![(Paulo H. Carvalho/Agência Brasília)](https://www.hojeemdia.com.br/image/policy:1.971698.1724343971:1724343971/image.jpg?f=2x1&w=1200)
As mulheres são a maioria da população brasileira, mas ainda enfrentam uma série de desigualdades e violências em diversos âmbitos. O relatório Revisão de Políticas Públicas para Equidade de Gênero e Direitos das Mulheres, divulgado nesta terça-feira (18) pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mostra que, apesar de avanços importantes nos últimos anos, as políticas para as mulheres tiveram retrocessos no país e precisam de atenção.
O relatório reúne as diversas iniciativas, programas, políticas públicas, estudos e auditorias realizados no Brasil ao longo dos últimos 30 anos, voltados para garantir os direitos das mulheres.
Segundo o TCU, apesar de garantir os direitos das mulheres por meio de leis e outros instrumentos legais e de o país ter tido avanços desde a Constituição de 1988, nos últimos anos houve retrocessos em termos de institucionalização das políticas públicas para as mulheres, principalmente durante a pandemia de covid-19, que impactou mais fortemente as mulheres, especialmente as negras.
A secretária de Controle Externo de Desenvolvimento Sustentável do TCU, Vanessa Lopes de Lima, explica que os retrocessos institucionais vieram a partir de 2015, quando a Secretaria de Política para Mulheres perdeu o status de ministério e passou a integrar a Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. “Isso resultou em menor relevância institucional, orçamento reduzido e paralisia de programas”, diz.
Desde então, as políticas para as mulheres foram desempenhadas sempre por pastas que reuniam também outros objetivos, como o Ministério dos Direitos Humanos. Apenas em 2023 foi criado o Ministério das Mulheres, responsável por cuidar especificamente da temática de políticas para as mulheres e diretrizes de garantia dos direitos das mulheres.
Não ter uma pasta específica, segundo Lima, enfraqueceu a promoção de políticas públicas. “Isso impacta negativamente a garantia de direitos das mulheres, pois enfraquece a capacidade do governo de implementar políticas eficazes e coordenadas para promover a igualdade de gênero e proteger os direitos das mulheres”.
Um exemplo é que, em 2022, de acordo com o documento, ocorreu a menor alocação de recursos federais para o enfrentamento da violência contra a mulher, havendo também baixa execução orçamentária e redução do escopo das ações implementadas.
Entre 2019 e 2022, foram autorizados R$ 68,22 milhões para enfrentamento da violência contra a mulher, no entanto, apenas R$ 35,34 milhões (51,8%) foram de fato liquidados. Apenas no exercício de 2022, o crédito autorizado foi de R$ 950 mil, mas não houve nenhuma liquidação de recursos.
A falta de políticas impacta também a garantia de direitos. Em relação à violência, no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, o que representa uma média de quatro mulheres mortas por dia. Este número é 10,8% maior que o total de mortes registrado no primeiro semestre de 2019.
Para o tribunal, para dar efetividade aos direitos das mulheres e buscar a equidade, é necessário incorporar a perspectiva de gênero nos diversos setores governamentais, a fim de implementar políticas públicas transversais, que percorrem praticamente todos os setores de atuação do Estado. “O sucesso dessas políticas depende, portanto, da definição de uma estrutura de governança capaz de promover a coordenação e a articulação intersetoriais, além do compartilhamento de dados e informações”, diz o relatório.
O tribunal também considera essencial a criação de mecanismos institucionalizados de coleta de dados que permitam ao poder público identificar os inúmeros subgrupos existentes no grupo mulheres, em razão da interseccionalidade, e, ainda, que haja uma adequada estrutura de governança, entre órgãos e entidades do governo federal e em todos os níveis, que atenda à complexidade das questões referentes a gênero.
Segundo o TCU, a criação do Ministério das Mulheres sinaliza maior prioridade à agenda das mulheres no âmbito do governo federal.
Cenário de desigualdade
As mulheres representam 51,2% da população brasileira, de acordo com dados do terceiro trimestre de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda assim, a desigualdade de gênero é um problema estrutural que se manifesta em várias dimensões da vida social, econômica, política e cultural, refletindo em discriminação, violência, acesso limitado a recursos econômicos e disparidades em participação política, salários, emprego, educação, saúde.
Em relação à diferença salarial entre homens e mulheres, o Brasil fica em 117º lugar, no ranking do Global Gender Report, entre um total de 146 países. Segundo a PNAD Contínua 2019, as mulheres recebem cerca de 77,7% da renda auferida pelos homens.
Ao longo das últimas décadas, de acordo com o relatório, foram desenvolvidas políticas para reduzir essas desigualdades, como a criação da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, serviço que recebe denúncias de violações contra as mulheres, encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.
O país instituiu também o Programa de Proteção e Promoção da Saúde e da Dignidade Menstrual, que garante a distribuição gratuita e continuada de absorventes higiênicos e a Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher, que busca oferecer cuidados completos para a saúde das mulheres.
Ao mapear as políticas públicas, o relatório possibilitou também o mapeamento dos principais problemas enfrentados pelas mulheres no Brasil: violência (física, sexual, psicológica, doméstica, institucional, feminicídio); deficiência no registro e na gestão de dados relativos à violência contra a mulher; falta de garantia de ações de saúde específicas e de direitos sexuais e reprodutivos; desigualdade na educação, em áreas dominadas por homens; desigualdade no mercado de trabalho e na autonomia econômica; baixa ocupação nos espaços de poder; baixo percentual de municípios com organismos de políticas para mulheres.
“Apesar de alguns avanços, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a igualdade de gênero no Brasil. A desigualdade persiste em várias dimensões, como na participação econômica e no empoderamento político. Isso reflete a baixa participação das mulheres em posições de alto rendimento e no Parlamento, além das diferenças salariais em relação aos homens”, diz Lima.
Segundo a secretária de Controle Externo de Desenvolvimento Sustentável do TCU, a atuação tanto do setor público quanto do privado é essencial. “O setor público é fundamental, pois pode servir como referência e indutor de políticas que promovam a igualdade de gênero”, diz.
Ela acrescenta: “Além disso, o setor privado e a sociedade civil têm papéis essenciais. O setor privado pode contribuir para a redução da desigualdade de gênero ao adotar práticas de contratação e promoção que favoreçam a equidade, enquanto a sociedade civil pode pressionar por mudanças e monitorar a implementação de políticas públicas”.
Pequim +30
O relatório, que foi lançado em webinário no canal do TCU no Youtube, é uma contribuição do tribunal para a Plataforma de Ação de Pequim, que completa 30 anos em 2025.
A 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em 1995, resultou na aprovação da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim. A Declaração de Pequim é um marco global de políticas e um plano de ação para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas em todo o mundo. A declaração foi adotada por 189 países, entre eles o Brasil.
Segundo a ONU Mulheres, o 30º aniversário de Pequim abre novas oportunidades para reconectar, renovar compromissos, impulsionar a vontade política, mobilizar o público e avaliar o progresso alcançado e as ações necessárias para superar os obstáculos à igualdade de gênero e implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.