Estudo mostra impacto em filhos longe das mães encarceradas

Tatiana Lagôa e Malú Damázio
horizontes@hojeemdia.com.br
Publicado em 09/06/2017 às 21:19.Atualizado em 15/11/2021 às 09:01.

Amamentação garantida, possibilidade de indicar a guarda e manter o vínculo no cumprimento da pena no primeiro ano de vida da criança. O relacionamento entre mães encarceradas e filhos é preservado e assegurado em Minas Gerais. Mas, passado o período em que os pequenos podem ficar na prisão ao lado das mulheres, a realidade é, na maioria das vezes, de abandono e distanciamento. Em alguns casos, a adoção compulsória provoca impactos na vida das detentas e dos bebês.

Um estudo ainda em andamento da psicanalista Ilka Franco Ferrari, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), mostra que geralmente a figura materna na vida dos pequenos é “apagada” após a separação deles das mães que permanecem no cárcere. Além da tendência de distanciamento da genitora, Ilka Ferrari notou que os filhos tendem a sofrer com a falta de referencial do que é uma família. Alguns passam por vários tutores e sentem o baque do corte abrupto do vínculo com a mãe, até então a única figura de referência.

No Estado, gestantes e mães com crianças de até um ano são encaminhadas para o Centro de Referência à Gestante Privada da Liberdade, em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Nesse período, as detentas ficam responsáveis pela criação dos filhos em tempo integral.

À medida em que os meses passam, mãe e filho ficam cada vez mais próximos da separação. O processo é sofrido para ambos, “ainda que a mãe se sinta aliviada da responsabilidade e desejosa que a criança conheça um mundo diferente daquele”, segundo a pesquisadora. A mulher retorna ao presídio de origem e o bebê é encaminhado para a casa de um tutor, normalmente ligado à família.

“A prisão não é lugar de bebês. Mas a separação é muito dolorosa. Minha vida é chorar” (Mirian Cristina Borges Dias Rosa, detenta e mãe de Íngrid Vitória)

Apesar do vínculo intenso no primeiro ano de convivência, o processo de ruptura se mostra difícil de ser revertido. Na maior parte dos casos, as presas são vítimas de abandono por parte de companheiros, parentes e amigos. 

Para algumas crianças, a nova responsável legal passa a ocupar o espaço materno. “Em geral, há exclusão do sujeito de uma cadeia histórica que lhe pertence, dificultando a construção de uma história familiar. Nomear a própria mãe e o pai, e diferenciá-los dos guardiões, na maioria dos casos, pareceu ser bem difícil”, relata a pesquisadora.

Preparação

Pressentindo o quão sofrida pode ser essa separação, as mães tentam se preparar para o momento. Mas não é tão simples, como sentiu na pele Mirian Cristina Borges Dias Rosa, de 26 anos. Acusada de ter sido cúmplice do marido em um assalto, ela foi presa quando estava grávida da pequena Íngrid Vitória.

Quinze dias antes da menina completar 1 ano, a mãe não conseguia segurar as lágrimas. “Queria poder parar o tempo”, resume a detenta. Em 19 de abril, Íngrid foi morar com a avó e Mirian transferida do Centro de Referência à Gestante de Vespasiano para um presídio comum.

recebem poucas visitas das crianças

Longe do cárcere, poucos filhos mantêm o contato com as mães presas. As raras visitas a elas são feitas logo após a separação. Porém, a pesquisadora Ilka Franco Ferrari diz que existem casos em que os pequenos nem têm conhecimento de que a pessoa que os cria não é a genitora. 

Também é comum que as mães, ao deixarem a prisão por um tempo para ver os filhos, sejam tratadas como se tivessem outras relações de parentesco, como se fossem, por exemplo, tias. 

