Desde cedo no tráfico: A cada dia, sete jovens são flagrados vendendo droga em Belo Horizonte

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
Publicado em 06/07/2018 às 20:39.Atualizado em 10/11/2021 às 01:16.

De janeiro a março de 2018 houve um crescimento de 17% na condução de jovens pela venda de entorpecentes na capital, na comparação com igual período de 2017. Em Minas, a alta foi de 9,5%, passando de 3.308 registros para 3.625. Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MG).

O tráfico de drogas já é o principal ato infracional cometido em BH, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). “Esse crime atrai muita gente por oferecer dinheiro rápido, benefícios simbólicos, como o respeito na comunidade, atração de algumas mulheres, imposição no território onde convivem e elevação da autoestima de meninos antes sem alternativas”, afirma o especialista em segurança pública da PUC Minas, Luiz Flávio Sapori.

Família

Uma pesquisa feita pelo Centro Brasileiro de Análise[/TEXTO] e Planejamento (Cebrap) – instituição que organiza estudos em diversas áreas como sociologia e antropologia – aponta que as relações dentro de casa influenciam, e muito, para que alguém se torne um fora da lei.

Cerca de 80% dos jovens com envolvimento na criminalidade analisados tinham parentes com passagens pela polícia. Quase a metade perdeu um familiar assassinado.

A trajetória do pai no cárcere obriga que os adolescentes sejam criados apenas pela mãe, avós e, não raro, em abrigos. “A ausência não pode ser negada nesse processo. A falta de supervisão mais de perto pode ser um fator de risco”, acrescenta Sapori.

Além disso, as oportunidades limitadas em outras áreas ajuda a “empurrar” o jovem para o crime, reforça José de Assis Santiago Neto, diretor do Instituto de Ciências Penais (ICP), entidade nacional que reúne magistrados, promotores e advogados que atuam na área. “Muitos não têm acesso à saúde, educação e moradia digna. Eles vêem no tráfico uma oportunidade para conseguir os bens de consumo”, explica.

Segundo especialistas, a maior parte dos infratores vive nas periferias. Dentre os menores, há o predomínio de negros. “Preocupa muito saber quem são esses jovens. Quais oportunidades sociais tiveram até chegar ao tráfico. Não por acaso, são pobres e negros. Abolimos a escravidão, fechamos a porta da senzala, mas abrimos a do sistema penitenciário”, diz Santiago Neto.

Punição

A presença de adolescentes no tráfico é punida com medidas socioeducativas, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a Sesp-MG, 447 jovens estão nessas condições atualmente. Desses, 358 estão internados, podendo ficar detidos por no máximo três anos. Outros 89 cumprem a semiliberdade.

Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Cristiano Maronna critica a punição. “As medidas socioeducativas estão se tornando penas. A internação equivale às cadeias de adultos. E já vimos que o encarceramento não é suficiente para recuperar”, diz. Para ele, a forma de penalizar é uma das justificativas para a reincidência.

Segundo a Sesp, na internação os menores são atendidos por equipe multidisciplinar com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais. Eles têm acesso a estudos, cursos profissionalizantes e atividades de esporte, saúde e cultura


Para cada apreendido por uso, cinco conduções pela venda

O número de jovens conduzidos por tráfico é cinco vezes maior do que a quantidade de menores detidos por consumo de drogas em BH. Nos três primeiros meses deste ano, 133 usuário[/TEXTO]s foram apreendidos. A prática é proibida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Segundo a juíza da Vara Infracional da Infância e Juventude de BH, Valéria Rodrigues, essa é uma questão de “interpretação”. Muitos meninos e meninas suspeitos de vender os entorpecentes são vistos pelo Judiciário como usuários.

Conforme a magistrada, não existe uma quantidade definida de droga para determinar o ato infracional. A lei aponta como traficantes aqueles que vendem, transportam ou guardam as substâncias para comercializá-las. “Se o menor é pego em atitude suspeita na boca, mas não for comprovada a comercialização, ele não pode pagar por tráfico”.

Trabalho ingrato

Os jovens envolvidos neste tipo de crime são vítimas de exploraç[/TEXTO]ão, dizem especialistas. A atividade está na lista das piores formas de trabalho infantil, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“O tráfico envolve uma longa cadeia como a lavagem de dinheiro, transporte em fronteiras e compra de armas. O adolescente está apenas na ponta do varejo. E a política de repressão se dirige justamente para eles, quando deveria se voltar para outros elos”, avalia a socióloga Ana Paula Galdeano. Ela coordenou a pesquisa “Tráfico de Drogas entre as Piores Formas de Trabalho Infantil”, feita pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

“A internação só acontece em último caso, depois que eles passaram por todas as outras medidas e essas não foram eficientes”
Valéria Rodrigues
Juíza da vara da infância de bh

Além Disso

Mesmo com o aumento da participação de menores no tráfico de drogas, especialistas em segurança pública não acreditam que a solução passe pela redução da maioridade penal. “Não adianta levar os meninos para presídios se não tivermos uma estrutura que garanta a recuperação deles. Lá, eles vão ter contato com criminosos e poderão se perder completamente”, afirma o ex-delegado Islande Batista, que chefiou o Departamento de Crimes Contra o Patrimônio em BH.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Penais (ICCRIM), Cristiano Maronna, a legalização das drogas seria uma saída. “A solução passa por uma mudança radical da política antidrogas. Ao invés de reprimir e proibir, passar a controlar e regular”, defende. Já a coordenadora da Pastoral do Menor, Eny Lauriano da Silva Araújo, acredita que a melhor saída seja dar opções de qualificação para os adolescentes em periferia.

Segundo a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), ações são realizadas para inserir os jovens no mercado de trabalho e dar alternativas para eles abandonarem os entorpecentes. O Programa Juventudes, por exemplo, busca dar autonomia e inclusão dos jovens moradores de áreas de risco social. Por meio do projeto Trampos, a pasta dá a eles acesso ao mercado de trabalho, além de possibilidades de profissionalização e empreendedorismo.

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