Feridas da sociedade: crianças do assentamento Dois de Junho sofrem por falta de assistência

Jornal O Norte
11/08/2006 às 10:56.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:41

Valéria Esteves


Repórter


valeria@onorte.net

- Queremos saber para onde vai a verba que teria que alimentar nossos filhos que freqüentam o Peti- Programa de erradicação do trabalho infantil do município de Olhos D’Água. Essa tem sido a reclamação das mães do assentamento Dois de Junho, há 22 quilômetros de Olhos D’Água.

Na tarde dessa quinta-feira, Dilma Vieira de Aquino Silva (foto) falou à reportagem de O Norte que falta alimentação adequada para os quase 35 alunos que almoçam no Peti.

Ela conta que a casa onde funciona o Programa foi doação da comunidade, mas o mais grave, em sua visão, e como enfatizou, na visão das outras mães do assentamento, é que depois de uma maratona de quase 60 quilômetros, as crianças só almoçam às 13h40 e às vezes comem feijão com angu ou macarrão puro.

Saem de casa às 05h30, sendo que algumas crianças andam até três km para tomarem o ônibus e seguirem rumo à escola. Estudam, voltam para o almoço e saem do Peti às 17 horas, com uma única refeição, diz Dilma Vieira.

- Moro no fundo da casa onde funciona o Peti, e posso dizer com precisão que até a bola que os meninos usam sou eu quem empresta, porque não há material didático nem de recreação. A merenda que vai para o Programa muitas vezes já está estragada e as cantineiras dizem que não vão cozinhar por esse motivo, mas acabam tendo que fazer senão os meninos ficam com fome. Queríamos saber para onde vai a verba que chega para o Peti porque recebemos  nossas bolsas com atraso, mesmo quando sabemos que o dinheiro já está na conta da prefeitura e eles alegam que não têm cheques para nos pagar. Quem compra a merenda nos diz que não pode fazer milagre, e mesmo a merenda estando estragada são feitas do mesmo jeito - denuncia.

NÃO PROCEDE

Sobre o assunto, o chefe de serviço social e também membro da comissão do Peti, Álvaro Antônio Nunes diz não proceder a denúncia e que isso consiste de briga política entre associações que trabalham dentro do próprio assentamento. Ele afirma que seria desumano dar merenda de má qualidade para essas crianças que percorrem um caminho tão longo para estudar. Diz ainda que todas as 120 escolas do município recebem alimentos comprados na mão de produtores que fazem parte do programa Ação Simultânea da Conab - Companhia nacional de abastecimento.

- Essa reclamação é antiga e não procede. Eles querem que o recurso da jornada ampliada que paga a merenda e cobre gastos com a o material didático compre danoninho, sorvete entre outras coisas que não tem como arcar. Tentamos fazer com o que o trabalho se cumpra da melhor maneira; temos uma nutricionista que cuida do cardápio a ser servido para os alunos do Peti, além de fazermos visitas às escolas e até mesmo no assentamento Dois de Junho - enfatiza.

ADEQUAÇÕES

No ano passado, o ministério de Desenvolvimento Social disponibilizou para o Programa de erradicação do trabalho infantil de Olhos D’Água cerca de R$ 36 mil mais R$ 16,800 para o Jornada Ampliada. O primeiro recurso paga as bolsas de R$ 25 a cerca de 72 famílias que agora, devido à mudanças apresentadas pelo governo federal, vão migrar para o bolsa família.  O segundo cobre gastos com a merenda e compra do material didático. Como quem recebe a bolsa do Peti tem que migrar para receber o cartão bolsa família, a prefeitura alega que o governo federal não mandou a relação dos nomes das famílias e quantos filhos recebem o benefício.

- Estamos esperando as novas adequações, mesmo porque o limite agora de recebimento é de até R$ 95, acredita Álvaro.

Em Olhos D’Água o Peti foi implantado em 2003 e segundo a prefeitura está em dias com o ministério do Desenvolvimento Social. Essa não é a visão das famílias do assentamento, mas Álvaro diz que o problema enfrentado com esses assentados é que o Incra ainda está regularizando a situação do direito de moradia dos mesmos. Daí, por força de lei a secretaria de Ação Social, segundo afirma, o chefe, se vê em posição difícil para entregar os benefícios à comunidade.

Dilma diz não ter mais argumentos para reclamar da falta de estrutura do Peti, porque todas as vezes que procura a prefeitura dizem que vão resolver e nada. Ela tem dois filhos que fazem parte do Programa para que não trabalhem em serviço pesado.

As últimas reportagens da rede Globo mostraram, por sinal, que crianças de seis anos de idade que moram em assentamentos estão ajudando os pais em carvoarias, fato que o Estatuto da Criança e do Adolescente condena.

- Nós queremos que nossos filhos sejam cidadãos bem educados e que aprendam a ser pessoas honestas, enquanto trabalhamos. Gostaríamos apenas que eles se alimentassem direito e recebessem assistência educacional, senão o futuro deles fica comprometido -conclui.

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