Crescem flagrantes por posse ilegal de facas e canivetes em Minas

Renata Galdino
rgaldino@hojeemdia.com.br
27/11/2017 às 06:00.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:53
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Pouco mais de um ano após sanção da lei estadual que proíbe o porte de arma branca com lâmina maior que dez centímetros, em 2017, ao menos oito pessoas foram flagradas por dia em Minas carregando artefatos como facas e canivetes. De janeiro a agosto, foram 1.983 conduções às delegacias – 14% a mais no comparativo com o mesmo período de 2016. Na capital, o aumento foi maior: quase 20%.

É em Belo Horizonte, inclusive, que a quantidade de assassinatos provocados por objetos perfurocortantes aumentou nos oito primeiros meses deste ano: foram 46 (24% a mais).

Historicamente associadas à violência doméstica, armas brancas vêm sendo usadas com frequência em assaltos. Em uma semana, ao menos três pessoas foram feridas por ladrões na capital. No último dia 13, o médico e professor da UFMG Antônio Leite Radicchi, de 63 anos, perdeu a vida após ser esfaqueado por um homem dentro de um ônibus, na região da Lagoinha. A mochila do docente foi levada. 

Na segunda-feira da semana passada, dois homens foram golpeados a faca, e um deles ficou em estado grave, após serem abordados por assaltantes em diferentes pontos da região Centro-Sul de BH.

Dependendo do uso, até mesmo agulha, alicate de unha e chave de fenda, por exemplo, podem se tornar uma arma branca

Indiferente

Professora da UFMG e conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ludmila Ribeiro diz que essas ocorrências passam despercebidas pela população porque a maior parte dos homicídios é por arma de fogo. 

“O uso de facas, tesouras e até pedras nesses crimes sempre existiu. Os últimos casos chamaram a atenção para outro tipo de dinâmica de assassinato com arma branca que não seja na violência doméstica”, diz.

Para a docente, pode estar havendo um crescimento em delitos com facas por conta, por exemplo, da dificuldade de se conseguir um revólver.

Chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar, o major Flávio Santiago afirma que até mesmo no mercado negro é caro o armamento de fogo. “Por isso crescem as apreensões de simulacros de armas, facas, canivetes”, reforça.

Além de usados em discussões, quando os brigões estão no “calor do momento”, e na violência doméstica, Santiago afirma que artefatos perfurocortantes são empregados por criminosos oportunistas. “Por exemplo, quem aproveita para roubar objetos de pequeno valor e trocá-los por drogas, como os usuários, e quem não é bandido experiente”.

Medo

A doméstica Shirley Cristina Ribeiro Silva, de 38 anos, presenciou um desses “crimes de oportunidade”. Numa tarde de maio, dentro do ônibus, uma mulher tirou uma faca da bolsa e exigiu o celular do passageiro ao lado. “Era uma moça bonita, bem vestida. Ninguém imaginava que poderia ser criminosa e andar com uma peixeira”, relembra.

A assaltante entrou no coletivo ao mesmo tempo em que Shirley, na avenida Amazonas, Centro de BH. Pagou passagem como qualquer pessoa e sentou-se ao lado do rapaz. Depois, anunciou o assalto. “Dois pontos à frente, ela desceu. Achamos que só homens podem roubar, mas dessa vez foi uma mulher com faca”, frisou a doméstica.

Usado em alguns casos como defesa, artefato pode se tornar ainda mais perigoso

Há quem alegue que portar arma branca, seja ela qual for, é uma forma de se defender de ataques. É o que diz a terapeuta ocupacional Paula*, de 24 anos. Há cerca de quatro meses, ela passou a andar com uma faca de cozinha na mochila para se proteger durante trajetos feitos em carros acionados por meio de aplicativos.

“Li casos de pessoas assediadas por motoristas. Sei que não são todos, e talvez alguns casos sejam boatos, mas fiquei com medo e coloco num lugar estratégico, que eu possa agir rápido se acontecer algo”, conta a jovem. Porém, essa não é uma maneira inteligente de se proteger, afirmam especialistas e a Polícia Militar (PM). 

Segundo o psiquiatra forense Guido Palomba, canivetes, pequenas facas e outros objetos acabam se tornando um perigo a mais para quem sente-se vulnerável. Ele frisa que a ação estimula uma reação mais violenta da outra pessoa. 

“É uma ingenuidade achar que uma faquinha ou um canivete vão realmente resguardar. O agressor sabe muito bem a hora que vai atacar, surpreendendo a vítima”. 

O especialista diz, ainda, que a situação é pior no caso da mulher. “Se ela tenta atacar um homem, que é provavelmente mais forte, pode não concluir os golpes, ter a arma tomada e ser atingida mais gravemente”, complementa.

Cautela

No lugar da arma, precaução. Guido Palomba enfatiza a importância de se evitar embates no trânsito ou na rua, além de procurar outro meio de transporte se a pessoa não sente segura com um motorista desconhecido. Além disso, é preciso estar atento ao que acontece ao redor.

De mesma opinião, o major Flávio Santiago, chefe da Sala de Imprensa da PM, ressalta a necessidade de prudência. 

“Evitar perder a visão difusa quando está com celular na mão, tomar cuidado ao andar em rua erma. A lei não abre exceções. Pessoa flagrada com objeto cortante, dentro do que preconiza a norma, pode ser enquadrada na legislação mesmo que o seu intuito não seja criminal”, diz.

(Colaborou Mariana Durães)
*Nome fictício

Além Disso

A Lei 22.258, que proíbe o porte de arma branca com mais de dez centímetros em Minas, foi sancionada em 28 de julho do ano passado pelo governador Fernando Pimentel. Na lista de itens não mais permitidos estão facas, punhais, espadas, floretes, espadins ou similares. Mas há exceções. 

O porte de armas brancas não será considerado crime se o artefato for novo e estiver em embalagem original, se estiver sendo transportado em bolsas, malas ou caixas de ferramentas e ainda se for em razão de uso em atividade profissional.

Quem for enquadrado na Lei 22.258 terá o objeto perfurocortante apreendido e terá que pagar multa de R$ 2,7 mil. A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), no entanto, não informou quantas punições foram aplicadas desde a entrada da norma em vigor.

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