O ambiente recessivo que reduziu o poder de consumo das famílias em 2015 e levou o Produto Interno Bruto (PIB) para o buraco não foi capaz de espantar o fantasma da inflação. Pelo contrário, a sensação de que o dinheiro está comprando cada vez menos cresceu ao longo dos meses e, em dezembro, voltou aos patamares de 2003.
Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead) apontam que, em Belo Horizonte, os custos com empregados domésticos, impostos e refeições fora de casa lideram a lista de itens que contribuíram para a expansão do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2015.
A principal razão, segundo especialistas, foi a alta de preços registrada mês a mês em diferentes setores da economia, o que contribuiu para o acumulado de 10,48% nos 12 meses.
Em janeiro, por exemplo, as mensalidades escolares aumentaram em cerca de 15% na capital.
Até o mês de março, a energia elétrica acumulou alta de 38%. O preço médio do condomínio subiu 20,1%. A gasolina comum, chegou a aumentar 21,04%. As passagens de ônibus – que podem ser reajustadas novamente este ano – subiram 18,4% em Belo Horizonte.
“Observamos ao longo do ano que cada mês que teve um vilão, com recordes naquele período. O consumidor sente principalmente quando se fala em água e luz porque isso impacta tanto os custos das famílias quanto dos empresários, que tendem a repassar tudo para o preço final”, explica a coordenadora do Setor de Pesquisas do Ipead, Thaize Vieira Martins Moreira.
Desconfiança
As dúvidas sobre a condução da política monetária adotada pelo governo também contribuem para criar insegurança no mercado e, por consequência, elevar a inflação.
A taxa básica de juros (Selic) sofreu aumentos consecutivos e, hoje, apesar de estar no maior nível dos últimos nove anos (14,25%), não tem conseguido reduzir a inflação.
Para o professor de economia do Ibmec Reginaldo Nogueira, o governo errou ao segurar os preços de itens controlados por muito tempo e hoje, a desconfiança do mercado sobre o comportamento da economia torna a redução da inflação mais complexa.
Reputação
“O governo tinha expectativa de que os preços livres caíssem nesse contexto de recessão, o que faria com que o IPCA também começasse a cair. Porém, a reputação do Banco Central como defensor da moeda foi perdida nos últimos anos e os agentes do mercado não acreditam mais em um esforço conjunto do governo para reduzir a inflação”, avalia.
Para Nogueira, o atual contexto acaba gerando a chamada inflação por inércia, que acontece quando os preços em elevação impulsionam outros preços a subirem também.
“Hoje o empresário vê os custos aumentando e acredita que nenhum dos concorrentes vai abaixar preços. Ou seja, estão todos repassando custos porque não têm expectativas de que o Banco Central vá atuar para que a inflação caia”, completa.
Aplicações são alternativa para driblar a desvalorização
A inflação prejudica toda a população, mas, nesse contexto, os pobres são os que sentem os efeitos negativos de forma mais intensa. Naturalmente, com o crescimento generalizado dos preços, diminui a variedade de bens que esse grupo pode adquirir.
Porém, esse cenário também pode ser explicado pela falta de instrumentos dos mais pobres para fugir da inflação.
De acordo com o professor de economia da PUC Minas Ário Maro de Andrade, as aplicações financeiras são a saída mais comum para driblar a perda de poder de compra da moeda, porém só estão ao alcance da parcela da população que possui reservas disponíveis.
“Os mais abastados podem ainda investir em ações na Bolsa, mas são a minoria. Se a inflação se firmar na casa dos dois dígitos, algumas conquistas sociais dos últimos anos certamente serão perdidas”, explica Andrade.
Política
O contexto político conturbado é outro elemento que tem ajudado na disparada inflacionária. Sem saber ao certo quem vencerá a batalha disputada entre o governo e a oposição na Câmara dos Deputados, o mercado pode tender a continuar elevando preços para evitar possíveis perdas.
“A inflação de agora não é por causa de excesso monetário ou demanda elevada. Mas sim por causa das expectativas. Estamos em um ambiente econômico contaminado pelo ambiente político, o que amplia a crise na economia e, por sua vez, amplia a crise política. É como cachorro mordendo o próprio rabo”, completa Andrade.
Apesar do ciclo vicioso, um consenso entre especialistas é que não há indícios de que o país voltará a viver a hiperinflação da década de 1990. Desde a estabilização da moeda, a capacidade do Brasil de controlar o índice se tornou maior.
O que todos defendem é que, em um curto prazo, o ajuste fiscal precisa ser realizado. Nesse contexto, o corte de gastos do governo será indispensável para convencer o mercado de que o Banco Central é capaz de recuperar o controle da inflação.
OLHO: “O processo de desinflação será lento. Vamos sair da casa dos 10% em 2015 para chegarmos à casa dos 5% somente no final de 2017. Nesse intervalo, estamos diante do risco de um segundo rebaixamento das agências de risco. Além disso, caminhamos para 2016 sem uma LDO aprovada. Tudo isso coloca mais insegurança no mercado” (Reginaldo Nogueira - Professor de economia do Ibmec)