(Lucas Prates)
Uma década depois da conclusão das obras de duplicação da avenida Antônio Carlos, a paisagem da via começa a ter novamente os contornos do passado. Apesar da revitalização e criação de pista exclusiva para o Move, o corredor voltou a ser palco de vandalismo, acúmulo de lixo, aglomeração de dependentes químicos e inúmeras construções irregulares.
Aos poucos, o investimento de R$ 61 milhões feito pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em desapropriações e remoções na avenida vai se mostrando insuficiente. Em vários trechos da via, barracas improvisadas com madeira, plástico e papelão já estão montadas em encostas.
Em terrenos como o que pertencia à extinta empresa de ônibus Transoto, localizado em uma das alças do viaduto Moçambique, o número de construções é cada vez maior. A ocupação já foi mostrada pelo Hoje em Dia há um mês. Porém, desde então, nenhuma proposta para o reassentamento das famílias situadas no local foi feita pela PBH.
Pelo contrário, o espaço que antes só contava com uma construção de alvenaria agora tem quatro edificações de tijolos. Segundo os moradores, o local, batizado de “Vila da Paz”, já tem nove famílias. Em breve, esse número subirá para 14.
Uma das futuras residentes é a cozinheira Juliana Passos. Mãe de três filhos, ela corre contra o tempo para terminar a casa que, por ora, terá apenas um cômodo. Desempregada há oito meses e devendo três de aluguel, ela conta com a ajuda de familiares para sobreviver.
“O pai dos meus filhos parou de pagar a pensão e agora o caso está na Justiça. Enquanto isso, estou tentando me virar. Pagar aluguel desempregada não tem jeito. Tive que vir”, explica.
Lucas Prates
Barracas improvisadas com madeira, plástico e papelão estão montadas em encostas
Cientes da irregularidades das construções, os moradores esperam por algum posicionamento favorável do poder público sobre o terreno. O pedreiro Wagner dos Santos, que mora em uma barraca enquanto constrói a própria casa, afirma que nem os antigos donos da área nem a PBH deram parecer definitivo sobre o local.
“Isso aqui era uma área abandonada, cheia de mato, que servia inclusive para práticas de coisas erradas. Hoje está tudo limpo e só tem trabalhador aqui. Estamos apenas tentando um lugar para morar e sair do aluguel”, argumenta.
Conforme a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), 12 lotes às margens da Antônio Carlos foram desapropriados pela prefeitura. Em três deles foi feita a desapropriação integral e o restante parcialmente. Assim, as áreas remanescentes continuam sendo propriedades particulares.
Em nota, a PBH afirmou que todos os procedimentos adotados às desapropriações têm como prioridade respeitar a dignidade e a segurança dos envolvidos no processo.
“Além disso, os preceitos constitucionais e legais aplicáveis à desapropriação são seguidos à risca com o objetivo de respeitar os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos, inclusive com o prévio depósito da indenização arbitrada judicialmente ou do pagamento de indenização acordada”.
Notificações foram feitas na área e polícia diz que tem atuado para combater irregularidades
Não bastasse a multiplicação das moradias irregulares, a Antônio Carlos também está marcada por uma série de problemas. O lixo acumulado em diversos pontos da via, as pichações em estações de transferência do Move e a presença de centenas de usuários de crack, principalmente na região da Lagoinha, são alguns deles.
A PBH, por meio da Regional Nordeste, informou que o setor de fiscalização notificou, embargou as obras e aplicou multa por descumprimento do embargo nas construções da Vila da Paz. Segundo o órgão, a medida foi tomada uma vez que os responsáveis pelas edificações não apresentaram a documentação legal, como o projeto arquitetônico aprovado pela prefeitura.
Segundo o Executivo municipal, os proprietários do terreno já foram identificados e notificados para construírem um muro na área. Eles teriam alegado ao município que já ingressaram com ação judicial de reintegração de posse e aguardam o deferimento de liminar para efetivarem a desocupação e adoção de medidas que impeçam novas invasões.
“Dessa forma, a prefeitura esclarece que o poder de polícia da fiscalização é administrativo e que todas as medidas permitidas pela legislação estão sendo tomadas. O local está sendo acompanhado pela Fiscalização, em parceria com a Polícia Militar”.
Quanto às barracas de lonas erguidas em outros pontos, a PBH informou que trata-se de moradias sem características de habitação permanente, ocupadas por pessoas em situação de rua.
Polícia
Sobre o vandalismo, o major Flávio Santiago, chefe da Sala de Imprensa da PM, garante que todos os atos em flagrante são coibidos e que o patrulhamento é feito. No entanto, ele destaca a importância da participação da comunidade para denunciar os fatos. Sobre os usuários de droga, o oficial também diz que a corporação tem atuado.
“Não temos dúvida de que o usuário de crack também promove crimes. Em média, 3 mil usuários são conduzidos por ano. O uso não foi descriminalizado, mas despenalizado. O usuário vai ser detido, mas vai retornar. Esse é um caso de saúde pública. Uma série de ações conjuntas para melhorar as condições sociais dessas pessoas precisa ser feita”.
Carência de programas habitacionais
Para o urbanista Sérgio Myssior, a fragilidade do programa habitacional adotado pelo município é o primeiro grande motivo para que as construções irregulares voltem a crescer em locais como a Antônio Carlos. Ele destaca que, considerando o fluxo metropolitano de pessoas, a Grande BH tem um déficit habitacional de pelo menos 150 mil imóveis.
“O poder público poderia apostar em programas como o aluguel social, por exemplo. É uma forma de a pessoa ter uma habitação regular e, com isso, se distribuir melhor no tecido urbano. E não é apenas ter uma moradia, mas viver em um local adequado para essa moradia”, sugere Myssior.