bichos peçonhentos e venenosos

Casos de ataques de escorpiões crescem no Pronto Socorro em BH

Luciane Amaral
@lucianeamaralLamaral@hojeemdia.com.br
23/04/2022 às 18:15.
Atualizado em 24/04/2022 às 11:13

Luciano Batista Pio, de 37 anos, trabalha como roçador e conta que, por causa da ameaça dos escorpiões, foi obrigado a trocar o piso da casa, na Pedreira Prado Lopes (PPL), a mais antiga favela da capital, na região Noroeste. “Eu e minha esposa estamos colocando cerâmica na casa toda, até sem poder fazer, mas a segurança da família em primeiro lugar”, desabafa. 

Em um vidro, guarda uma coleção de escorpiões que conseguiu capturar - o último deles no feriado de Tiradentes (21). Batista explica que ao lado da residência dele, onde mora com a mulher e os filhos, há muitos escorpiões, lacraias e uma espécie de bicho que se parece com uma sanguessuga. “Sai das pias, no banheiro, principalmente”, conta o morador da PPL.

Escorpião capturado por morador da Pedreira Prado Lopes em BH, na última quinta-feira (21) (Luciano Pio Batista)

Escorpião capturado por morador da Pedreira Prado Lopes em BH, na última quinta-feira (21) (Luciano Pio Batista)

O roçador afirma que agentes do Departamento de Zoonoses da PBH orientam os moradores a manter os imóveis limpos e organizados para evitar acidentes. “Mas a gente continua sempre vigilante (...), porque meu filho caçula é curioso”, diz Luciano.

Crianças e idosos são mais suscetíveis a complicações em casos de picadas de escorpiões, explica o médico Adebal Andrade Filho, coordenador do Departamento de Toxicologia do Hospital João XXIII, em BH. Só no primeiro trimestre deste ano foram 400 atendimentos, contra 357 registrados no mesmo período de 2021.

O hospital é referência no socorro de vítimas de acidentes com animais peçonhentos e venenosos e recebe pacientes de várias regiões de Minas. Os casos de escorpionismo são, de longe, os mais comuns e, em todo o Estado, foram 8 mil notificações neste ano, registradas até o último dia 18, segundo a Secretaria de Estado de Saúde. 

659 pessoas foram vítimas de ataques de cascavéis em Minas, neste ano, no primeiro trimestre (Adebal Andrade Filho)

659 pessoas foram vítimas de ataques de cascavéis em Minas, neste ano, no primeiro trimestre (Adebal Andrade Filho)

Animais peçonhentos são aqueles que, para caçar ou se defender, têm a capacidade de inocular substâncias tóxicas por meio de órgãos como os dentes das serpentes ou o aguilhão na ponta da cauda do escorpião. No caso dos venenosos, as toxinas só entram no corpo das vítimas através do sistema digestivo, respiratório ou pela pele. É o caso das lagartas, por exemplo.

O biólogo Fabrício Ker, de 39 anos, conta que, só neste ano, já sofreu duas queimaduras por contato com este tipo de inseto. Em janeiro, depois de calçar o tênis sentiu dor. E, ao retirar o calçado, percebeu que tinha esmagado uma lagarta. "A gente tem horta e tinha lagarta lá. Por causa da pandemia, nós nos habituamos a deixar uma sapateira na entrada da casa. Me distraí e calcei sem checar se tinha algum bicho dentro. Foi simples. Mas poderia ter sido grave. Estamos em região de escorpião”, comenta preocupado. 

Depois do acidente, os cuidados na hora de colocar os sapatos foram redobrados, especialmente, com a filha de 4 anos. Porém, dois meses depois, ele sofreu outra queimadura, quando apanhava uma goiaba em uma rua do bairro Mangabeiras, na região Centro-Sul da capital. "Senti queimar a mão e logo uma sensação de formigamento no braço todo e embaixo da axila. Procurei orientação com um médico e fiquei em observação. Não houve mais sintomas ou complicações".

Segundo o médico Adebal Andrade Filho, a maioria dos acidentes envolvendo lagartas é  benigna, com apenas dor local. Entretanto, há uma espécie que tem se tornado preocupantemente comum na região metropolitana, principalmente em condomínios em Nova Lima e Brumadinho: a lonômia.

Desmatamento pode ter provocado migração de lagartas lonômias para pomares em áreas urbanas (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Desmatamento pode ter provocado migração de lagartas lonômias para pomares em áreas urbanas (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Os primeiros casos descritos sobre a espécie datam de 1902. Noventa anos depois, acidentes voltaram a ser registrados no país. E, no Natal de 2002, houve o primeiro caso de acidente com lonômia em Matozinhos, na região metropolitana. A hipótese do médico é que o desequilíbrio ecológico provocado pelo desmatamento causou a migração da lagarta para pomares, o que aumenta o risco de acidentes com o animal. 

Aranhas

As aranhas também são um risco para a população. Neste ano, 2.473 pessoas sofreram ataques e precisaram de algum tipo de atendimento médico em Minas. E, entre as 37 mil espécies de aranhas que existem no país, duas são mais preocupantes: a armadeira, que é mais agressiva e responde por 60% dos acidentes, e a marrom. Esta última é pequena e só ataca para se defender. O problema é que o paciente só começa a sentir dor no local da picada cerca de dez horas depois. A toxina do veneno pode cortar a irrigação do sangue (isquemia) e provocar a morte do tecido no local. Dependendo do caso, a lesão pode levar inclusive a amputações.

