Esquemas improvisados para reúso de água se multiplicam em BH

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
Publicado em 16/03/2015 às 07:17.Atualizado em 18/11/2021 às 06:21.

A ameaça de racionamento bate à porta dos moradores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que já colocam em prática diversos sistemas de reaproveitamento das águas da chuva, máquina de lavar ou do chuveiro. No entanto, sem lei que determine como instalá-los e tratar a água, as engenhocas utilizadas podem causar acidentes e aumentar os riscos de desenvolvimento do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e da febre chicungunha.

São vários os exemplos de pessoas que, por conta própria, estão buscando soluções para reduzir os gastos. Síndico do edifício Parque dos Bandeirantes, na Pampulha, o professor de educação física Wanderson Francisco de Faria, de 49 anos, gastou R$ 600 para aproveitar a água de três nascentes no terreno para lavar garagens, carros e irrigar o jardim. O sistema construído em agosto de 2014, no condomínio com 152 apartamentos, será ampliado.

Já Pedro Henrique Martins, de 19 anos, improvisou uma engenhoca para captar água da chuva, com uma máquina de lavar achada na rua. Instalou um tubo de PVC acoplado à uma garrafa pet cortada ao meio e revestida com pano para filtragem. Um motor bombeia a água usada nos sanitários e no quintal. O protótipo funciona há um mês e o microempresário vai melhorá-lo, para usar no lava a jato, montado em 2012.

Lei em estudo

Em situação hídrica crítica, São Paulo incluiu, este ano, no texto de revisão do Código de Obras e Edificações (COE), a obrigatoriedade do reúso da água de chuva para novas edificações com área construída superior a 1.500m². O texto final da proposta ainda não foi votado, mas a expectativa é que ele contenha as normas técnicas para guiar as construções.

Enquanto a legislação não é aprovada, um manual de orientação publicado pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo é a principal referência em sistemas de reúso.

Procura por edificações sustentáveis tem aumentado

Em tempo de mudanças climáticas, a pergunta “faz reúso de água e tem hidrômetro individual no apartamento?” é feita com frequência a corretores de Belo Horizonte e região, segundo profissionais do setor da construção.

“Usuários e empreendedores começam a exigir o sistema de reúso das águas da chuva, do chuveiro e do lavabo”, destaca o presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Sistemas Prediais (Abrasip-MG), Breno Assis de Oliveira.

Na opinião de dirigentes da entidade e do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consutiva em Minas Gerais (Sinaenco), BH deveria seguir o exemplo de cidades já preocupadas com a crise hídrica.

Segundo o diretor de fiscalização do CREA-MG, Marcos Gervásio, Curitiba, por exemplo, exige, desde 2003, projetos de captação e de reutilização de água da chuva nos empreendimentos. Para ele, em edificação nova, todos os sistemas devem ser adotados. “Diluído o valor, há ganho para o usuário e agrega valor ao imóvel”.

Dentre 17 construtoras consultadas pelo Hoje em Dia, apenas Caparaó e Conartes informaram sobre lançamentos prediais em 2013 e 2014 com sistema que permite a utilização de águas pluviais ou de reúso.

Licença de projetos com reaproveitamento pode ser acelerada

O vice-prefeito de Belo Horizonte, Délio Malheiros, quer evitar improvisos e propõe portaria para empreendimentos que economizem água na capital mineira. Esses teriam tramitação acelerada no processo de licenciamento para início da construção. Para especialistas, a proposta deve ser embasada por referências técnicas, visando uma padronização dos sistemas e redução do risco de acidentes.

Às vésperas da adoção formal de rodízio de água, a Câmara Municipal também tenta colocar, em primeira discussão, cinco propostas que podem incentivar a construção de moradias que consomem menos água. Uma delas prevê descontos no IPTU para quem optar pela construção de edifícios sustentáveis. “É difícil a Secretaria de Arrecadação aprovar essa ideia. A PBH está com o cofre vazio, com muita vontade de aumentar impostos e taxas”, afirma o diretor da Caixa Imobiliária, Kênio Pereira.

Conforme o especialista, não há ambiente para que o município imponha a legislação, pois o reúso de água é viável; de acordo com ele, só em empreendimentos de porte. “O ideal é dar incentivos para estimular essa prática”, considera.

Diretora do Sinaenco, Gizel da Machado lembra que a Sudecap já solicita dos novos empreendimentos estudo para implantação do sistema de reúso de água de chuva. “Os custos encarecem a obra, mas trazem benefícios”.

Segundo ela, é importante que os sistemas sigam normas técnicas, para serem projetados e executados por profissional habilitado, de forma a garantir as qualidades técnica, operacional e econômica aos mesmos.

Entrevista: Maria Cristina Valle

Belo Horizonte deve incluir o reúso de água como condição para aprovar novos empreendimentos?

Com certeza. Tem um projeto de lei para aprovação da Câmara sobre o reúso de água obrigatório nos edifícios. A Caparaó lançou imóveis com captação de água não só nos últimos dois anos, como em outros empreendimentos. Estamos em fase de experimentação por falta de lei específica.

O reaproveitamento de água encarece os imóveis?

Neste momento que estamos em crise, é preocupação estudar constantemente a possibilidade de reúso de água e captação da água da chuva, que tem o preço de execução reduzido se pensarmos nele desde o início. É essencial que este sistema seja feito por um especialista, engenheiro hidráulico. Estes profissionais seguem as normas técnicas da ABNT.

Imóveis com essas tecnologias são raridade?

Imóveis novos podem, facilmente, ter a caixa de captação de água da chuva, diferentemente do reúso de água, que deve ter uma infraestrutura prevista em projeto. Neste sistema, é necessário colocar duas prumadas de hidráulica, sendo uma para esgoto primário (das descargas) e a outra para o esgoto cinza (das pias e chuveiros). Em BH, as pessoas estão mais conscientes da importância de se reutilizar a água, desta forma estão valorizando os empreendimentos que têm o sistema de reúso. Entretanto, ter a reutilização não é determinante na venda das unidades, por isso ainda é raridade em muitos imóveis da cidade.

Falta norma para que as construtoras projetem imóveis com a preocupação do uso racional da água?

Sim. Mas esta conscientização e obrigatoriedade deve vir por parte dos compradores e futuros proprietários.

A crise hídrica chama a atenção dos consumidores?

As iniciativas são comuns em empreendimentos corporativos por conta das certificações energéticas propostas para este tipo de investimento. Um dos nossos lançamentos mais recentes terá reutilização da água de condensação do sistema de ar condicionado para irrigação. Mas a crise chama muita atenção para as residências, onde as ações de racionamento são mais palpáveis por parte do usuário.

O sistema é viável em qualquer condomínio?

Sim. A baixa oferta deve-se à falta de demanda e valorização desse tipo de recurso por parte dos usuários. Infelizmente, nem sempre o usuário está disposto a pagar mais para ter este sistema.
 

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