Aplicação do Enem Digital esbarra em gargalo da rede pública de ensino

Raul Mariano e Malú Damázio
03/07/2019 às 20:35.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:23

(Riva Moreira)

A versão digital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que começa a ser aplicada em 2020, vai enfrentar desafios em Minas. Apenas metade das escolas públicas do Estado – pouco mais de 6 mil instituições – têm laboratórios de informática. Os números da plataforma educacional QEdu, com base em dados do censo escolar, referem-se a instituições que atendem dos anos iniciais ao ensino médio.

Especialistas veem com preocupação a medida, já que o contato dos estudantes com os computadores é pontual na maior parte da trajetória de aprendizado. 

Advogado especialista em direito digital, Alexandre Atheniense afirma que a mudança operacional na realização da prova pode trazer dificuldade para a parte da população estudantil que não tem acesso à tecnologia.

Ele garante que o novo exame exigirá uma capacitação para interagir com sistemas que muitos alunos, sobretudo os da área rural e das regiões mais pobres do Estado, podem não ter. “Essas mudanças acontecem de forma muito abrupta e jogam o ônus da capacitação no próprio interessado. No entanto, isso não pode gerar um ‘apartheid digital’”, afirma.

Testes

A efetividade, os impasses e as vantagens do Enem em ambiente virtual dependem da execução de testes prévios, sem validade como processo seletivo para ingresso no ensino superior, garantem educadores.

“A iniciativa de colocar o exame on-line é bem-vinda, mas deveria ser seguida de estudos técnicos, audiências públicas com escolas, professores e alunos. Só um anúncio isolado dessas discussões me parece mais pirotecnia do que educação”, afirma Chico Soares, ex-presidente do Inep e professor emérito da Faculdade de Educação (FAE), da UFMG. 

A existência de um projeto piloto também é essencial para minimizar as disparidades entre diversos tipos de participantes da avaliação, como moradores de capitais, cidades pequenas e da área rural, defendem os especialistas. 

Professora do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da FAE, Maria Teresa Gonzaga Alves, líder do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares, diz que uma prova “sem distribuição minimamente equitativa, após avaliação crítica, poderia exigir habilidades ausentes nas salas de aula da maior parte das instituições de ensino do país”. 

Por isso, a educadora não vê com bons olhos a versão digital do exame, já funcionando como seleção para a graduação de 50 mil pessoas no próximo ano. “Vivemos em um contexto extremamente desigual, muitas escolas não têm nem computador. O Enem é de alto impacto e condiciona a entrada do aluno na universidade. Deve haver um planejamento feito com bastante antecedência e que norteie o estabelecimento de critérios públicos e transparentes”, diz.

Preocupação

As mudanças no Enem preocupam quem sonha com uma vaga na universidade. Aluna do 3º ano da Escola Estadual Maurício Murgel, região Oeste de BH, Letícia Marques, de 17, avalia a versão digital do teste como mais desgastante. “Fazer uma prova longa, olhando para uma tela, pode cansar muito a vista do candidato”, afirma a jovem, que pretende estudar estética e cosmética. 

Em busca de uma vaga no curso de farmácia, Melyssa Parreira, de 17 anos, colega de Letícia, diz que o método tradicional, com papel e caneta, facilita o teste. “Já sou acostumada a fazer avaliações assim a vida inteira, é muito mais tranquilo do que usar o computador. Além disso, nos computadores, há mais chances das pessoas burlarem o sistema”, opina a candidata. 

Gradativo 

A migração total para o novo formato deve acontecer até 2026. Coordenador do Pré-Enem Promove e professor de administração e gestão das Faculdades Promove e Kennedy, José Eustáquio Simões diz que a digitalização é uma tendência. Para ele, o projeto piloto a ser aplicado em 15 capitais mostrará em quais pontos a pasta deve se atentar para qualificar os testes.

“Isso se dará de forma gradativa, podendo aprimorar em todos os aspectos e promover a universa-lização do exame para que as pessoas tenham condições de fazê-lo”, afirma José Eustáquio. 

Investimentos

Por nota, a SEE informou que 3.380 escolas estaduais possuem laboratórios de informática, o que corresponde a 93% do total de unidades escolares da rede pública estadual.

A pasta garantiu, ainda, que entregou neste ano 8.850 computadores para escolas estaduais de ensino médio e educação profissional. "Ainda em 2019, a Secretaria está com previsão de entregar mais 6.653 computadores, 3.163 notebooks e 3.782 projetores multimídia para as escolas".

Revitalização

O órgão também afirmou que está fazendo um trabalho de revitalização dos laboratórios de informática das escolas estaduais com 47 equipes do Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE), sendo uma equipe para cada Superintendência Regional de Ensino. 

"Por meio do trabalho realizado pelo NTE, a SEE realiza monitoramento constante do parque tecnológico das escolas, com o intuito de manter o mesmo em pleno funcionamento e realizar intervenções de melhoria quando necessário".

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