
De um lado, crianças soltam pipas livremente. De outro, catadores e urubus selecionam a parte do lixo que lhes interessa. Tudo isso em um amontoado de resíduos com muitos metros de altura e extensão, cravado próximo a residências do bairro Viena, em Ribeirão das Neves, Grande BH. Esse é apenas um dos 467 lixões e aterros controlados ilegais espalhados por Minas. Juntos, os precários depósitos a céu aberto são responsáveis por adoecer, pelo menos, 100 mil mineiros a cada ano.
A estimativa é de uma pesquisa divulgada pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). O documento aponta que o ambiente insalubre oferece perigo a moradores do entorno das áreas de descarte, catadores e quem apenas passa por esses locais.
Segundo a entidade, pelo menos 7 milhões de pessoas residem perto de lixões ou aterros irregulares em Minas. E não somente a saúde deles está em risco, afirma o diretor-presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho.
Ele reforça que mais pessoas podem estar vulneráveis. “Consideramos um impacto limitado a uma área de 15 quilômetros no entorno dos lixões. Mas quando o lixo contamina o lençol freático, não sabemos até onde ele vai”, diz.
A destinação inadequada do entulho pode provocar enfermidades que vão desde infecções intestinais e problemas respiratórios até casos mais graves, como câncer e distúrbios neurológicos, aponta o levantamento da Abrelpe.
A lista não para por aí. A Secretaria de Estado de Saúde acrescenta que o contato com esses espaços aumenta a incidência de febre amarela, toxoplasmose, leishmaniose, salmonelose, teníase, leptospirose, cólera, febre tifoide, além da dengue, chikungunya e zika vírus, transmitidas pelo .
O resultado é um custo médio anual de R$ 146,75 milhões com o tratamento das vítimas dos lixões mineiros, estima a Abrelpe. O dado leva em conta gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com medicamentos, consultas, exames, internação, dentre outros procedimentos.

Em risco
Andreina Gabriela Augusto Homem, de 16 anos, sabe bem os transtornos à saúde provocados pelo lixo. Grávida de sete meses, ela mora em frente ao aterro de Ribeirão das Neves e revela se sentir mal com frequência. “Hoje mesmo está ruim para respirar. Tive vômito e problemas respiratórios desde o início da gravidez, e não posso tomar remédio”.
Vizinhos da adolescente também sofrem com sinusite e rinite. As hortas das casas de Breno Augusto Campos e Davi Pereira dos Santos têm como pano de fundo o aterro irregular.
“Às vezes jogam lixo até em nosso quintal. Temos que conviver com poeira, mosquitos e esse cheiro insuportável”, desabafa Breno. Davi complementa que até restos de comida, levados pelos urubus, caem nas partes externas dos imóveis.
A Prefeitura de Ribeirão das Neves disse acompanhar a situação do aterro, que existe desde 1998, além de realizar obras de adequação para que o espaço fique dentro do padrão estabelecido.
Lei nacional determina fim dos aterros ilegais, mas redução das áreas segue em ritmo lento
Há três anos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos determinou o fim dos lixões no país. Porém, a redução dos aterros ilegais segue a passos lentos no Estado.
Sem recursos por conta da crise financeira e com corte de funcionários, o Programa Minas Sem Lixões, do governo estadual, está suspenso. “Em 2001, quando lançamos uma normativa para os municípios se adequarem, eram 823 lixões. Depois veio o Minas Sem Lixões e lavramos 650 autos de infração. Conseguimos evoluir muito, mas agora não temos recursos e pessoal suficientes para ir a todos os municípios”, diz a gerente de Resíduos Sólidos Urbanos da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Denise Marília Bruschi.
A instituição está em tratativas com o Ministério Público e outras entidades para a formulação de um novo programa conjunto nos próximos meses. A ideia é estimular prefeitos a se unirem em consórcios para a construção de aterros regulares.
Assessor de Meio Ambiente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Licínio Xavier diz que os consórcios terão barreiras. “As cidades com local adequado para a instalação tendem a ter resistência da população, que não vê com bons olhos ser hospedeira desse lixo”.
Procurado, o Ministério de Meio Ambiente não se pronunciou.
Investimentos
Com 6.136 toneladas de resíduos lançados a céu aberto por ano, Minas demanda um investimento de R$ 99,8 milhões para recuperação do meio ambiente no período de 12 meses, segundo a Abrelpe. Diretor-presidente da entidade, Carlos Filho diz que é calculado o valor necessário para descontaminar e tratar o solo, ar e água.
Os impactos no meio ambiente são inúmeros, frisa o professor de engenharia sanitária e ambiental Raphael Tobias de Vasconcelos Barros, da UFMG. Plásticos jogados no lixão, por exemplo, interrompem o processo natural de reciclagem da natureza. Ao se decomporem, alguns resíduos geram gases contaminantes.
O Ministério Público Estadual investiga os lixões. São feitos procedimentos investigatórios e termos de ajustamento de conduta, além de os promotores tentarem a fomentação da política de gestão adequada, afirma a coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente do órgão, Andressa de Oliveira Lanchotti.
