(Carlos Henrique )
Moradores de Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte, reclamam da falta de diálogo sobre a definição do que será implantado no Mercado Distrital do bairro. Já são quase oito anos de indefinição sobre o uso do espaço, que recentemente foi cogitado para abrigar um centro de referência da cultura negra. Segundo eles, desde 2007, quando o local foi desativado, a população nunca foi ouvida. A área, de mais de 10 mil metros quadrados, já abrigou tradicionais feiras e dois supermercados. Até o mês passado, era dada como certa a instalação de uma escola técnica, mas a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) desistiu do negócio justamente pela falta de apoio da comunidade. A população também rejeitou a criação de uma nova sede para a Guarda Municipal. Um concurso chegou a ser feito em 2008, com três projetos, entre eles a criação de uma escola de gastronomia, mas também não houve acordo. Abandono Atualmente, o mercado está coberto de mato, sujo e completamente abandonado. Em vários pontos, há pichações nas paredes, e a vegetação já tomou conta da quadra de esportes. Mais de 60 vagas de estacionamento seguem inutilizadas. Alguns moradores denunciam a entrada de usuários de drogas, que só não ocupam a área devido à presença de um vigia terceirizado pela prefeitura. Participante do Movimento Salve Santa Tereza, a arquiteta Danielle Jorge reclama da forma como os projetos são apresentados aos moradores. “A gente sempre fica sabendo por meio da mídia”, afirmou. Ela destaca que, há mais de um ano, o movimento tenta aprovar o projeto Mercado Vivo + Verde. A proposta pretende reativar as feiras livres e ainda transformar o estacionamento em uma praça aberta. Ainda estão previstas áreas para apresentações e exposições culturais, restaurantes, cafés, serviços e área para a realização de cursos. “O projeto foi votado na Câmara, mas não passou. O que a gente sempre quis é que a prefeitura abrisse um espaço de debate para mostrar essa demanda e ver a melhor forma de uso, mas isso nunca foi feito”, disse Danielle. O presidente da Associação Comunitária do bairro, João Bosco Alves Queiroz, também fez criticas. “Não somos a favor nem contra ao que foi proposto, mas achamos muito estranho não termos sido consultados. A comunidade precisa ser ouvida”, afirmou. A associação também apoia a proposta do movimento Salve Santa Tereza. Outra ideia é a apresentada pelo presidente da Associação dos Amigos do Bairro Santa Tereza, Luiz Góes. Para ele, uma alternativa seria a transferência da sede da administração regional Leste para o local. Hoje ela funciona no bairro Floresta com custo de R$ 105 mil, por mês, ao município. “É uma região que está jogada. À noite é perigoso. Com a regional haverá movimento diário. Podiam colocar também um posto da guarda para dar mais segurança à região”, disse. A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou, em nota, que não existe nada definido para o Mercado de Santa Tereza e que não recebeu, formalmente, outro projeto para o local. Sobre a falta de diálogo questionada pelos moradores, a PBH diz realizar reuniões com a comunidade e que, em um momento adequado, a criação do centro será debatida. Centro de referência em prol da cultura negra foi um pedido da ONG Casa África A proposta de transformar o Mercado Distrital em um centro de referência da cultura negra poderá beneficiar toda a população do Estado, segundo o cônsul honorário do Senegal em BH, Ibrahima Gaye. Ele esclareceu que, diferentemente do que foi anunciado pela prefeitura, a ideia partiu da Casa África, ONG que promove a cultura africana. Essa seria, inclusive, uma necessidade antiga das comunidades afro-brasileiras e africanas. “Essa é uma demanda mais ampla da cidade de Belo Horizonte. Ter o centro de referência é uma questão obrigatória para entender melhor o Brasil”, afirmou. Segundo o cônsul, o local será um espaço para a produção material e simbólica das matrizes culturais africanas, divulgando as tradições e todas as formas de manifestação. Na semana passada, organizações culturais afro-brasileiras e artistas do movimento negro divulgaram uma nota sobre a proposta do centro. “Poderá subsidiar a elaboração de políticas públicas e de apoio à produção cultural de Belo Horizonte para produzir conhecimento, aprimorar recursos humanos públicos e privados e, consequentemente, ampliar o diálogo democrático”, diz a nota assinada por várias entidades ligadas ao movimento negro, entre elas a Coordenação Nacional das Entidade Negras (Conen). Debate O coordenador do Conen, Marcos Cardoso, reforça a necessidade de um diálogo com a população. “Ainda depende da vontade do poder público e de conversas com a comunidade do Santa Tereza, pois aquele espaço tem uma série de conflitos. Precisamos estabelecer um debate com a sociedade e o movimento artístico”. Outras demandas dos moradores, como a volta das feiras, podem ser negociadas, acrescenta Cardoso. Essa ideia também é defendida pela pesquisadora e presidente de honra do Instituto Cultural Casarão das Artes, Rosália Diogo. “O nosso entendimento é por essa composição. Atender aos interesses da comunidade local e do centro de referência”. A subsecretária de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, Cleide Hilda de Lima Souza, também destaca a necessidade de diálogo com os moradores do bairro. “É uma proposta interessante, mas que precisa de uma discussão para uma ocupação mais democrática”. Formato original abrigou feiras e dois supermercados até o fim dos anos 80 Inaugurado em 1974, o mercado funcionou de forma plena até o fim dos anos 80, quando havia feiras diárias, com variedade de frutas, verduras e hortaliças. Nívea Arcanjo, de 82 anos, moradora do bairro há quase seis décadas, lembra-se dos primeiros anos de fundação. “Era excelente. Tinha de tudo e podíamos participar das aulas de ginástica na quadra”, afirmou. A amiga dela, a moradora Regina Grácia Silva, de 60 anos, reclama que agora precisa ir até o bairro Floresta para fazer compras. “Antes, existiam dois supermercados, além das feiras”. Regina recorda que, quando o movimento começou a cair, foram realizados vários festivais, como o da cachaça, para atrair o público. Para Cleia Lúcia de Melo Valadares, de 63 anos, o importante é voltar o formato original e mesclar outros tipos de comércio. “Precisamos de um bom supermercado, de uma farmácia e, todo dia, deveria ter feira”. A ideia é compartilhada por Nídia Gonzaga de Paula, de 74 anos. “Nosso bairro não comporta escola. Também não entendo o porquê de uma casa da África. Eles precisam é voltar com o mercado, que era bem melhor para a gente”, disse uma das primeiras moradoras da região. Dalva Lisboa, de 75 anos, mora próximo ao fundo do mercado. Ela reclama que à noite a rua fica escura e erma, principalmente por causa do estado de abandono do espaço. “Antigamente, a estrutura era a mesma, mas era bem mais cuidada. Todos aqui querem o mercado de volta”. Com o fechamento, os feirantes que vendiam no mercado passaram a oferecer os produtos na praça do bairro nos fins de semana.