Desequilíbrio entre oferta e demanda por água pode representar aumento na conta

Ricardo Rodrigues, Sara Lira, Raquel Ramos e Ana Lúcia Gonçalves- Hoje em Dia
Publicado em 22/03/2015 às 08:18.Atualizado em 18/11/2021 às 06:26.
Equilibrar demanda e oferta de água potável é a equação a ser resolvida com urgência. Na avaliação de especialistas, a água não pode ser vista apenas como uma commodity industrial, sem que se pense na proteção dos mananciais.
 
Racionamento e sobretaxa anunciados pelo governo mineiro não são o caminho mais indicado e efetivo para solucionar a crise hídrica, diz a presidente da Fundação Biodiversitas, Glaucia Drummond. “A disponibilidade da água está diretamente relacionada à cobertura vegetal. Investir em tecnologias de tratamento apenas ameniza o problema”. 
Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária, Roberto Simões, a sobretaxa é uma forma de compensar a redução de receita das concessionárias, pressionadas a investir no controle de perdas e ligações clandestinas. Em Minas, as perdas chegam a 40% na distribuição da água tratada, volume não disponível ao consumidor que pagou por essa produção. 
 
Alto custo
 
A presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-MG), Célia Rennó, não considera a água para consumo doméstico um produto barato. “Para famílias de baixa renda, há casos de a conta de água chegar a 5% da renda, quando esse valor deveria ficar entre 1 e 2%”. Indústria, agronegócio e mineração são setores que pagam R$ 0,01 por litro”, segundo o Comitê de Bacia do Rio das Velhas.
A gestão participativa, prevista nas políticas Nacional e Estadual de Recursos Hídricos, completou 18 anos sem encontrar a maioridade. “Em Minas, a falta de um órgão eficiente para a gestão e a pouca capacidade de mobilização dos comitês de bacias permitem o descaso com a água e tornam mais evidente a degradação e a escassez”, afirma Célia.
 
Não é possível dividir a água entre diferentes usos humanos e esquecer que a natureza depende dela e que a proteção aos ecossistemas é fundamental para manter os recursos hídricos, diz Glaucia.
A sobretaxa pode afetar diretamente a indústria. Mas quem se antecipou à crise e investiu em inovação pode escapar desse custo extra na conta de água.
 
A produtora de celulose Cenibra, por exemplo, mantém a própria estação de tratamento de efluentes. Na fábrica de Belo Oriente, no Vale do Rio Doce, há duas estações de tratamento, com tanques capazes de reter 20 mil metros cúbicos de água. Os efluentes líquidos são separados e a água tratada encaminhada ao Rio Doce. 
No clube ou em casa, é possível economizar
 
A palavra de ordem é poupar água. E não faltam exemplos de cidadãos e empresas que, engajados nessa causa, lançam mão de ideias inteligentes e sustentáveis para reduzir o consumo hídrico.
 
No Pampulha Iate Clube, uma campanha em prol do uso racional é feita desde janeiro. “Em vez de mangueiras para lavar cadeiras e mesas, adquirimos caixas d’água que nos ajudam a dosar o consumo na faxina”, diz Eduardo Miranda, gerente do clube. A água suja das piscinas é retornável, logo após passar por um sistema de filtragem.
 
É também por meio de uma tecnologia que a empresa Cecrisa Revestimentos Cerâmicos consegue reaproveitar quase 100% de todo recurso utilizado nos processos industriais. “Temos procedimentos que chegam a gastar 6 milhões de água por mês. Por isso, temos todas as ferramentas para recolher a água, que passa por uma estação de tratamento, e volta a ser utilizada”, afirma Guilherme Ribeiro, analista ambiental da empresa.
É com orgulho que a empresária Natália de Almeida enumera todas as formas de poupar água que encontrou no Spazio Eco Vitta, no Buritis, para onde acabou de se mudar. “Temos hidrômetros individuais e caixa coletora de água da chuva”.
 
A construção civil também investe em projetos sustentáveis. A loteadora Gran Viver, por exemplo, seguiu essa linha ao inaugurar um residencial em Casa Branca, distrito de Brumadinho (RMBH). O desenho arquitetônico inclui um sistema de abastecimento de água da chuva. 
 
Desabastecimento: dura realidade para 2,6 milhões de mineiros 
 
Em pleno século 21, 13% da população mineira ainda não tem acesso a água potável, segundo a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. O percentual pode parecer tímido, mas representa 2,6 milhões de pessoas. Um evidente desrespeito ao critério de igualdade de acesso, proposto pela Organização das Nações Unidades (ONU).
 
Para Carlos Barreira Martinez, coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos da UFMG, os números refletem a omissão do poder público, que há anos negligencia o atendimento a quem mais precisa. 
 
“Temos condição técnica de levar o recurso para todos os cantos do Estado. Enquanto isso não for feito, milhares de pessoas continuarão morrendo”, diz. Além de uma série de problemas de saúde, como cólera e diarreia infecciosa, a falta de água tratada compromete o desenvolvimento de crianças, reduz a expectativa de vida e piora a qualidade de vida.
 
Sacrifício
 
Com a falta de chuva, o problema ganha maior abrangência em Minas. Para o aposentado Vicente da Costa, de 70 anos, a falta de água potável para o consumo, antes uma ameaça constante, tornou-se realidade no distrito de Nova Brasília, em Governador Valadares, Leste do Estado. 
 
Em busca de água para beber e cozinhar, ele percorre seis quilômetros até a uma mina, onde enche galões plásticos. “Ouvia falar e não acreditava, mas hoje água potável é um líquido precioso aqui em casa. Ninguém desperdiça”.
A casa do aposentado é abastecida pelo serviço público municipal, mas o cheiro, o gosto e o sabor ruins da água o forçaram a buscar outra fonte. A empresa disse que a água é segura para beber. 
 
Na agricultura, aposta em torno de novas tecnologias
 
De longe, a agricultura é o setor que mais demanda água. Uma média de 70% de todo o recurso captado de mananciais vai direto para as lavouras. Em tempo de crise hídrica, porém, o futuro do agronegócio mostra-se sombrio: há risco de queda na produção e de aumento nos preços dos alimentos.
 
O momento é propício a mudanças, afirma Roberto Simões, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária (Faemg). “Na história, saltos tecnológicos foram dados diante de uma situação de grande risco, e na agropecuária não será diferente”.
 
Ferramentas e práticas agrícolas capazes de reduzir o consumo de água em irrigações já existem. Como exemplos, Ana Paula Mello, coordenadora da assessoria de meio ambiente da Faemg, cita a agricultura de precisão – utilizada para medir os diferentes teores de umidade do solo –, e o sistema de irrigação por gotejamento. No entanto, reconhece que muitos ainda resistem a adotar as técnicas.
 
Exemplo
 
Não foi o caso do aposentado Miguel Dornelas, de 76 anos. Ele andava meio desanimado com a falta de chuva, que dizimou lavouras de mexerica e comprometeu a subsistência de dezenas de famílias no distrito de Serraria, em Periquito, no Leste do Estado. 
 
Além de puxar água da cisterna, era preciso molhar muda por muda manualmente. A rotina mudou quando implantou um sistema de irrigação por gotejamento com garrafas pet. “Para quem tem pouco, uma gota vale muito”, ensina. 
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