Novas descobertas foram feitas por pesquisadores da UFMG em escavações no Vale do Peruaçu, na bacia do rio São Francisco, no Norte de Minas. Lá, estão vestígios de ocupação há 12 mil anos, datação mais antiga do Estado e aceita internacionalmente. Os achados mais recentes dão conta de fogueiras com restos de alimentos e da produção de pigmentos e instrumentos. O resultado pode mostrar um cenário de uso da biodiversidade, começo das domesticações de plantas e efeito dos povos antigos nas vegetações.
Iniciado entre 1970 a 1990, com arqueólogos liderados pelo professor André Prous, o projeto foi retomado. Participam profissionais das áreas de botânica, genética, biotecnologia e geoarqueologia. Agora, o trabalho é feito em parceria com a Embrapa e a USP, sob coordenação da professora Maria Jacqueline Rodet, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Fafich.
O objetivo é aprofundar a compreensão da região como um todo, incluindo aspectos como paisagem, animais, disponibilidade de alimento e matéria-prima e escolhas diversas dos grupos humanos. As novas descobertas estão relacionadas à passagem de grupos entre 2 mil e 3 mil anos atrás, na região conhecida como Abrigo do Malhador.
A área é protegida por um paredão de pedra de cerca de 100 metros de comprimento, 30 de altura e largura de 6 a 10 metros. A estrutura, no município de Januária, é protegida da chuva, do vento, e a temperatura se mantém moderada.
Uso frequente
Segundo Maria Jacqueline Rodet, o abrigo tem, de um lado, verde, rio e Sol. Do outro, cavernas. “Há evidências de que esses grupos mais recentes, que eram horticultores e ceramistas, utilizavam o abrigo com muita frequência. Uma delas é a coloração do sedimento, que passa, nas camadas mais antigas, de tons claros – rosáceo, avermelhado, bege e branco – para o marrom bem forte, relacionado à presença de muitas fogueiras próximas umas das outras.
Segundo a arqueóloga, os grupos não viviam ali, apenas frequentavam. A professora explica que era um local de passagem e rituais. “Sabemos disso porque não há vestígios sistemáticos do cotidiano. Nas escavações recentes, que revelaram muitas e belas fogueiras, estruturadas em pedra, não encontramos muitos instrumentos, apenas sinais de reparos de partes quebradas ou afiação de pontas e superfícies”.
Diante disso, acrescenta Maria Jacqueline, eles não produziam os instrumentos no abrigo. “E, nas fogueiras e em seu redor, achamos alimentos como coquinhos de palmeiras, castanhas, umbu e restos de ossos de aves”, diz a pesquisadora, que é mestra e doutora pela Universidade de Paris Ouest-Nanterre, na França. Ela ainda diz que outras descobertas importantes são os vestígios da produção de pigmentos, que serviam, muito provavelmente, para pintar paredes, corpos e objetos de cerâmica.
Ajuda da população
No cotidiano do trabalho de escavação no Malhador, os pesquisadores têm que se preocupar com onças e ataques de abelhas e contam sempre com moradores da região para detectar ameaças, dar o alarme e orientar para proteção. Moradores das cidades de Januária e Itacarambi e da pequena vila Fabião I participam das escavações e ajudam no reconhecimento das sementes e plantas encontradas nas escavações.
Outra forma de relacionamento com a comunidade local são ações de extensão, como a formação de guias para visitação ao Parque do Vale do Peruaçu, sobretudo quanto aos aspectos arqueológicos e geológicos básicos. Vários aprendizes são filhos e netos de famílias locais, muitas das quais tiveram que deixar a região com a criação do parque.
O projeto das escavações no Abrigo do Malhador já recebeu recursos da USP e hoje é financiado pelo CNPq. A coleção gerada pelo estudo da flora do Abrigo do Malhador será mantida no Herbário Norte Mineiro, no campus da UFMG em Montes Claros.
* Com informações da UFMG
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