Fernando Zuba: O repórter que saiu de Montes Claros para desvendar a Guerra das Malvinas

Jornal O Norte
13/04/2009 às 10:32.
Atualizado em 15/11/2021 às 06:56

Entrevista a Márcia Vieira


 


Fernando Zuba nasceu em Montes Claros, sob o signo de virgem e num tempo em que exercer a atividade jornalística era, segundo ele, um exercício de humildade. Começou a sua carreira no extinto Diário de Montes Claros, quando este era dirigido pelo saudoso Júlio César de Melo Franco, de quem Fernando não se esquece. O entrevistado em Belo Horizonte  e a entrevistadora em Montes Claros entenderam-se a princípio, virtualmente. Mas o encontro “intergaláctico” não deixou a desejar.

Nesta entrevista, Zuba, que é casado com Maria da Glória Cruzeiro Horta e pai de Fernando Zuba Filho, também jornalista, fala sobre família, superações, fé em Deus, sobre o que considera “impublicável” e, claro, sobre a Guerra das Malvinas, onde esteve como correspondente e um dos poucos brasileiros a fazer a cobertura. Mesmo submetendo-se semanalmente a sessões de hemodiálise, o jornalista mostra-se bem humorado, disposto, e não dá sinais de cansaço.

Na próxima segunda-feira, 13, o jornalista Fernando Zuba, orgulhosamente montes-clarense, apresenta, com prefácio do escritor Manoel Hygino dos Santos, o seu Malvinas - Crônicas de Guerra aos conterrâneos, numa noite que tem tudo para ficar na memória da cidade, a começar pelo lugar escolhido para o lançamento: o tradicional Automóvel Clube, palco de belas histórias. Para o evento, conta com o apoio das entidades literárias de Moc e do amigo jornalista Jorge Silveira, que no livro é citado.

Fazer o lançamento em pleno dia 13 pode ser sinônimo de misticismo. Ou não. Mas esta e outras particularidades do jornalista Fernando Zuba, você confere a seguir:

- Fernando, são 26 anos. Por que só agora falar sobre as Malvinas? É dolorida a lembrança?

Trata-se de deixar como referência de minha atuação no jornalismo aquele que considero o meu melhor trabalho. A lembrança de um conflito armado de grandes proporções é sempre dolorida.

- Foi inesperado? Antes disso, já havia sonhado ou imaginado cobrir um evento como esse?

Inteiramente inesperado. A determinação para que eu fosse para o front partiu de São Paulo, da cabeça da Rede Capital de Comunicações e já no dia seguinte eu estava a caminho das Malvinas. Jamais pensei ou sonhei cobrir uma guerra.

- Um conhecido seu, daqui de Montes Claros, diz que os jornalistas de hoje pensam que sabem tudo, que são os donos da verdade. Existe diferença acentuada em relação aos jornalistas de antigamente?

Tal afirmação corresponde à exata realidade. As diferenças são importantes, a principal delas a humildade do repórter que sabe ouvir sem interferir nas conceituações do entrevistado.

- Qual a sua principal recordação de início de carreira?

Meus bons tempos na redação do saudoso Diário de Montes Claros, que funcionava num velho casarão da rua Dr. Santos, onde eu virava madrugadas.  

- Além de passar por uma guerra, você passou também por problemas de saúde. O que você tirou das duas experiências? As lições são semelhantes?

Os problemas de saúde, uma cegueira parcial e depender de uma máquina de hemodiálise para continuar vivo, de certa maneira equiparam-se a lição da cobertura de um conflito sangrento, requerendo ambas as situações coragem, humildade e, sobretudo, esperança.

- O que mais te chamava atenção durante a cobertura da guerra?

Sem dúvida ou matar e ou morrer em nome da irracionalidade humana.

- Nas Malvinas você esperava pelo desenrolar dos acontecimentos diferentemente do que se deu?

Não havia outra saída se não a final: a vitória avassaladora dos ingleses.

- Quanto tempo você passou por lá? Já voltou ao local depois disso?

Fiquei até o fim da guerra, tendo permanecido no extremo sul da Argentina durante 36 dias. Não retornei a Argentina.

