TERESÓPOLIS – A relação extrapolara os limites da amizade. Um já não vivia sem o outro. Todo 1º de janeiro, o encontro era sagrado, independentemente das condições climáticas. Como num “ritual”, Mozart Catão escalava o “amigo” Dedo de Deus, pico a 1.692 metros, que se impõe sobre sua cidade natal: Teresópolis. Margeado pela natureza da Região Serrana do Rio, repensava as aventuras do ano anterior, recarregava as energias e projetava os desafios futuros.
O monumento geológico assemelha-se a uma mão apontando o indicador ao céu, na Serra dos Órgãos, “quintal” da Granja Comary, onde treina a Seleção Brasileira. Há 16 anos, a imagem ganhou mais um significado. Em 3 de fevereiro de 1998, o “fiel escudeiro” morreu, quando tentava vencer a imprevisível face sul do monte Aconcágua, nos Andes argentinos.
Mozart, aos 35 anos, maior alpinista do Brasil e personalidade de Teresópolis, foi surpreendido, com os colegas Othon Leonardos e Alexandre Oliveira, por uma avalanche. Os corpos permanecem na montanha. “Colocamos uma placa no cemitério local, respeitamos o Aconcágua. Ele o havia escalado quatro vezes, mas queria realizar a façanha do ídolo Reinhold Messner, explorador italiano”, relata o irmão Marco Catão, 48, que trabalha com esporte e aventura.
A família prepara comemoração especial para 2015. Os sete irmãos e a mãe Maria José, 69, pretendem lançar site oficial e biografia no aniversário de duas décadas da conquista do Everest. Mozart, ao lado de Waldemar Niclevicz, foi o primeiro brasileiro a alcançar o topo do monte (8.848 metros), na cordilheira do Himalaia, entre China e Nepal, em 1995. “A expedição durou dois meses e meio. Tínhamos poucas notícias. Uma noite, o telefone tocou. Era ele dizendo: atingimos o cume, fala com mamãe que estou bem”, se recorda o irmão Marcelo, 45, dono de agência de veículos e imobiliária.
Sete Cumes
Nos 21 anos dedicados ao alpinismo, Mozart sonhava em completar o desafio de pisar os sete cumes mais famosos do planeta: Everest, Kilimanjaro (Tanzânia), Elbrus (Rússia), McKinley (Alasca), Vinson (Antártica), Aconcágua (Argentina) e Carstensz (Nova Guiné). Não conseguiu erguer a bandeira do Brasil na “Pirâmide da Oceania”, por causa de disputa territorial no local.
Apesar das andanças ao redor do globo, Mozart sentia mesmo o gosto da vitória no momento em que chegava “à serrinha de Teresópolis”. “Não podemos deixar de divulgar a paixão dele pela cidade. Era a sua casa, seu refúgio”, conclui Marcelo.
Relatos do Aconcágua emocionam
"Estou preocupado com as avalanches. Mas, se Deus quiser, vai correr tudo bem”. Não há como deixar de sentir um aperto no peito, ao ler a última anotação de Mozart Catão no diário da expedição ao Aconcágua, em fevereiro de 1998. Ela foi escrita um dia antes da tragédia.
O livro, com os relatos da excursão, permaneceu no acampamento montado na etapa final da escalada. Mozart, Othon Leonardos e Alexandre Oliveira estavam a pouco mais de 600 metros do cume quando a neve os arrastou. Já tinham escalado 6 mil metros.
Ferido, Othon ainda contactou os parentes via rádio. Conversou por duas horas e pediu que o pai “tomasse um vinho em sua homenagem”. Em Teresópolis, a mãe, Maria José, e os irmãos esperavam pela ligação de Mozart, anunciando nova meta cumprida.
Desta vez, a voz do outro lado da linha não era familiar. “Eram 18h de 4 de fevereiro. Um guarda do parque Aconcágua me avisou da tragédia. Sedamos mamãe e lhe demos a notícia”, conta o irmão Marcelo, viajou em seguida à Argentina acompanhado da viúva Rita.
À época do acidente, a Petrobras patrocinava as expedições de Mozart, que também era repórter de aventura do Fantástico, da Globo. Especularam que um contrato com a estatal o havia “forçado” a tentar a perigosa escalada. “Não aconteceu isso”, afirma o irmão Marco, que o compara ao piloto Ayrton Senna. “Era um gênio do alpinismo. A obsessão pelo que fazia me lembrava do Senna. Antes da tragédia, só havia caído uma vez, aqui em Teresópolis, na adolescência”, revela.