Governo dá início à regulamentação, mas crescem as ações na Justiça

Raul Mariano - Hoje em Dia
02/02/2015 às 08:42.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:52
 (Frederico Hikal/)

(Frederico Hikal/)

Desde a criação do Marco Civil da Internet, em abril de 2014, especialistas consideram que um novo modo de operação foi estabelecido para a rede mundial de computadores no Brasil. Em termos práticos, foi criada uma constituição estabelecendo limites legais para as práticas de cidadãos e empresas no ambiente virtual.

Todavia, os oito primeiros meses de existência da lei foram suficientes para apontar que muitas adequações precisarão ser feitas. O Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais de Justiça estaduais já registraram ais de 150 processos envolvendo o descumprimento da Lei n° 12.965. Minas Gerais é, ao lado do Distrito Federal, o terceiro Estado com maior número de processos; o que equivale a 11% do total.

A elaboração do anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais, iniciada na última semana pelo Ministério da Justiça e disponível para participação popular no endereço http://participacao.mj.gov.br/dadospessoais, inaugurou uma nova etapa de regulamentação do Marco Civil da Internet, e começou cercada de polêmicas envolvendo interesses de usuários e empresas.

Um dos pontos principais é definir qual será a autonomia do internauta sobre os dados fornecidos na rede. De um lado, há o consenso de que o usuário deve determinar por quanto tempo as informações devem permanecer guardadas. De outro, há a necessidade de armazenamento para consultas judiciais, em caso de crimes cibernéticos.

A projeção de especialistas é que o debate dure, pelo menos, por mais dois anos. O advogado especialista em tecnologia da informação e ex-conselheiro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Omar Kaminski, avalia que, assim como as discussões para criação do Marco Civil da Internet, a discussão da Lei de Proteção de Dados Pessoais vai exigir maturidade da sociedade.

“Nós discutimos a questão do spam desde o ano 2000 porque isso é um tipo de violação de dados pessoais. Mas ainda precisamos amadurecer para que o Marco Civil da Internet não seja apenas mais uma lei”, comenta.

A inexistência de uma lei específica permitiu, por exemplo, que empresas brasileiras comercializassem entre si bancos de dados com informações de clientes, prática que se tornou comum no Brasil.

No entanto, a regulamentação do Marco Civil da Internet pode não coibir a atitude das empresas. Na avaliação do professor do Curso de Produção Multimídia da PUC Minas, Caio César Giannini Oliveira, os maiores ganhos da Lei de Proteção de Dados Pessoais estão ligados ao combate às práticas criminosas.

“Acredito ser esta iniciativa um passo adiante contra os crimes na rede. Uma vez que o que você faz e quem você é fica registrado, você pensará duas vezes antes de cometer um crime na rede. De qualquer forma precisamos entender que para que tenhamos uma situação futura mais confortável, empresários e principalmente poder público precisam fazer valer a lei”, avalia.

 

Fiscalização

O advogado especialista em Direito Digital Rafael Fernandes Maciel explica que outra grande urgência dos debates sobre o Marco Civil da Internet é definir quem fará e de que forma será feita a fiscalização após a regulamentação.

“A Lei do Marco Civil não cria autoridade ou órgão federal de fiscalização. A tarefa ficou por conta dos municípios e os Procons. É um questão que precisa ser amadurecida porque muitos municípios não têm órgãos com condição técnica para cumprir essa função”, afirma Maciel.

Neutralidade da rede é um dos pontos polêmicos da norma

Um dos pontos polêmicos do Marco Civil da Internet diz respeito à postura de empresas que oferecem acesso diferenciado a serviços para os clientes que pagam planos mais caros. O que o Marco Civil define é que os provedores são proibidos de cobrar mais dos usuários somente para permitir acessos a sites como YouTube, por exemplo.

Na última semana o Ministério Público da Bahia abriu investigação para apurar a prática da operadora de telefonia TIM, que lançou promoção oferecendo um plano de dados com acesso ilimitado ao aplicativo de mensagens WhatsApp.

No entendimento do MP baiano, o plano fere o princípio da neutralidade da rede, que se opõe à criação de pacotes de serviços específicos para o tipo de uso que cada usuário faz da internet. Em outras palavras, a lei tenta impedir que barreiras de acesso vistas como “pedágios” possam limitar ou priorizar conteúdos mediante custos diferenciados.

No caso da TIM, o usuário pagaria R$ 29,90 por mês e teria o privilégio de acessar o aplicativo de mensagens mesmo depois que os créditos tivessem se esgotado. A promotoria considerou o pacote de serviços abusivo, mas até o momento não houve sentença impedindo a comercialização do serviço.

O professor do curso de produção multimídia da PUC Minas, Caio César Oliveira, destaca que “a questão da neutralidade serve para pensarmos em permanecer com a internet do jeito que ela existe hoje. Por exemplo: eu uso muito serviços de streaming de vídeo. Não acho que devo pagar mais por acesso à internet do que alguém que usa apenas para e-mail”, opina.

Para o professor italiano especialista em proteção de dados Stefano Rodotà, a neutralidade da rede é tão importante quanto a segurança dos dados. Ele explica que “o debate não está ligado apenas a uma história política, cultural e jurídica de determinados países, mas trata-se, sobretudo, de uma questão global que precisa ser encarada com seriedade e urgência”, conclui. 

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