Filhos em busca do nome do pai: quase 300 mil crianças mineiras têm certidão incompleta

Ana Júlia Goulart
agoulart@hojeemdia.com.br
Publicado em 11/10/2017 às 20:51.Atualizado em 02/11/2021 às 23:11.

Um compromisso de trabalho fez o porteiro George Almiro Silva, de 42 anos, não garantir um dos principais direitos do filho: o registro. Isaac Gabriel Silva, de 9, nasceu enquanto o pai trabalhava fora da cidade e por esse contratempo apenas a mãe foi incluída no documento. O menino que estuda na Escola Municipal Lúcia Viana Paiva, no bairro Baronesa, em Santa Luzia, na Grande BH, faz parte de uma lista extensa: cerca de 291 mil alunos das redes públicas de ensino do Estado não têm o nome do pai na certidão de nascimento. 

Os dados são de 2016 e fazem parte do censo escolar realizado pelo Ministério da Educação. Na municipal são quase 100 mil crianças e adolescentes; na estadual, 200 mil. A ausência do nome da mãe é mais raro, mas também acontece. De acordo com o mesmo estudo, quase 5 mil certidões de alunos de todas as redes – municipal, estadual, federal e particular – não possuem a filiação materna.

Para facilitar esse registro, a Defensoria Pública de Minas Gerais promove, em 27 de outubro, mais um mutirão ‘Direito a Ter Pai’. George e Isaac irão participar desta edição. O desejo veio da própria criança, que começou a demonstrar uma certa insatisfação com a história. “Por que não tenho o seu nome, pai?”, questionou o garoto.

Especial

Para pai e filho, a proximidade com o Dia das Crianças torna o momento ainda mais especial. “Será mais um presente para ele”, garante o porteiro. O menino está ansioso e não vê a hora de preencher o vazio da certidão. Poucos pais têm noção dos prejuízos que isso causa. 

George foi deixando passar o momento por causa da burocracia, mas os problemas foram aparecendo. “Tudo dele tem que ser a mãe. Um médico, problemas na escola, tudo. Como não tenho o nome na certidão, ninguém me reconhece como pai”, afirma.

Legislação

O registro é um direito firmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei assegura questões burocráticas com relação à pensão alimentícia e herança, por exemplo, mas pode oferecer algo a mais: a construção de vínculos. O pequeno João Pedro, de 6 anos, conseguiu se aproximar do pai depois do registro. O mutirão foi o primeiro contato dos dois. “Eles conversaram no dia, já começou uma certa relação e hoje eles têm um contato mais próximo”, afirma Bianca Alves Novaes, mãe da criança. 

“Em muitos casos, pais e filhos vão ter o primeiro contato durante o registro no mutirão. E, nesse momento, muitos que fariam o teste de DNA, por exemplo, passam a reconhecer espontaneamente o filho. Essa construção e esse resgate está entre os principais objetivos do programa”, afirma a defensora pública Michelle Lopes Mascarenhas Glaeser.

Mais de 38 mil pessoas já foram atendidas 

O mutirão ‘Direito a Ter Pai’ é realizado em Minas Gerais desde 2011. Só em Belo Horizonte, cerca de 7 mil pessoas já conseguiram o registro do nome da mãe ou do pai na certidão de nascimento por causa da iniciativa. Em todo o Estado, o número chega a 38 mil. 

Em 2017, a ação será realizada na capital e em mais 38 cidades mineiras. Para se inscrever, é necessário comparecer à sede da Defensoria Pública. É preciso apresentar a certidão de nascimento (em caso de menor), carteira de identidade e CPF (em caso de maiores de 16 anos), endereço completo da mãe, nome e endereço completo do suposto pai. 

O mutirão será realizado em 27 de outubro. Neste dia, pais, mães e filhos que farão exames de DNA (para aqueles que têm dúvidas sobre a paternidade) e os reconhecimentos espontâneos (quando os pais já atestam a ligação com os filhos).

Vitória

Nathaly Mendes, de 2 anos, ainda não entende, mas em 2016 ela alcançou essa conquista: o nome do pai na certidão de nascimento. Jozimar Eliza Mendes, mãe da criança, estava perdendo o sono por causa do problema. “Agora parece não fazer muita diferença, mas eu já estava pensando na fase da escola. Os coleguinhas comentando que ela não tinha o nome do pai no documento. Seria muito ruim”, desabafa a mãe. 

Foi com o mutirão do ‘Direito a Ter Pai’, promovido pela Defensoria Pública do Estado em parceria com o Tribunal de Justiça, que Nathaly conseguiu a filiação.

resgata a história de vida

A ausência do nome do pai ou da mãe na certidão de nascimento pode ser prejudicial à criança. “A filiação no papel faz toda a diferença, não apenas em questão de herança ou pensão. Se não tem o nome de um deles, está faltando a outra parte da vida da pessoa”, afirma a juíza Maria Luiza Rangel Pires.

Titular do Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP) da Vara de Registro Público, do Tribunal de Justiça mineiro, ela afirma que incluir a filiação no documento do recém-nascido resgata a história de vida da criança. “À medida que ela vai crescendo, quer saber quem são os avós, sua família. Quer saber suas origens”, frisa.

O CRP surgiu em 2011 a partir de uma proposta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fez um censo nas escolas públicas brasileiras para identificar quantos alunos não tinham o nome do pai no registro. Em BH foram constatados cerca de 45 mil crianças e adolescentes. Por ano, de acordo com a juíza Maria Luiza, são atendidas cerca de 2,5 mil pessoas, seja a mãe em busca do reconhecimento da filiação do filho ou o pai que declara a filiação espontaneamente.

Além disso, o registro da certidão de nascimento em que não é informado o nome do pai é obrigatoriamente comunicado a um juiz. A mãe é notificada a ir até o CRP, onde pode declarar o suposto pai. “Caso ela não queira, por motivos quaisquer, fazemos um trabalho com equipe multidisciplinar para explicá-la a importância de a criança ter a filiação paterna no documento”, explica a magistrada.

(Colaborou Renata Galdino)

Mutirão Direito Ter Pai
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