Mobilidade urbana no país da Copa revela carência de ferrovias no Brasil

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
13/07/2018 às 20:37.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:24
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

De trem, qualquer torcedor que estiver na Rússia, acompanhando a Copa do Mundo, pode chegar aos estádios onde os jogos são realizados. O país, que assim como o Brasil tem grande extensão territorial, possui uma das malhas ferroviárias mais eficientes do planeta, com nada menos que 87 mil quilômetros de extensão. Por aqui, porém, são menos de 29 mil quilômetros, sendo que a maior parte é destinada ao transporte de cargas como o minério de ferro.

A disparidade entre as duas nações fica mais evidente com a realização do campeonato. Se lá é possível viajar mais de 2 mil quilômetros entre cidades como Moscou e Samara, aqui, o trajeto de quase 700 quilômetros entre Belo Horizonte e Vitória, no Espírito Santo, é uma das poucas possibilidades de se chegar a um estado vizinho pelo modal. 

Da mesma forma, os trens são responsáveis por 81% das cargas em circulação na matriz de transportes do país europeu. No Brasil, a mesma alternativa só corresponde a 25% do que é deslocado, enquanto as rodovias abarcam 58%, conforme a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).

As razões para o atraso, de acordo com especialistas, surgiram no fim da década de 1950, quando iniciou-se um processo de expansão do modal rodoviário, favorecendo apenas o uso dos automóveis. Coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende explica que, até então, os trens de passageiros eram um dos principais meios de transporte, sobretudo em Minas.

Complementar

Ele afirma que, ao contrário de países como Rússia, Estados Unidos, China e Austrália, os brasileiros não criaram uma rede multimodal, onde ferrovias e rodovias funcionassem de forma complementar. “Adotamos uma cultura de curto prazo, que se alinha muito com a agenda eleitoral de inauguração de obras. Basta pensar que uma via férrea não fica pronta em quatro anos, mas uma estrada sim”, frisa Resende.

Um dos exemplos mais emblemáticos apontados pelo especialista é a Ferrovia Norte-Sul. Iniciado no Maranhão, há 30 anos, o projeto prevê um caminho até o Rio Grande Sul. “Se arrasta desde a era (José) Sarney. A linha já deveria ter chegado pelo menos a Goiás, mas ainda está no Tocantins”, acrescenta.

Retrocesso

A falta de um sistema ferroviário eficaz não é fruto apenas de poucos investimentos na construção de novos trilhos, mas também do abandono dos que tiveram utilidade durante muitas décadas. A avaliação é de André Louis Tenuta Azevedo, físico e membro da ONG Trem, entidade que estuda esse sistema de transporte.

Hoje, segundo a ANTF, Minas tem pouco mais de 4,5 mil quilômetros de linhas férreas. No entanto, ele destaca que já foram mais de 8 mil. Azevedo afirma ainda que o Brasil chegou a contar com 39 mil quilômetros de vias férreas, mas em 1996, quando as concessões foram realizadas, só eram 29 mil. 

Um dos exemplos dessa perda foi a chamada “linha mineira”, cujo trajeto partia de BH e passava por cidades como Ouro Preto e Mariana (região Central) e Ponte Nova, Viçosa, Ubá e Cataguases (Zona da Mata). “Hoje, saindo da capital, uma rota como essa teria potencial para transportar 700 mil turistas por ano. É um percurso que se acabou pelo abandono”, diz o físico.

Sem resposta

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério dos Transportes foram procurados pela reportagem durante uma semana, mas não se pronunciaram nem disponibilizaram fontes para entrevistas.

“A fronteira agrícola avança e não temos sequer um quilômetro de trilhos sendo construído. Existe hoje no Brasil um vazio ferroviário que impressiona”Paulo ResendeCoordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral

Comissão na Assembleia Legislativa tenta recuperar malha em Minas

A tentativa de mudar o cenário do transporte ferroviário no Estado levou a Assembleia Legislativa a criar a Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras. O grupo tem como meta encontrar formas de recuperar e ampliar a malha.

A tarefa, no entanto, não será fácil. Centenas de quilômetros de trilhos no território, cedidos pelo governo federal às empresas, estão sendo devolvidos devido à baixa atratividade econômica. 

“Minas perdeu cerca de 600 quilômetros de linhas. O pior são as outorgas que devem ser pagas à União, no caso das devoluções, e estão sendo direcionadas para outros estados”, diz o deputado João Leite, que preside a comissão. 

O parlamentar afirma que as punições financeiras aplicadas tanto à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) quanto à MRS são empregadas, quando pagas, em obras em São Paulo e no Mato Grosso. Ele conta que o montante ultrapassa R$ 9 bilhões. 

A VLI, controladora da FCA, disse que “a devolução de trechos comprovadamente antieconômicos é uma obrigação prevista no regulamento de transporte ferroviário”. A empresa afirma ter 3,8 mil quilômetros de trilhos sob concessão em Minas.

Já a MRS destacou, também em nota, que apenas em “casos pontuais” devolveu trilhos ao poder público. “São ajustes de situações anteriores à criação da MRS, nada além disso. Fora situações desse tipo, não temos trechos sem tráfego”.

Só 7 mil quilômetros em plena operação

Dos 29 mil quilômetros de malha ferroviária do país, apenas 7 mil estão em pleno funcionamento. Pouco mais de 13 mil apresentam baixa densidade de tráfego e 8,5 mil estão sem operação comercial. O diagnóstico é do Plano Nacional de Logística (PNL), lançado pelo governo federal no mês passado, com metas para melhoria de todos os sistemas de transporte do país até 2025. 

O documento indica áreas que demandam investimentos. A ideia é que o dinheiro para as melhorias venha das concessões. Porém, entidades ligadas ao setor avaliam que, apesar de o projeto trazer avanços, ainda são necessárias mudanças em relação ao planejamento de longo prazo.

Diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes afirma que o mais urgente é a criação de um ambiente previsível e atrativo para o investimento privado. Para ele, esse novo modelo permitiria “uma exploração mais racional e otimizada da malha, inclusive de trechos que não dão retorno financeiro, que poderiam ser explorados como acontece nos Estados Unidos, por exemplo”.

Hoje, segundo Paes, os atuais contratos de concessão impedem que as empresas explorem o transporte de passageiros. A única exceção é a Vale, que mantém em funcionamento a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). A linha, porém, não foi construída pela empresa. O trajeto já existia e completou, em maio, 114 anos de operação. Por ano, são transportadas cerca de 1 milhão de pessoas.Editoria de Arte / N/A

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