Desbotada, a tatuagem dos anéis olímpicos no pulso esquerdo não deixa dúvidas: Maila Machado tem história para contar. Aos 35 anos, estará em agosto no Rio para disputar a sua terceira Olimpíada nos 100 metros com barreiras. Mas seu ganha pão é outro: aulas em duas academias em bairros nobres de São Paulo. Do trabalho como personal trainer vai sair o dinheiro para pagar o empréstimo que fez para se recuperar de uma contusão, quando todos lhe viraram as costas.
Em 26 de dezembro de 2013, Maila, então na equipe BM&F Bovespa-SP, foi à mesa de cirurgia para reconstruir o tendão de Aquiles esquerdo. Octacampeã nacional, viu as portas se fecharem para ela a partir dali.
"O médico que eles queriam que eu fizesse a cirurgia disse que faria (a cirurgia) para eu voltar a ser uma pessoa normal. Eu não aceitei aquilo. Procurei outro médico e perguntei para ele quais eram as possibilidades. Ele disse: 'A minha obrigação é fazer a cirurgia e o que você vai fazer depois depende de você'", lembrou Maila. "Por eu ter me negado a fazer com aquele doutor, fecharam muitas portas para mim".
Ao fim de todos os anos, a BM&F refaz sua equipe. Maila foi demitida, como de praxe, mas não foi recontratada. Passou a ter que pagar do bolso a reabilitação, que durou um ano todo. Sem dinheiro para bancar o processo de recuperação, precisou recorrer a um empréstimo, que ainda não terminou de pagar.
Pelo que conta a barreirista, até as Forças Armadas viraram as costas para ela. "A Marinha desacreditou em mim. Eles alegaram que eu não tinha feito o resultado suficiente, só que tinha operado... Por conta disso, tive que ir trabalhar. Mudei minha vida. Até então, tinha estabilidade, só treinava, era uma atleta". Diariamente, Maila dá aulas das 6 horas às 9h30, antes de começar a treinar. Depois, quando tem aluno, volta ao trabalho à noite.
Então com 33 anos, mais velha do que 47 das 48 atletas que disputaram os 100 metros com barreiras em Londres-2012, Maila poderia ter escolhido o caminho mais natural e se aposentar. Mas desistir, garante ela, não é a via mais fácil. "Lá na frente, eu ia perguntar por que eu não tentei. Mesmo se não desse certo, eu já teria na cabeça que tentei".
Ainda que adote sempre um discurso de superação, de quem deu uma resposta às tantas pessoas que não acreditaram que ela poderia voltar a competir em grande forma, Maila não é de mandar recado. "Se pudesse falar algo a alguém, diria para o Santiago: 'Não vai embora, não'".
Santiago Antúnez Contreras, cubano, levou Dayron Robles e Anier García ao ouro olímpico nos 100 metros com barreiras. Desde 2014 ele trabalha no Brasil, como consultor técnico da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). É a ele que Maila deve seu retorno a uma Olimpíada após oito anos. "Quando fui lá a primeira vez, ainda mancava. Estava até com vergonha de ele me ver daquele jeito. Mas falei que se ele acreditasse em mim, ia dar certo, porque estava acreditando. Hoje eu devo muito a ele. Consegui dar essa volta por cima".
Maila, federada pelo Resende, clube de Piracicaba (SP), atingiu pela primeira vez o índice olímpico no Ibero-Americano, evento-teste do estádio Engenhão, em maio. A veterana nem estava inicialmente convocada, mas foi chamada às pressas depois que Adelly Santos se machucou. Agarrou a chance e se classificou ao Rio-2016, passando a receber, só a partir daí, apoio financeiro da CBAt.
Depois de fazer 12s99 no Engenhão, repetiu a dose no Troféu Brasil, ganhando com 13s00. Na Olimpíada, uma marca dessa deve ser suficiente para avançar à semifinal. Mas Maila quer mais. "Posso estar sendo ousada, mas estou sendo ousada durante todo esse processo. Quero ser finalista olímpica".
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