Uma multinacional de origem japonesa que atua no segmento industrial foi condenada a pagar indenização por danos morais a uma empregada que passou a ser enquadrada como PCD (pessoa com deficiência) para que a empresa pudesse cumprir as cotas legais de contratação de reabilitados ou pessoas com deficiência.
Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG), foi apurado que o procedimento não contou com o consentimento da trabalhadora, baseando-se, principalmente em sua baixa escolaridade como fator caracterizador de deficiência intelectual. Para os julgadores, a conduta da empregadora causou dano moral passível de reparação. Por esse motivo, acompanhando o voto do desembargador José Murilo de Morais, relator, o colegiado manteve a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de João Monlevade, apenas reduzindo o valor da indenização para R$ 10 mil.
"No caso, ficou demonstrado que a trabalhadora foi contratada em processo de seleção comum, sem qualquer referência de vaga de trabalho para pessoa com deficiência. Trabalhou assim por anos até que, em 2018, a empregadora decidiu “reclassificá-la” como “deficiente intelectual”. Tudo para dar cumprimento à Lei nº 8.213/1991, que obriga empresas com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. Pela lei, é considerada PCD a pessoa que possui deficiências visual, auditiva, física, intelectual ou múltiplas", detalhou o TRT-MG.
No recurso, a ré sustentou que o enquadramento como PCD teria sido explicado de forma clara e completa para a empregada, sendo posteriormente assinado o "laudo caracterizador de deficiência", sem qualquer contestação ou resistência. Por sua vez, a trabalhadora alegou que tomou conhecimento desse documento apenas no início de 2023, não tendo respondido ao laudo, nem sido examinada pelo médico da empresa.
Conforme o TRT-MG, a perícia médica determinada no processo constatou que “a reclamante não preenche critérios para deficiência mental e tampouco física”. Segundo o perito, trata-se de pessoa com baixa escolaridade, o que não se confunde com deficiência intelectual. “A reclamante tem histórico de funcionamento normal ao longo da vida. Decidiu parar de estudar precocemente para trabalhar. Constituiu família. Criou filhos. Movimenta conta bancária sem auxílio.”, apontou no laudo. A conclusão foi a seguinte: “clinicamente está apta para o trabalho e para as atividades da vida diária. Está igualmente apta para exercer pessoalmente os atos da vida civil”.
Fiscalizações constantes
Testemunha ouvida explicou que “a empresa passava por fiscalizações, e precisava ter a cota de PCD completa”. Segundo o relato, “o médico da empresa disse que era possível fazer uma reclassificação de certos empregados, após devido exame, a fim de que fossem reclassificados como PCD”. A empregadora, então, “selecionou 20 empregados que entendia ter dificuldades de aprendizado e escolaridade baixa e os mandou para a perícia”. Desses, “15 foram reclassificados como PCD”. A testemunha afirmou ainda que, “entre os reclassificados, não havia ninguém que tivesse escolaridade mais alta ou ocupasse cargos maiores, apenas os auxiliares de produção e serviços gerais”.
Para o relator, o dano moral ficou plenamente caracterizado. Na decisão, foi citado trecho da sentença em que o juiz de primeiro grau chamou a atenção para a peculiaridade do caso: “Pela primeira vez este juiz viu uma perícia em que a trabalhadora defende sua absoluta sanidade, e a empregadora, o contrário”. O julgador sentenciante entendeu que, do ponto de vista jurídico, não haveria problema na reclassificação, desde que fosse baseada na verdade. Entretanto, no caso examinado, esse reenquadramento se deu sobre as qualidades da autora.
O juiz de primeiro grau recomendou a retificação da classificação da empregada para retornar ao estado original (pessoa sem deficiência), por entender que a permanência da "reclassificação" no tempo geraria mais danos indenizáveis de responsabilidade da empresa. Determinou, ainda, a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho diante da notícia de que situação semelhante poderia estar ocorrendo com outros empregados da empresa.
Diante do contexto apurado, o relator decidiu manter a sentença que condenou a empresa a pagar indenização por danos morais. Entretanto, o valor da indenização foi reduzido para R$ 10 mil, por ser considerado mais adequado. O julgador levou em conta a situação das partes, as circunstâncias em que ocorreram os fatos, o caráter pedagógico da indenização, bem como a repercussão do fato na vida da vítima, de modo que o valor fixado “possa servir para compensar a lesão sofrida pelo ofendido em sua dignidade e imagem profissional”, constou dos fundamentos.