(Maurício Vieira)
Na casa da administradora Glenda Versiani, de 40 anos, a árvore de Natal já está montada. Todo ano, ela, os filhos e o marido enfeitam a residência do bairro Buritis, região Oeste de Belo Horizonte, não só para celebrar a data, mas também comemorar a chegada de um novo membro da família. Há quase duas décadas, eles apadrinham jovens que vivem em abrigos da capital durante as festas de fim de ano.
No lar temporário, o afilhado ganha um quarto e, o mais importante, carinho e afeto de sobra. A família de Glenda participa da campanha de apadrinhamento de Natal do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) desde que a iniciativa foi lançada, há 18 anos.
No projeto, voluntários compartilham datas festivas e fins de semana com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Neste ano, o cadastramento para o Natal termina em 30 de novembro. “Muitas vezes, esses meninos ficam sozinhos, então o apadrinhamento os ajuda a ver pessoas diferentes e conviver em sociedade”, conta Glenda Versiani. Ela e os parentes não fazem distinção de sexo, idade ou procedência dos menores. Até hoje, 15 jovens, de 4 a 17 anos, já foram apadrinhados.
Em 2017, a campanha do Cevam visa principalmente adolescentes, que não recebem tantas oportunidades quanto as crianças, segundo o presidente do órgão, o advogado Ananias Neves Ferreira. A ideia, segundo ele, é que o encontro de Natal abra as portas para uma relação permanente entre padrinhos e afilhados.
“O apadrinhamento dá um norte à vida desses jovens, que passam a se sentir pertencentes a algum lugar. Eles podem compartilhar o desenvolvimento moral e afetivo com essa família de referência”, acrescenta a psicóloga Andréia Emílio dos Santos, que trabalha com menores em situação de vulnerabilidade.
Corrente do bem
Após anos pegando cartinhas de Natal escritas por crianças na campanha dos Correios, a engenheira mecânica Mayra Diniz Arrieta, de 27 anos, e o marido Felipe Raul Arrieta, de 47, decidiram ampliar a solidariedade. Essa será a primeira vez que o casal receberá um jovem que vive em um abrigo na residência deles. “Apesar de gostarmos de comprar os presentes, nós nunca víamos a reação das crianças”, conta.
Mayra soube da possibilidade de acolhimento ao conversar com a amiga Nayara Dias Andrade, de 28 anos, que apadrinhou, em 2014, o pequeno Rafael Oliveira, que tinha só 4 anos na época. Meses depois, o garoto e o irmão foram adotados e se mudaram para outro Estado. No entanto, a relação só ficou mais forte com a distância. Nayara foi convidada para ser madrinha de batismo do garoto e, desde então, o visita todos os anos.
“Passei o último Ré-veillon com a família nova dele. Nós invertemos a relação. Acredito que esse amor é bastante representativo para essas crianças. O pouco que doamos significa muito”, lembra Nayara.Flávio Tavares / N/A
Nayara acolheu um garoto em 2014 e, desde então, mantém os laços unidos
Acolhidos relatam experiências e sonham com um futuro melhor
Pela primeira vez, Maria Clara* passará o Natal com os novos pais. Aos 17, a órfã está concluindo um processo de adoção. Ela é uma das moradoras do abrigo Casa Esperança I, no bairro Alípio de Melo, região Noroeste, que aceita meninas entre 12 e 17 anos.
Há três anos, Maria Clara é apadrinhada por uma voluntária. Quando passou o primeiro Natal com a madrinha, chorou na hora de voltar para o abrigo. “Fiquei triste porque foi tão bonito estar com uma família”, conta.
Bárbara Martins*, de 16 anos, também vive na Casa Esperança I. Ela dança balé, hip hop, faz aulas de teatro e gosta de fotografia. Bastante comunicativa, a jovem sonha em estudar artes cênicas em uma universidade pública e se tornar atriz.
Em 2013, a vida dela ganhou novas cores após ser apadrinhada. Desde então, datas comemorativas são mais divertidas. “Sempre saímos e passeamos. Sei que tenho com quem contar quando preciso. Faz uma diferença enorme ter pessoas próximas de mim”, conta Bárbara Martins.
Último Caso
Apesar de todos os benefícios, o apadrinhamento só acontece em um último caso. Uma criança só participa do processo quando não tem parentes para se relacionar.
“Priorizamos fortalecer e trabalhar os vínculos familiares. Só recorremos aos padrinhos em situações nas quais realmente não há como inseri-los na própria família”, explica a assistente social Ângela Amerícia Leite, que trabalha com adolescentes abrigadas na cidade.
Psicólogo e especialista em análise do comportamento, Fabiano Loureiro trabalha há 15 anos com esse público. Ele afirma que o apadrinhamento funciona como uma alternativa às famílias que abandonaram, violentaram ou negligenciaram os direitos das crianças.
Conforme Fabiano Loureiro, a família é o primeiro espaço de convivência. “É onde a criança aprende e vai incorporar valores éticos, onde há a vivência afetiva, se cria o juízo de valores e as expectativas”, diz.
*Nomes fictíciosEditoria de Arte / N/A