Reformulação

PEC da Segurança Pública: o que muda e por que causa polêmica?

Questão é a maior preocupação dos brasileiros de acordo com pesquisa da Quaest divulgada no início de abril

Agência Senado
Publicado em 25/04/2025 às 15:59.
Operação policial em favela do Rio de Janeiro: especialistas temem ênfase na militarização das forças de segurança (Fernado Frazão/Agência Brasil)
Operação policial em favela do Rio de Janeiro: especialistas temem ênfase na militarização das forças de segurança (Fernado Frazão/Agência Brasil)

A segurança pública é a maior preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa da Quaest divulgada no dia 2 de abril. O tema ganhou a dianteira no ranking de principais inquietações da população no início deste ano e segue em ascensão na série histórica do instituto. 

Diante desse cenário, o governo federal apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para reformular a gestão da segurança pública no Brasil. Na quarta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou o texto aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. No início do mês, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, já havia antecipado a minuta da proposta para líderes partidários do Congresso. 

A iniciativa propõe a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado em 2018 pela Lei 13.675. O objetivo é reforçar a atuação federal na segurança, ampliando o papel da União na formulação de políticas nacionais e no combate ao crime organizado. Serão sugeridas mudanças significativas na estrutura da segurança pública no Brasil que redefinirão as competências da União, estados, Distrito Federal e municípios. Caso seja aprovado, o texto representará uma das maiores reformas do setor nas últimas décadas.

A proposta, no entanto, divide opiniões entre parlamentares e especialistas. Um dia depois do encontro com deputados, Lewandowski veio ao Senado participar de audiência na  Comissão de Segurança Pública (CSP). Na ocasião, o ministro defendeu a PEC, mas reconheceu que ela não será uma "bala de prata" para acabar com o crime organizado no país. De acordo com ele, elevar o SUSP à condição constitucional vai garantir maior estabilidade ao sistema e proteção contra mudanças políticas de curto prazo.

"É um problema muito sério, não é uma ação que vai resolver isso. A PEC não é a solução, é um início de solução e conjugação de esforços. É apenas uma tentativa de organizar o jogo para depois darmos uma nova partida", afirmou.

Segundo Lewandowski, o texto da PEC foi apresentado aos parlamentares antes da sua formalização para que já receba contribuições. A versão final do Executivo deverá ser protocolada ainda neste mês de abril.

Depois de apresentada, a proposta precisa do apoio de pelo menos 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação em cada uma das Casas, para ser aprovada. Em seguida, o texto é promulgado pelo Congresso Nacional e entra em vigor, sem precisar passar pela sanção do presidente da República.

Estrutura da PEC da Segurança Pública

A proposta se baseia em alguns pilares principais:

  • Constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)

Já previsto em lei, o SUSP passaria a ser referendado pela Constituição Federal, fortalecendo seu status. A União passaria a coordenar um sistema nacional para integrar e padronizar a atuação das forças de segurança em todo o território nacional, inclusive polícias militares, civis e penais, além do sistema penitenciário.

  • Constitucionalização de fundos para financiamento

O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), que financiam projetos e ações dos setores, também ingressariam no texto da Constituição. Os recursos dos fundos são distribuídos entre os entes da federação e não podem ser contingenciados.

  • Fortalecimento das atribuições da União

A União passaria a ser responsável pela definição da política e do plano nacional de segurança pública e defesa social e pelo estabelecimento de normas gerais sobre segurança pública e sistema penitenciário.

  • Criação da Polícia Viária Federal (PVF)

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) seria convertida, em um novo órgão, a Polícia Viária Federal (PVF), com a atribuição de patrulhar todas as vias federais — estradas, ferrovias e hidrovias. A PVF poderia ser empregada emergencialmente para proteger bens federais e apoiar forças estaduais e distritais. A nova corporação não interferiria nas funções e atividades das polícias judiciárias.

  • Ampliação do papel das guardas municipais

As guardas municipais, que hoje existem apenas para fazer a proteção de bens e instalações municipais, seriam autorizadas a fazer policiamento ostensivo e comunitário. Essas corporações ficariam sujeitas ao controle interno, através de ouvidorias, e externo, pelo Ministério Público.

  • Autonomia para corregedorias e ouvidorias

As corregedorias das forças de segurança teriam autonomia na investigação de condutas funcionais. Além disso, os estados e os municípios teriam a obrigação de instituir ouvidorias independentes para o tema da segurança pública.

Argumentos

A proposta busca estabelecer maior integração e eficiência no combate à criminalidade, ao mesmo tempo em que fortalece o controle e a transparência sobre as forças de segurança. Acima de tudo, ela coloca mais responsabilidade e poder de iniciativa no colo da União.

O Brasil teve, por um curto período, um ministério dedicado somente à segurança pública. A área foi desmembrada do Ministério da Justiça entre fevereiro de 2018 e janeiro de 2019. O ex-deputado federal Raul Jungmann foi o único titular dessa pasta. Ele reforça a necessidade de mudanças na gestão do setor, integrando o nível federal.

"Não há perspectiva de saída para a crise da segurança sem dotar a União de meios para dividir com os estados a responsabilidade pela formulação e aplicação de uma política nacional capaz de reverter a supremacia do crime organizado", defende ele, que era ministro da Defesa até assumir a pasta da Segurança Pública.

Outro que defende a PEC é o chefe da Defensoria Pública da União (DPU), Leonardo Magalhães. A DPU é o órgão responsável pela defesa legal gratuita de cidadãos que não conseguem pagar advogados. Para Magalhães, a falta de coordenação entre estados dificulta o combate a crimes interestaduais e internacionais.

