Saber dos pescadores pode oferecer insights sobre tópicos como mudanças climáticas e impactos ambientais, muitas vezes fora do alcance dos estudos convencionais
pescadores artesanais, por exemplo, são responsáveis por 70% dos pescados que chegam à mesa dos brasileiros, (Freepik)
Um estudo publicado na revista “Trends in Ecology & Evolution”, com a participação do professor e pesquisador do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação da Universidade Federal de Lavras (Ictin-UFLA) Gustavo Hallwass, lançou luz sobre a importância do conhecimento multidimensional dos pescadores na ciência pesqueira e aquática.
A pesquisa, que contou com a participação de pesquisadores de outras universidades brasileiras, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e de países como Estados Unidos e Canadá, ressalta o papel vital dos pescadores artesanais de pequena escala na segurança alimentar e bem-estar global, especialmente em regiões subdesenvolvidas.
A pesquisa analisou 179 publicações, selecionando 156 exemplos de estudos sobre o conhecimento de pescadores locais e indígenas em relação a uma grande diversidade de organismos e diferentes ecossistemas aquáticos. Hallwass destaca que os resultados demonstram que o conhecimento dos pescadores pode oferecer insights únicos sobre uma variedade de tópicos, como mudanças climáticas, impactos ambientais e a dinâmica da pesca, que muitas vezes estão fora do alcance dos estudos científicos convencionais.
“O estudo também apontou para a convergência entre os métodos de registro de conhecimento dos pescadores e os métodos tradicionais de coleta de dados biológicos, sugerindo que ambos devem ser usados de forma complementar. Além disso, argumenta-se que o conhecimento não só dos pescadores ribeirinhos ou indígenas, mas também de populações tradicionais, deve ser reconhecido, valorizado e aplicado em pesquisa científica, manejo e conservação de recursos naturais, bem como em processos de tomada de decisão”, ressaltou o professor.
LEGADO INDÍGENA
A pesquisa reforça que o conhecimento indígena e local dos pescadores tem contribuições multidimensionais para a ciência da pesca e dos ecossistemas aquáticos, desde a gestão e conservação até a ecologia e avaliação de impactos ambientais. No entanto, os desafios persistem em sustentar e valorizar este conhecimento e incluir os detentores de conhecimento indígena e local dos pescadores (ILK - Indigenous and local knowledge) na gestão de recursos e na tomada de decisões.
“A integração do ILK com a ciência moderna tem potencial para enriquecer a compreensão dos ecossistemas aquáticos e da pesca de pequena escala. Exemplos incluem o uso de sistemas de informação geográfica para mapear recursos pesqueiros e análises de isótopos estáveis para estudar as dietas dos peixes. No entanto, o reconhecimento e a integração do ILK em programas formais de gestão e conservação ainda enfrentam barreiras significativas, incluindo resistência política e burocrática. Além disso, é crucial abordar as questões éticas relacionadas à propriedade e uso do conhecimento indígena e local dos pescadores”, explica Gustavo Hallwass.
“Desta forma, a pesquisa colaborativa com pescadores pode ser um caminho para uma abordagem de gestão mais inclusiva e eficaz, valorizando o conhecimento tradicional como um componente vital da ciência e da gestão ambiental”, diz.
Ele destaca ainda que a pesquisa traz novos insights científicos e potencialmente impulsiona inovações e tecnologias. “Este estudo é de relevância significativa para o Brasil e o mundo, demonstrando a importância de considerar o conhecimento de populações tradicionais, rurais e ribeirinhas na gestão e conservação de recursos naturais e na tomada de decisões, contribuindo assim para um futuro mais sustentável e inclusivo”, afirma o professor.
O estudo “Fishers’ multidimensional knowledge advances fisheries and aquatic science (O conhecimento multidimensional de Pescadores leva a avanços nas ciências pesqueira e aquática”, publicado na revista “Trends in Ecology & Evolution” pode ser acessado neste link: https://doi.org/10.1016/j.tree.2022.10.002
* Texto de Alana Freitas, do Portal da Ciência da Ufla
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