- Qual foi a etapa mais difícil na construção deste livro?

Foi todo o processo muito difícil diante da minha impossibilidade de poder ajustar e digitar meu pensamento.

- Você já era casado quando partiu para uma cobertura de guerra? Como foi a reação da sua família?

Sim, já era casado. Naturalmente a reação foi de muita apreensão, principalmente, quando assistiam pela TV o que acontecia nas Malvinas.

- Cessada a guerra, o Fernando voltou ao seu habitat ou um jornalista nunca tem rumo certo?

Voltei ao meu ninho, na minha trincheira profissional, valorizando muito mais o real sentido da paz.

- Você ainda tem familiares em Montes Claros? É um homem apegado às raízes? Como administra a distância?

Sim, tenho tios, primos e sobrinhos. A família Zuba é muito grande, com ramificações fortes em Montes Claros, Belo Horizonte e no Paraná. Sou extremamente apegado as minhas raízes, embora em 41 anos de ausência física de minha terra natal, somente tenha voltado à mesma em duas rápidas oportunidades, a serviço. Sobre a distância, sinto-me cada vez mais surpreso com o formidável desenvolvimento de Montes Claros, e mato saudades pela mídia eletrônica.

- É comum os profissionais da comunicação reclamarem de uma remuneração inadequada. Nessa área especificamente, o amor e a doação, falam mais alto?

Falam sim, porque não há outro caminho, outra alternativa.

- Os combatentes de guerra desenvolvem traumas incuráveis. Ficou mais fácil entendê-los e ao mundo de um modo geral, depois da experiência nas Malvinas?

Vou resumir: Considero tudo isso de difícil entendimento, onde, como já disse, o irracional e a estupidez infelizmente ainda prevalecem.

- Alguns colegas como você, saíram daqui para Belo Horizonte, a fim de exercerem a profissão, Existia uma “confraria” montesclarense nas redações ou mesmo fora dela?

Existia sim uma boa relação, dentro e fora das redações. Tinha os jornalistas Lindenberg (Carlos, Diretor de Redação do Hoje em Dia) e Paulo Narciso (site montsclaros.com), que foram meus colegas. Os dois, grandes jornalistas e até hoje grandes amigos. E também o Manoel Hygino (cronista do jornal Hoje em Dia e membro da AML), que além de amigo foi um dos meus mestres no caminho do bom jornalismo.

- Você se lembra dos colegas de profissão que deixou aqui? Tem algum caso curioso envolvendo algum deles?

Em Montes Claros tem alguns profissionais com quem não trabalhei, mas admiro pela competência, como o Reginauro Silva (editor de O Norte).  Quanto aos casos curiosos, eu me lembro de vários, afinal o convívio das boas amizades nunca se pode esquecer. A principio nada de muito especial, a não ser aqueles impublicáveis...

- E os seus casos curiosos, poderia citar?

As engenhosas maneiras com que burlávamos os censores militares que durante o período da revolução enchiam a paciência nas redações.

- Montes Claros é berço de bons profissionais. Além disso, o que existe aqui que não é possível encontrar em outro lugar?

Sua gente, seus cheiros característicos de temperos típicos e, sem dúvida, seu belo luar, o melhor pequi e a formidável carne de sol da face da Terra.

- Qual é o meio social em que você passeia com mais desenvoltura: intelectual, artístico, boêmio ou familiar?

Em todos. Não há um que possa ser destacado como especial. Afinal todo jornalista deve necessariamente ser eclético

- E com mais dificuldade?

Naqueles em que predominam vaidades, arrogância e o culto ao personalismo.

- Todos nós, acredito, tomamos como exemplo ou inspiração alguém que tenhamos conhecido. No seu caso isso existe, profissional ou espiritualmente? Poderia nos falar quem é essa pessoa?

Profissionalmente, Júlio César de Melo Franco, pessoa de caráter ameno, extremamente paciente, editorialista de primeira linha: foi meu primeiro e inesquecível professor de jornalismo.

- Qual é a crítica insuportável e qual é a crítica bem-vinda?

