Alimentação e língua diferentes agravam drama de "gringos" nas prisões

Alessandra Mendes - Do Hoje em Dia
24/07/2012 às 07:03.
Atualizado em 21/11/2021 às 23:47
 (Agência CNJ/Divulgação)

(Agência CNJ/Divulgação)

Quase dez mil quilômetros separam Brasil e República Tcheca, um dos países mais prósperos e estáveis da Europa Oriental. Era nesse cenário que, há três anos, vivia o comerciante René, de 38 anos, que decidiu tentar a vida em terras brasileiras. Acabou preso depois de ser roubado e tentar recuperar dinheiro para ir embora levando drogas de São Paulo para Salvador. Durante os dois anos e oito meses em que passou na penitenciária de Itaí, no interior paulista, o tcheco sentiu a distância entre os países se acentuar, a ponto de achar que nunca mais voltará a ver sua terra natal.

Apenas com a roupa do corpo e sem falar nenhuma palavra em português, René foi apresentado à prisão, seu novo “lar” pelos próximos anos. Por não compreender o que lhe era ordenado, como as regras de convivência no espaço, ele sofreu sem saber ao certo que acontecia ao seu redor. O martírio só teve fim quase seis meses depois, quando os próprios detentos decidiram improvisar uma “escola” de idioma para o colega de cela.

“Foram meses de estudo até conseguir contar para as pessoas o que estava fazendo ali e entender como aquele mundo funcionava”, conta René, já mais familiarizado ao português, mas ainda com sotaque carregado que dificulta a compreensão. O fato de estar em uma ala só para estrangeiros facilitou a adaptação do tcheco, que nunca recebeu a visita de um tradutor, ao qual teria direito, para conseguir saber como seria seu futuro à luz da legislação brasileira.

As dificuldades não se restringem ao idioma. A comida é outro entrave para quem tem hábitos alimentares completamente distintos. Durante um estudo feito pelo procurador regional da República do Rio de Janeiro, Artur Gueiros, um judeu relatou que ficou dias sem comer.

Mas não é preciso sair do Estado para perceber as dificuldades vividas pelos estrangeiros atrás das grades. Lucrécia*, moçambicana de 36 anos presa no Complexo Penitenciário Estêvão Pinto, em Belo Horizonte, também sofre com a diferença na alimentação. A refeição oferecida na unidade é baseada nos costumes brasileiros, aos quais ela ainda não se sente completamente adaptada.

“Sinto falta de outro tipo de comida, poderia até pedir para alguém trazer, mas não tenho quem faça isso. O que os parentes das outras detentas trazem não pode ser levado para a cela, tem que ser consumido durante a visita”, explica a moçambicana, que cumpre pena há dois anos e dois meses.

Saudade

Apesar dos percalços, essas dificuldades vão se amenizando com o tempo, ao contrário de um outro problema que só se agrava com o passar dos meses: a distância da família. Assunto que sempre leva o tcheco René às lágrimas pela falta de contato com a mulher e os dois filhos há cerca de quatro anos. Apenas ao pensar na possibilidade do reencontro, ele já começa a falar tcheco novamente e só depois percebe o erro e corrige, já com a voz embargada. “A primeira coisa que farei quando vê-los é pedir desculpa por não estar lá todo esse tempo”.

* Nome fictício para preservar a detenta

 

 

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