Nas situações em que o vínculo ainda é preservado, algumas crianças veem com naturalidade o ambiente da prisão – local em que passaram todo o primeiro ano de vida. Em uma das situações observadas por Ilka, duas filhas de uma detenta são criadas pela avó. Quando as meninas visitam a mãe, elas brincam de prisioneiras, andando com as mãos para trás. 

“Ela não queria as filhas lá. As meninas não aguentavam de saudade. Entramos com pedido de guarda para levá-las (presídio), mas é um sofrimento danado”  (Eliane Valério de Paula Rafael, mãe da presa Thaís Stefani e tutora das netas de 5 e 12 anos)

A pesquisadora ainda conta que há tutores que escondem a realidade do cárcere. “Um pai, por exemplo, diz ao filho que a mãe está viajando. Quando chegam a prisão, ele fala que ali é a rodoviária”.

Empecilho

A burocracia para que o tutor consiga, legalmente, a custódia da criança também pode ser um impedimento para a continuidade da relação entre mãe e filho.

Para que os pequenos visitem o presídio, é preciso um guardião instituído judicialmente. Porém, segundo a defensora pública Ana Paula Carvalho Starling Braga, muitos meninos e meninas passam a morar com parentes sem que, necessariamente, a Justiça seja acionada para garantir a mudança da guarda legal.
As exigências são empecilhos para que mães e filhos se encontrem. “A mulher presa está impedida de exercer o poder familiar. O novo responsável precisa pedir a guarda provisória, mas muitas vezes, por falta de informação, o tutor acaba se enrolando em tanta burocracia e a criança fica sem ver a mãe”, afirma a defensora.

Relacionamento interrompido afeta a vida dos pequenos

O corte do laço entre mães e filhos pode deixar marcas profundas na vida e identidade das crianças. Pelo menos é o que estão concluindo os defensores públicos de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a frente do projeto “Cuidado Além das Grades”. A iniciativa, criada há dois meses, busca rastrear as condições em que se encontram os filhos de detentas da cidade.

Em parceria com assistentes sociais, os defensores visitam as crianças. As conclusões preliminares são que aquelas em contato constante com as mães tendem a sofrer menos impactos. Já as que cortam vínculos podem ter histórias mais tristes. 

“Há crianças que acabam se rebelando e enveredando no mundo do crime, drogas e prostituição, repetindo a história das mães”, afirma uma das idealizadoras do projeto, a defensora pública Bárbara Silveira Machado Bissochi. 

Participantes da iniciativa, as filhas da detenta Thaís Stefani, de 5 e 12 anos, moram com a avó materna, Eliane de Paula. Segundo a responsável, a ausência da mãe fez com que as meninas ficassem retraídas e tivessem piora no desempenho escolar.

Ruptura irreversível

A acolhida por parentes próximos está longe de ser regra. Caso isso não ocorra, leva a uma ruptura irreversível do vínculo entre a mãe e o filho. Quando há dificuldade para encontrar um responsável em condições de ser o guardião, o bebê é encaminhado para um abrigo e, em último caso, adotado. A medida, entretanto, corta completamente a relação com a família de origem. “Se o processo de adoção for finalizado, não há mais volta. Ele muda, inclusive, a filiação na certidão de nascimento”, reforça a psicanalista Ilka Franco Ferrari.

Psicóloga judicial do Tribunal de Justiça de Vespasiano, Adriana Dania Nogueira explica que, antes da saída da criança do convívio da mãe, é feita uma investigação na vida das pessoas indicadas por ela para cuidar do bebê. A guarda é avaliada por um juiz. Deferido ou não, o processo pode ser demorado.

Em nota, a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) informou que o próprio Centro de Referência à Gestante encaminha à Justiça a documentação necessária. O possível guardião, escolhido pela detenta, passa a visitar a criança no presídio para criar vínculos. As mães são acompanhadas por psicólogos. Além disso, a Seap disse que o tutor precisa ter atestado de bons antecedentes emitidos pelas polícias Civil e Federal.

Mães encarceradas

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