Casos de feminicídio crescem 22% em 12 estados durante pandemia

Agência Brasil
01/06/2020 às 15:11.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:39

(Marcos Santos / USP)

Na primeira atualização de um relatório produzido a pedido do Banco Mundial, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cresceram 22,2%,entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao ano passado. Intitulado Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, o documento foi divulgado nesta segunda-feira (1º) e tem como referência dados coletados nos órgãos de segurança dos estados brasileiros. 

Feminicídio é o assassinato de uma mulher, cometido devido ao desprezo que o autor do crime sente quanto à identidade de gênero da vítima. Nos meses de março e abril, o número de feminicídios subiu de 117 para 143. Segundo o relatório, o estado em que se observa o agravamento mais crítico é o Acre, onde o aumento foi de 300%. Na região, o total de casos passou de um para quatro ao longo do bimestre.  Também tiveram destaque negativo o Maranhão, com variação de 6 para 16 vítimas (166,7%), e Mato Grosso, que iniciou o bimestre com seis vítimas e o encerrou com 15 (150%). Os números caíram em apenas três estados: Espírito Santo (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas Gerais (-22,7%).

Em comunicado à imprensa, a entidade novamente torna públicos registros que confirmam queda na abertura de boletins de ocorrência, evidenciando que, ao mesmo tempo em que as mulheres estão mais vulneráveis durante a crise sanitária, têm mais dificuldade para formalizar queixa contra os agressores e, portanto, para se proteger.

Os fatores que explicam essa situação são a convivência mais próxima dos agressores, que, no novo contexto, podem mais facilmente impedi-las de se dirigir a uma delegacia ou a outros locais que prestam socorro a vítimas, como centros de referência especializados, ou, inclusive, de acessar canais alternativos de denúncia, como telefone ou aplicativos. Por essa razão, especialistas consideram que a estatística se distancia da realidade vivenciada pela população feminina quando o assunto é violência doméstica, que, em condições normais, já é marcada pela subnotificação.

É o que diz a diretora executiva da organização, Samira Bueno, cuja avaliação assenta-se no fato de que o quadro de violência contra meninas e mulheres no Brasil já é grave, tendo somente piorado com a pandemia. Entre os fatores adicionais que as vítimas precisam transpor, Samira cita a queda da renda e o desemprego, que podem atrapalhar a mulher na hora em que cogita sair de casa para fugir do agressor.

Tais circunstâncias podem refletir a redução de casos de lesão corporal dolosa (quando há intenção de cometer a agressão), que foi de 25,5%, nível semelhante ao de países como Itália e Estados Unidos, em que as vítimas também enfrentam obstáculos para se deslocar a postos policiais, conforme escreve o FBSP. Os estados que tiveram queda mais significativa foram Maranhão (-97,3%), Rio de Janeiro (-48,5%), Pará (-47,8%) e Amapá (-35%). O fórum destaca que, mesmo em São Paulo, que implementou o boletim de ocorrência eletrônico para facilitar a oficialização de queixa contra os agressores, houve queda de 21,8%. 

Um indicativo que mostra que as mulheres continuam sofrendo agressões, embora não procurem com tanta frequência as delegacias, é uma informação trazida pela primeira compilação do relatório, publicada no fim de abril e que revelava, entre outros pontos, que os chamados atendidos pela Polícia Militar no estado de São Paulo aumentaram 44,9% em março deste ano, em contraste com 2019.

No relatório mais atual, o FBSP menciona, ainda, o aumento de denúncias feitas por telefone, que, na comparação entre os meses de março de 2019 e 2020, foi de 17,9%. Em abril deste ano, a quarentena já havia sido decretada em todos os estados brasileiros, e foi exatamente quando a procura pelo serviço cresceu 37,6%.

Em São Paulo, as comunicações pelo 190, canal de atendimento da Polícia Militar, saltaram de 6.775 para 9.817. O mesmo padrão de alta ocorreu entre março e abril de 2019 e de 2020, no Acre, que totalizava, inicialmente, 752 ligações, e depois somava 920. No Rio Janeiro, chamadas passaram de 15.386 ligações para 15.920.

Homicídios e medidas protetivas

O FBSP também desmembra dados referentes a homicídio de mulheres. Quanto a isso, informa que houve aumento no número de vítimas em metade dos oito estados que encaminharam seus respectivos resultados: Amapá (100%), Acre (75%), Ceará (64,9%) e Rio Grande do Norte (8,3%). O grupo em que se viu uma redução no índice é composto por São Paulo (-10%), Pará (-7,7%) e Espírito Santo (-6,7%). 

Os registros de ocorrência relacionados a violência sexual, que levam em conta os crimes de estupro e estupro de vulnerável, tiveram redução média de 28,2%, o que, pondera o FBSP, mais uma vez pode  estar relacionado à dificuldade das vítimas em registrar as ocorrências. "Os casos de violência sexual, pela gravidade e exigência de exame imediato de corpo de delito exigem necessariamente a presença da vítima na delegacia, sendo essa a hipótese para explicar a redução tão abrupta deste crime", diz a entidade. 

O relatório acrescenta que o único estado que puxou essa taxa para cima foi o Rio Grande do Norte. Lá, o acréscimo na quantidade de casos reportados foi de 118%, que o FBSP associa à ampliação na cobertura da informação, com a implantação do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).

Sobre as medidas protetivas de urgência o FBSP fornece informações que abrangem quatro estados, todos com retração. O Acre fica no topo da lista (-31,2%), seguido por Rio de Janeiro (-28,7%), Pará (-8,2%) e São Paulo (-3,7%).

As medidas protetivas foram consolidadas como um direito das vítimas a partir da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), em vigor desde 2006, e podem ser concedidas por um juiz mesmo que não tenha sido instaurado inquérito policial ou processo cível.

Como denunciar

Com a pandemia, as mulheres vítimas de violência acabam tendo sua rede de apoio comprometida, em virtude das medidas de quarentena, além de ter de conviver com o agressor. Muitas delas também não sabem para onde correr, quando decidem romper o ciclo de violência, que geralmente abrange aumento da tensão entre vítima e agressor, a consumação da violência e demonstrações de arrependimento e perdão por parte do agressor.

A violência, conforme elucida o Instituto Maria da Penha, não necessariamente é física, podendo ser também de natureza psicológica, moral, patrimonial e sexual. 

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