A insuportável é toda aquela crítica com lastro na burrice. Detesto a ignorância. Toda crítica inteligente deve ser aceita e assimilada com humildade. Ela somente nos engrandece, nos possibilitando o aprimoramento.

- Você tem um filho que seguiu a sua profissão. Em algum momento, você acha que a sua atuação foi definitiva na escolha dele? Você chegou a induzir ou tentar demovê-lo da decisão?

Certamente que sim. Nem uma coisa nem outra,  de forma alguma tentei interferir, ele segue o caminho que escolheu e sem dúvida será bem sucedido.

- O que é solidariedade, Fernando? É o sentimento mais presente no front?

No front também. Ali também há espaço para o abraço amigo, fraterno e as lágrimas entre companheiros de trincheiras.

- Ao escrever o livro, a sua intenção é...

Como já disse, deixar uma referência do meu principal trabalho no jornalismo, atuando como correspondente de guerra.

- Você tem medos, reais ou imaginários?

Claro, como qualquer pessoa normal.

- O que é ou deveria ser “impublicável”?

Tenho, simplificando, exemplo de uma iniciativa da qual fui um dos autores em BH: não devemos publicar casos de suicídios, já que muitos exemplos alardeados em manchetes sensacionalistas encorajam e desencadeiam em série estas tragédias.

- Tem algum rosto ou alguma imagem inesquecível da guerra?

Os corpos dos jovens marinheiros do Cruzador General Belgrano boiando mutilados entre os destroços do mesmo, enegrecidos pelo óleo. Este capítulo do meu livro tem o título de “O cheiro da Morte”.

- Acredita em Deus? Ele surgiu em sua vida como imposição ou foi num momento especial?

Acredito totalmente. Ele surgiu naturalmente em minha vida, já na infância, ao fazer a primeira comunhão na Capela da Santa Casa de Montes Claros.

- Sua melhor reportagem:

Foi exatamente a cobertura da guerra das Malvinas, embora tenha feito outras, entre as quais destaco a reportagem sobre a cobertura e morte de Che Guevara na Bolívia; a caçada ao chamado Louco do Triângulo, Orlando Sabino, que na verdade foi uma cortina de fumaça sobre incipiente movimento de guerrilha com base na fronteira de Minas com Goiás.

- Livro de cabeceira:

Nenhum em especial. Até onde minha vista alcançou devorava todos que me vinham às mãos. Mas destaco Grande Sertão Veredas, obra-prima de Guimarães Rosa.

- Qual é o signo?

Virgem.

- Manoel Hygino, um dos ilustres dessa terra, disse sobre você: “mais do que um brilhante redator e repórter, Fernando Zuba bem poderia ser seu personagem”. Hoje você é personagem desta entrevista. O que jamais foi escrito sobre ou pelo Fernando e que você gostaria de ler?

Acho que sou assunto esgotado, sem direito a suíte.

- O número 13 é tido como místico, de azar para uns e sorte para outros. A escolha da data tem a ver com misticismo?

Passo ao largo dessas superstições. Não acredito nessas coisas.

- Fernando, o jornalismo através da internet ganhou mais visibilidade. O que você acha do advento da internet?

É a mais importante variante da mídia eletrônica dos últimos tempos. Acho que o jornalismo via internet ainda nos surpreenderá muito.

- Quando olha para trás, tem algum arrependimento?

Não, de forma alguma. Procuro olhar sempre em frente.

- Qual é a sua maior alegria?

Minha família, minha esposa, meu filho e meus netos.

- Quem ou o quê é nota zero ou nota 10?

Nota 10 à paz. Nota 0 à guerra

- Tem planos para outros livros?

Sim. O seguinte será Além do Olhar, no qual relato como tenho enfrentado e superado minhas deficiências. Trata-se também do relato de um novo mundo que encontrei, no qual pessoas com as mesmas dificuldades se irmanam num ambiente de extrema solidariedade e amor ao próximo. Outros dois livros estão em curso, com patrocínio da Fundação Assis Chateaubriand, um sobre a história do Diário da Tarde e outro sobre a minha trajetória no jornalismo.

- Pra escrever tem uma trilha sonora? Qual?

Mozart.

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