A Justiça Federal determinou o pagamento imediato de valores pendentes a assessorias técnicas que prestam suporte aos atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, na região Central, em 2015. A decisão garante que três entidades - Cáritas, Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (Adai) e Centro Agroecológico Tamanduá (CAT) - recebam os 50% restantes da segunda parcela, que já deveria ter sido quitada conforme o cronograma original.
A decisão atende pedido formulado por seis instituições de Justiça: Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES). A íntegra foi divulgada pelo MPF nessa semana.
O despacho foi assinado no dia 15 de maio pelo juiz Vinicius Cobucci, que considera a possibilidade de "sérios prejuízos aos atingidos, se não for repassado os valores restantes".
Os pagamentos devem ser realizados pela Fundação Renova, entidade criada conforme acordo para reparação dos danos firmado alguns meses após a tragédia. Conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), ele estabeleceu uma série de medidas a serem implementadas. A Samarco e suas duas acionistas - Vale e BHP Billiton - se responsabilizaram pelo custeio das ações e a gestão ficou a cargo da Fundação Renova.
Dezenas de cidades mineiras e capixabas, ao longo da Bacia do Rio Doce, foram impactadas pela avalanche de rejeitos liberada após o rompimento da barragem localizada na zona rural de Mariana (MG). Ao longo dos anos, o MPMG e o MPF apoiaram as reivindicações dos atingidos e novos acordos foram celebrados garantindo a eles o direito de selecionarem entidades para atuarem como suas assessorias técnicas independentes.
As mineradoras devem disponibilizar recursos para a contratação, mas não podem interferir no processo de escolha. As entidades selecionadas pelos atingidos podem contar com profissionais de áreas variadas, como direito, sociologia, psicologia, arquitetura, engenharia, agronomia. A medida busca assegurar que as vítimas estejam munidas de informações técnicas para pleitear seus direitos.
A primeira entidade a ser contratada foi a Cáritas, que começou a atuar em 2016 por escolha dos atingidos que residem em Mariana. O exemplo inspirou novas negociações envolvendo outros municípios atingidos.
Em Barra Longa, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) começou a atuar em julho de 2017. Dois meses depois, o Centro Alternativo de Formação Popular Rosa Fortini foi selecionado para atuar em três cidades: Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova.
Em outras cidades, no entanto, a formalização dos contratos se tornou tema de discussão judicial. A Fundação Renova e as mineradoras manifestaram ter divergências envolvendo o escopo do trabalho, os prazos e os valores demandados pelas assessorias técnicas.
O MPMG e o MPF criticavam a postura, acusando-as de criarem obstáculos e de não cumprirem acordos assinados em 2017 e em 2018. São termos que asseguraram o direito a assessoria técnica, dividindo as 39 cidades consideradas atingidas em 21 territórios: uma entidade deveria ser contratada para cada um deles.
A Cáritas, a Adai e o CAT, que respondem por nove desses territórios, chegaram a refazer seus planos de trabalho quatro vezes. Apenas em novembro de 2022, a Justiça autorizou o início das suas atividades e determinou a transferência da primeira parcela referente aos seis primeiros meses.
Já a segunda parcela, que deveria ter sido paga em meados de 2023, foi fatiada ao meio devido ao fim do contrato com o Fundo Brasil, consultoria contratada para periciar as assessorias técnicas e apresentar os resultados ao MPF. Em decisão de outubro de 2023, o juízo questionou o MPF sobre a demora na seleção de um novo perito. De forma a não penalizar os atingidos, foi determinada a transferência em caráter emergencial de 50% da segunda parcela.
A nova decisão, ordenando o repasse da outra metade, ocorreu após as assessorias técnicas apresentarem relatórios de verificação financeira simplificados, assinados por consultorias independentes. Eles atestaram o cumprimento de pelo menos 70% do orçamento referente à primeira parcela. O juiz Vinicius Cobucci considerou que a documentação preenchia os requisitos previstos nos acordos celebrados e afastou os argumentos da Fundação Renova, que defendia a necessidade de uma auditoria finalística.
Procurada pela Agência Brasil, a Fundação Renova informou que "o pagamento será cumprido dentro do prazo determinado pela Justiça".
Em outubro do ano passado, uma audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) discutiu as barreiras para a atuação efetiva das assessorias técnicas. Na ocasião, foram manifestadas preocupações com a instabilidade jurídica, tendo em vista as diversas idas e vindas do processo e também as mudanças de juízes a frente do caso.
Alterações de entendimento ocorreram, por exemplo, sobre a possibilidade coleta de dados e diagnósticos serem realizados pelas assessorias técnicas. O primeiro magistrado atendeu pedido da Fundação Renova e das mineradoras vedando essa atividade. A atuação das assessorias técnicas deveria estar limitada à garantia da participação informada e da mobilização comunitária, à formulação de solicitações para que fossem fornecidas informações de interesse dos atingidos, à emissão de pareceres técnicos relacionados com a identificação dos danos sofridos pelas vítimas e à oferta de formação em direitos humanos aos representantes das comunidades.
O juiz que assumiu o caso posteriormente reviu essa decisão no ano passado, autorizando a coleta de dados pelas assessorias técnicas e ampliando o escopo de trabalho. Durante a audiência na ALMG, representantes das assessorias técnicas lembraram que o direito dos atingidos foi efetivado passados mais de sete anos da tragédia. O gerente jurídico do CAT, Diego Guimarães, manifestou temor de que uma repactuação do processo de reparação estabeleça novas limitações.
Desde 2022, estão em curso discussões para repactuar as medidas fixadas do TTAC. As mineradoras, os governos envolvidos e as instituições de Justiça buscam um novo acordo que seja capaz de solucionar um passivo de mais de 80 mil processos judiciais acumulados. Há questionamentos sobre a falta de autonomia da Fundação Renova perante as mineradoras, os atrasos na reconstrução das comunidades destruídas, os valores indenizatórios, o não reconhecimentos de parcela dos atingidos, entre outros tópicos. Até o momento, no entanto, as partes não conseguiram chegar a um consenso. Um dos principais entraves envolvem os valores oferecidos pelas mineradoras.
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