Vítimas de picada de aranha marrom podem levar até 10 horas para sentir dor (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Vítimas de picada de aranha marrom podem levar até 10 horas para sentir dor (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

A maioria dos venenos, continua o especialista, tem ainda um efeito anticoagulante, que pode provocar hemorragia em feridas no corpo, na urina, na gengiva. E também compromete o funcionamento dos rins, levando, inclusive, o paciente à insuficiência renal.

Serpente

De acordo com levantamento da SES, 2.981 pessoas sofreram ataques de serpentes em Minas neste ano. Durante o verão, período de acasalamento dos ofídeos e quando estão mais ativos, o risco de ataques é maior. Mas, como o plantio de safras e o manejo de gado e outros rebanhos ocorrem durante todo o ano, os acidentes deixaram de ser muito sazonais e são frequentes em todas as estações.

E para cada animal há um tipo de soro específico, por isso, quanto mais cedo o agressor for identificado, menores são as chances de o paciente sofrer complicações clínicas que podem levar à morte. No caso das cobras, os erros mais comuns no socorro às vítimas são:

  • Usar torniquetes;
  • Cortar o local da ferida para chupar o veneno ou espremer a área;
  • Dar calmantes, bebidas alcoólicas para as vítimas, leite.

De acordo com o médico, isso dificulta a identificação da serpente pelo tipo de mordida e efeitos que o veneno causa, como vermelhidão no rosto, olhos caídos. Segundo ele, no caso de ataque, o ideal é lavar a área ferida com água e sabão e procurar atendimento médico. 

Cobras da família da jararaca já fizeram 659 vítimas em Minas até março de 2022 (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Cobras da família da jararaca já fizeram 659 vítimas em Minas até março de 2022 (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Como não há um soro geral básico que possa ser usado no tratamento de ataques de serpentes, segundo Adebal Andrade, é fundamental identificá-las. “Se não for possível capturar o animal em segurança, é melhor  tirar fotos da cauda, do dorso e da cabeça da serpente. A distância de segurança é um terço do tamanho do animal, ou seja, cerca de 1,1 metro da cobra. Mas a vítima deve ser levada imediatamente para um hospital e outra pessoa pode procurar o animal”, alerta o médico.

Adebal dá outra orientação importante: o tempo de socorro é decisivo para o tratamento. Confira os tempos ótimos para administração do soro e início do tratamento:

  • Escorpiões: 2 horas
  • Serpentes: 6 horas
  • Aranhas e lagartas: 12 horas

Apesar de apenas 3% das vítimas de escorpiões precisarem do soro, se o caso se agravar pela demora do atendimento, elas podem ficar por até 20 dias no CTI e o quadro pode evoluir para óbito. Se a pessoa tiver vômito, é sinal de gravidade do envenenamento.
 

Todos os pacientes que são mordidos por serpentes têm de tomar soro antiofídico específico (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Todos os pacientes que são mordidos por serpentes têm de tomar soro antiofídico específico (Adebal Andrade Filho / acervo pessoal)

Todos as pessoas picadas por serpentes peçonhentas precisam receber soro antiofídico. E é importante ajudar na identificação da serpente; caso contrário, o soro só será aplicado de acordo com a evolução do quadro clínico e de exames laboratoriais, o que reduz a eficácia e a rapidez do combate à toxina.

Metade das vítimas de lonômia precisam de soro e, no caso das aranhas armadeiras, apenas 1%.

Ranking da dor

No ranking da dor provocada por animais peçonhentos, a ordem é a seguinte, conforme avaliação dos pacientes:

  • Lagartas comuns (conhecidas como mandruvás ou carneirinhas);
  • escorpiões;
  • aranha armadeira;
  • serpentes tipo jararacas (cascavéis produzem uma toxina que causa dormência no local da ferida).

O médico afirma ainda que há atualmente no país quatro laboratórios que podem produzir soros: Vital Brasil, em Niterói, no Rio de Janeiro; Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiológicos (CCPI) no Paraná; Fundação Ezequiel Dias (Funed), em BH; e o Butantan, em São Paulo. Só este último está em plena atividade. Os outros, como a  Funed, estão passando por readequação. Toda a produção vai para o Ministério da Saúde, que a distribui de acordo com as notificações dos estados. 

A redução na produção, afirma o especialista, levanta um alerta. “Isto é um sinal amarelo e nos deixa preocupados. Apesar de no hospital (João XXIII) não ter havido escassez de soro, a gente sabe que, no Brasil, é um problema. Não por causa da Funed, mas por conta de todos os laboratórios”, finaliza.

Em nota, a Funed reconheceu que para a reestruturação da fábrica a produção foi suspensa. De acordo com a fundação, a fabricação “foi retomada e está na etapa de validação – produção dos lotes normais do medicamento nos quais são aplicados testes complementares para confirmar a qualidade do processo”.

Ainda de acordo com a Funed, assim que essa etapa for concluída, será realizada inspeção pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a Funed volte a fornecer lotes ao Ministério da Saúde.

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