Fala Zé!

30/08/2018 às 06:34.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:11

Eu nasci na Vila Guilhermina, em frente à linha do trem de ferro. Minha ligação, e, por conseguinte, a de meus irmãos com as locomotivas da antiga RFFSA sempre foi intensa. Curiosamente, na porta de nossa casa ficava um semáforo que indicava aos maquinistas quando as malhas da estação estavam livres para que eles acabassem seu trajeto. Não era incomum que as máquinas e seus intermináveis vagões ficassem parados nos trilhos em frente à porta de nossa casa, esperando por quase uma ou duas horas a liberação de seu percurso. Isso ocorria em qualquer hora do dia ou da noite.

Quando a maioria de nós já havia adormecido depois de um dia de trabalho e cansaço, às vezes por volta das 2h éramos acordados pela buzina do trem pedindo passagem numa espécie de dialeto entre os maquinistas. Com o tempo, cada um que ia nascendo lá em casa (somos oito irmãos) se acostumava com esse trelelê.

Nossos vizinhos também seguiam o mesmo ritual. É aí onde eu quero chegar. Acostumados com o toque da buzina do trem de ferro sem nos incomodar, nosso vizinho, “sô” Marciano, marido de dona Petronília, pontualmente às 5h ligava o rádio SEMP PT 76 modelo 1940 valvulado no programa do maior comunicador de todos os tempos: Zé Béttio, na rádio Record de São Paulo.

E era barulho de galinha, pato, marreco, jumento, galo cantando, vaca berrando e a dona dizendo que o marido não levantava e o Zé dizia: “Joga água nele!”. Ainda uma voz pedia alto e bom som: “Faaaaaala Zé” e o Zé respondia: “falo, falo sim” para em seguida ler os anunciantes do programa. Tudo isso entremeado a lindas músicas sertanejas de raiz de duplas que engatinhavam naquela época lançadas pelo próprio Zé Béttio, como por exemplo, Chitãozinho e Xororó.

A voz do Zé se calou nesta segunda-feira e não voltará mais, pelo menos não neste mundo.

Fica o vazio, a tristeza e a saudade de um tempo feliz onde a nossa noite era regida pelos trens da estação parados no semáforo na porta de casa e pelo programa do Zé Béttio, nosso despertador que sinalizava que era hora de levantar e ir pra escola.

Êta saudade!

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por