"Cada estado conduz a segurança pública de maneira independente, o que dificulta o enfrentamento de crimes que ultrapassam as fronteiras estaduais e até internacionais. A PEC visa estruturar uma política nacional para garantir um mínimo de padronização nas ações".

Debates PEC da Segurança Pública

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), presidente da Comissão de Segurança Pública (CSP), defende que a proposta seja debatida "sem nenhum viés político ou partidário".

"É um assunto que atinge a todos diretamente, sem nenhuma distinção de classe, cor, sexo. Todos no país passamos por dificuldades nessa área. É tema comum de todos nós aqui buscarmos soluções para que a população tenha o legítimo direito à segurança pública".

O senador Fabiano Contarato (PT-ES), que foi delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, se posiciona a favor dos termos da proposta.

"Esse é um passo importante para consolidar uma política de segurança coordenada nacionalmente, mas com respeito à autonomia dos estados. A integração das forças e o intercâmbio de informações são essenciais".

Na avaliação de Contarato, o tema exigirá diálogo e construção de consensos. Para o senador, a segurança pública deve unir o Parlamento, acima das disputas ideológicas.

"As preocupações relacionadas ao temor de que a União avance sobre a autonomia dos estados certamente será superada no decorrer das discussões. Importante é que tenhamos como prioridade a construção de um sistema mais eficiente, moderno e justo", avalia.

O senador Sergio Moro (União-PR) foi o autor do requerimento para a audiência com Lewandowski e reclamou da postura do Executivo diante do tema da segurança pública. Para ele, o governo tem se omitido. Moro felicitou Lewandowski pela elaboração da proposta, mas criticou as ideias que o ministério tem esposado.

"Há uma certa percepção de que o crime está sendo escalado no Brasil, tanto a criminalidade violenta como o crime organizado. Do outro lado, há uma certa percepção, com todo o respeito, de que faltam iniciativas mais contundentes por parte do Ministério da Justiça. Os exemplos que nós temos, pelo menos aqueles a que foi dada ampla publicidade, não são exatamente um consenso dentro da sociedade", apontou Moro, que também foi ministro da Justiça (2019-2020).

Opinião semelhante manifestou, também durante a audiência, a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT).

"Ouvimos relatos pesados e vemos pessoas cada vez mais inseguras, amedrontadas. Sentimos a ausência do governo nessas discussões. No ano passado, apresentei um pacote com quatro medidas para enfrentar o crime organizado. Até hoje não consegui sequer discutir as propostas", lamentou.

Para a senadora Zenaide Maia (PSD-RN), a PEC é uma medida ainda insuficiente. Ela acredita que o SUSP precisa ser melhor financiado e também chama a atenção para o déficit de efetivo policial.

"Todos sabemos que a maioria dos estados brasileiros não tem Polícia Civil nem Militar suficiente. E menos ainda a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal para combater o crime de fronteira".

Cadeias

Entre as mudanças propostas, o texto prevê maior controle da União sobre o sistema penitenciário. O ex-ministro Jungmann alerta para o "colapso" desse sistema.

"O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 888 mil presos, dos quais 216 mil sem condenação. Muitas dessas prisões são dominadas por facções criminosas".

Leonardo Magalhães, da Defensoria Pública, defende uma justiça "mais equitativa".

"O problema não é a falta de leis rigorosas, mas a aplicação seletiva. É essencial garantir que apenas aqueles que realmente necessitam de prisão sejam privados de liberdade".

O senador Sergio Moro, por sua vez, diz ver com ressalvas a entrada mais ativa da União na política penitenciária. Ele cita como exemplo o Plano Pena Justa. Lançado em fevereiro, ele tem por objetivo abordar as condições de alojamento e a gestão processual da população carcerária.

O plano é uma parceria entre o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Polícias

O advogado criminalista Bruno Henrique de Moura acredita que a PEC mostra que o governo está apostando em um direcionamento equivocado no tema da segurança pública. Ele também é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP).

"O objetivo primário do governo é dar uma resposta para uma sensação de insegurança que não necessariamente se reflete nos números. O Atlas da Violência mostra uma redução de homicídios por 100 mil habitantes. Mas as mortes de jovens e adolescentes por intervenções policiais aumentaram. O governo federal adota um discurso de fortalecimento da militarização das polícias, mas pouco fala sobre controle da atividade dessas forças, enquanto os números nos mostram que a violência que cresce decorre do mau uso do aparato repressivo do Estado".

Moura chama a atenção para os riscos de uma política que procure compensar essa impressão ignorando as nuances das estatísticas.

"Isso pode resultar em uma alta concentração de recursos no financiamento da militarização das forças de segurança", alerta.

O defensor público-geral, Leonardo Magalhães, acredita que a PEC terá o condão de padronizar práticas essenciais para a otimização e fiscalização do trabalho policial, como o uso de câmeras corporais pelos agentes.

"Hoje, o uso de câmeras varia muito entre estados e até entre corporações dentro do mesmo estado. Isso compromete a transparência e dificulta a fiscalização de abusos", observa.

Já o senador Sergio Moro reclamou do que entende ser uma "insistência" com a adoção de câmeras policiais. Durante a audiência da CSP com o ministro Ricardo Lewandowski, Moro questionou o foco nessa medida.

"É uma política pública que pode ser válida, pode ser discutida, mas não se pode resumir a política de segurança pública à colocação de câmeras nos uniformes".

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