Arte e confraternização nas ladeiras de Ouro Preto

Renato Fonseca - Hoje em Dia
21/04/2014 às 07:24.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:13

(Carlo Rhienck)

OURO PRETO – Passava das três horas da manhã e o centro histórico ainda estava agitado. Pelas ruas de pedra, rodas de amigos, casais apaixonados, flashes intermitentes dos celulares e muito vinho brindado, não raro, em copos de plástico. A movimentada madrugada fria, mas repleta de emoção, se devia à centenária tradição da confecção dos tapetes feitos a mão. Serragem cuidadosamente tingida, tecidos, flores, borra de café e cal coloriram as ladeiras por onde passou a procissão da Ressurreição, no domingo de Páscoa.   Considerada uma das programações mais ricas do Estado durante a Semana Santa, a preparação do caminho para receber o cortejo artístico e religioso de Ouro Preto reuniu moradores e turistas com os mesmos objetivos: estreitar os laços em prol da cultura e celebrar a passagem do Santíssimo Sacramento.    Nascida na cidade barroca, mas morando há cinco anos no Rio de Janeiro, a atriz e cantora Maira Lana, de 31 anos, fez questão de participar. Ao lado de amigos e do irmão, ela mantém viva uma tradição que atravessa gerações. “Desde pequena ajudo na confecção dos tapetes. Mais do que um momento de reza e reflexão para os católicos, esse ritual encanta pela particularidade e dedicação de todos os envolvidos, sejam eles residentes do município ou até mesmo os estrangeiros”, afirma Maira.    Mesma opinião tem a estudante Dandara Carvalho, de 17 anos. “É um contato direto e coletivo com um dos principais espetáculos da cidade”, reforça a jovem, que estava bem à vontade, sentada sobre a serragem e apenas com um par de luvas. “Já estou toda suja, mas vale a pena. Nos últimos cinco anos tenho ajudado, sempre ao lado dos meus amigos”, conta Dandara, que mora no bairro Jardim Alvorada.    Aproximadamente 3 mil sacas de material colorido – de 50 quilos, cada – possibilitaram aos “artistas” usar e abusar da criatividade nos desenhos, que recriavam figuras bíblicas, mensagens de paz e até variados mosaicos. O trabalho começa ainda na noite de sábado e mesmo no amanhecer de domingo é possível ver alguém dando os últimos retoques, antes da passagem da procissão.   Nasce a arte   Com o dia claro, a beleza estampada no chão era motivo de orgulho para os autores e contemplação para os visitantes. Ao longo do trajeto de quase quatro quilômetros, desde a Basílica de Nossa Senhora do Pilar até a igreja de Nossa Senhora das Dores, era quase impossível não se deparar, a cada esquina, com alguém registrando a arte por meio de fotos feitas por câmeras ou celulares.   “Ficou maravilhoso. A riqueza de detalhes impressiona. As cores são vibrantes e dá até dó de pensar que daqui a pouco irá se perder quando a procissão passar”, diz a aposentada Sandra Rodrigues, de 50 anos. Moradora de São Paulo, ela veio passar o feriado prolongado em Ouro Preto com o marido e o filho de 14 anos. “Estamos encantados”, acrescenta o companheiro dela, César Augusto de Carvalho, de 55 anos.   Figuras bíblicas conduzem procissão e encantam turistas   Divididas em alas com anjos, cristãos, apóstolos, dentre outras figuras bíblicas do antigo e novo testamento, cerca de 200 fiéis, a maioria moradores de Ouro Preto, conduziram a procissão do Santíssimo. Devidamente caracterizados, eles foram vistos, e admirados, por mais de 6 mil pessoas que participaram da confraternização religiosa.   Participando há 17 anos da Páscoa em Ouro Preto, sempre vestido do profeta Moisés, Clodoveu de Castro, de 69 anos, se orgulha em fazer parte da cerimônia. Segurando um cajado e os dez mandamentos, faz questão de deixar a sua reflexão sobre a festa da ressurreição.   “É um momento para fazermos uma autocrítica. Ver o que está errado e tentar mudar”, afirma Veveu, como é conhecido pelos ouro-pretanos.   Esse ano, pela primeira vez, a procissão partiu de dentro de uma basílica. A matriz do Pilar foi alçada a essa condição há dois anos, após completar três séculos de existência. O entorno da igreja contou com uma decoração especial que encheu os olhos dos presentes, principalmente dos turistas estrangeiros.   Morando há seis meses em São Paulo, a chinesa de Hong Kong, Florence Cheung, trouxe a amiga Joelle Chan para conhecer o Brasil. As duas chegaram a Ouro Preto na noite de sábado e não perdiam uma única chance de registrar todos os momentos com várias fotos. “Parece que estamos dentro de um filme. É maravilhoso”, dizia Florence.   A grande presença de turistas em um evento de fortes raízes mineiras foi destacada pela professora Neuza Ribeiro, de 56 anos. Nascida, criada e residente em Ouro Preto, ela sempre enfeita a sacada da casa antes da passagem da procissão. “Um dia bonito como esse merece todo o nosso carinho. A cidade está lotada e as pessoas muito felizes em participar e elogiar os belos tapetes que foram feitos”, destaca. 

 

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