcantes para mim. Uma multidão, um delírio sem igual invadiu as ruas”, comenta.

Melane conta que presenciou gente chorando dependurada em postes, nos prédios e amontoada nas calçadas durante todo o trajeto do aeroporto ao local do velório. “Todos muito comovidos. Nunca havia visto nada igual, nem mesmo no enterro de Tancredo Neves”, relembra o jornalista, que se sentiu honrado em participar de tal cobertura.

“Além de ídolo esportivo, foi uma pessoa importante na minha carreira. Ele era o que me dava ibope, pois o país parava aos domingos para assisti-lo. Fiquei também muito emocionado e eternamente agradecido”, revela.

O luto do companheiro Gerhard Berger

Com tanto carisma, a comoção pela morte de Ayrton Senna foi total no país. E, inclusive, entre os colegas na pista. O sabarense Antônio José da Silva, o Tunella, de 58 anos, foi a todos os GPs do Brasil desde 1976 e vivenciou uma das homenagens mais bonitas ao piloto, feita pelo companheiro de McLaren, na época, o austríaco Gerhard Berger.

Em 1994, após a morte do brasileiro, as 500 primeiras pessoas que entraram em Interlagos receberam, das mãos do austríaco, uma camiseta preta com a frase “Senna, o luto de Berger”. Os dois correram juntos entre 1990 e 1992. “Ele estava atrás do portão e entregava um pacote a todos que passavam. Só vimos que era uma camisa de homenagem quando já estávamos na arquibancada. Imediatamente todos vestiram”, conta Tunella, que guarda a dele até hoje.

Em entrevista dada à BBC Brasil, em 2004, Berger falou sobre sua admiração. “Ele era o melhor. Senna estava em outro nível, porque tinha uma personalidade superior. Era a combinação da pessoa com o esportista que fazia dele alguém tão diferente”, elogiou. Berger era, além de vizinho e companheiro de equipe, amigo íntimo de Senna. “Na intimidade, era muito descontraído e fazia a gente rir bastante”, recorda.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por