Sábado, 19h30. No palco, músicos passam os instrumentos antes da apresentação. O som do violão, teclado e bateria e a voz dos cantores ressoam por todo o ambiente, que tem as paredes pintadas de preto. Dois jovens testam a iluminação cênica e o telão, além de ajustar um celular para a transmissão ao vivo. A fotógrafa registra os preparativos enquanto o assistente checa se está tudo “nos trinques”.
A produção, que aparenta ser de um grande evento de entretenimento, é na verdade a preparação para mais um culto da Igreja Batista Lagoinha Savassi, que faz jus ao público da unidade sediada na região Centro-Sul de BH. A cada semana, o espaço recebe cerca de 1,5 mil fiéis com idades de 18 a 35 anos. Os jovens são os principais frequentadores do núcleo, criado para atrair pessoas que costumam ir à região boêmia regularmente.
A proposta de uma igreja jovem fez tanto sucesso que o número de membros dobrou desde a abertura, em 2015. Neste mês, uma segunda unidade na região, com capacidade para mil pessoas por culto, será inaugurada na rua Alagoas. O Mangabeiras, também na zona Sul, receberá uma filial em moldes semelhantes ainda no primeiro semestre de 2018.
Moderno
O templo da Savassi foi construído em um local que já abrigou diversas baladas da capital mineira. Parte da estrutura, como o palco, as paredes pretas e o jogo de luzes, foi reaproveitada com o objetivo de manter o espaço com aspecto moderno e jovial.
A comunicação com os frequentadores do culto na Lagoinha Savassi é feita por meio do Instagram, Facebook, Twitter e YouTube
A comunicação com os fiéis é feita por meio de perfis nas principais redes sociais. Apesar de os cartazes de divulgação dos cultos serem semelhantes a convites de festas e baladas, a reunião tem propósitos cristãos, reforçam os responsáveis.
“Mesmo sendo uma igreja com aparência diferente, comunicando muito ao jovem, não abrimos mão de sermos cristocêntricos, em que Jesus Cristo é o centro, nem dos princípios bíblicos. Queremos ver a transformação na vida das pessoas que entram aqui, através do Evangelho pregado como ele é”, diz o pastor Victor Arliete, que tem apenas 21 anos e comanda os cultos na Lagoinha Savassi.
Recepção
Pouco antes do início da celebração, os convidados são recepcionados por uma equipe que distribui calorosos abraços na porta de entrada. Do lado de fora, é possível ler mensagens positivas, como “você está em casa”, “bem-vindo” e “o amor nunca desiste”.
Tenho 21 anos, sou casado e pastor, mas antes eu já trabalhava na igreja. O que me levou ao pastorado foi o meu chamado. As pessoas, às vezes, confundem idade e maturidade. Não seria o fator da idade que me faria desistir de viver isso - Victor Arliete, de 21 anos. Pastor da Lagoinha Savassi
A cerimônia religiosa aos sábados começa às 20h e vai até 22h. Logo no começo, a banda apresenta músicas com letras cristãs e bem animadas. Após o louvor, os fiéis aproveitam um intervalo de cinco minutos para se conhecerem e conversar. Água e até balas de Coca-Cola são servidas a todos por voluntários.
Bíblia no lugar de bebida alcoólica e ‘pegação’
O culto na Lagoinha Savassi é um momento especial para os fiéis. Que o diga a engenheira de produção Ana Luísa Caixeta, de 24 anos, que chega ao espaço maquiada e vestindo calça rasgada, regata preta, colares e salto alto. “Venho bonita e com roupas novas sempre que posso. Se a gente vai bem arrumado para outros lugares, por que não para a igreja?”.
Ao contrário da maioria dos jovens da capital, os que frequentam a cerimônia na Savassi trocam possíveis saídas para bares e baladas em parte do horário nobre dos sábados para louvar a Deus. A aparência de festa ‘pagã’ pode enganar alguns desavisados que passam do lado de fora da igreja e acreditam que lá ainda exista uma casa noturna.
Comecei a vir há uns quatro meses, mas frequento a Igreja Lagoinha há mais de 20 anos. O que me trouxe para cá, e acho ser um diferencial, é a pegada urbana, é estar abraçando todo mundo, recebendo todo mundo, sendo igual aos outros. Somos uma igreja relevante, onde todo mundo tem seu espaço e é bem recebido - Joelson Santos da Silva, de 45 anos. Designer de interiores
“Aqui você não vai encontrar pecado, bebida alcoólica nem ‘pegação’. No começo, muita gente falou que seria um lugar de pegação, que no fim do culto as pessoas iam servir bebida alcoólica. Não existe nada disso. Tudo o que foge dos princípios bíblicos não será encontrado aqui”, reforça o pastor Victor Arliete.
Em um recente culto acompanhando pela reportagem do Hoje em Dia, a programação contou com avisos sobre a própria igreja e também um momento de dízimo, que precede a pregação. O pastor convidado para divulgar o evangelho, Pedro Vuks, de 29 anos, pede aos fiéis que abram a Bíblia – seja em livro, tablet ou smartphone. Ele lê um trecho que conta como um apóstolo pregou por 13 horas seguidas.
Pedro ressalta que, apesar da tecnologia disponível para os centros religiosos, o grande desafio da modernidade é conseguir levar a mensagem cristã sem precisar utilizar recursos como vídeos e slides. “O evangelho por si só deve bastar, sem alegorias, sem sonoplastias”. A pregação nos moldes tradicionais dura cerca de uma hora e é a penúltima etapa da cerimônia.
Confira vídeo:
Abraço é marca registrada dos frequentadores do templo
Segundo o pastor Victor Arliete, a igreja explora a intensa acolhida. Após a pregação, os participantes fecham os olhos por alguns instantes e quem deseja ‘se abrir para Jesus’ ergue as mãos.
Com a ajuda de voluntários, essas pessoas são guiadas até a frente do palco. Em seguida, uma chuva de confetes e a apresentação da banda iniciam uma espécie de ‘festa de boas-vindas’. Os novatos são abraçados por quem está por perto.
Essa recepção foi justamente o que mais agradou o designer Sanley Renner Duarte, de 21 anos. “Nos deram aquele abraço apertado, perguntaram de onde eu era, o que estava achando. Senti uma preocupação com os visitantes. Não é só uma fé ou uma religião, são pessoas preocupadas com as outras e isso me atraiu”.
O empresário Breno Miranda Vieira, de 32 anos, e a estudante de odontologia Ana Letícia Camarinho, de 22, se identificaram tanto com o modelo seguido que decidiram se casar na igreja. Eles estavam no grupo de 15 casais que oficializaram o matrimônio no templo em 2017.
“O casamento foi bem diferente. É a igreja que sempre quis, não só pelo aspecto de luzes e paredes pretas, mas um lugar mais jovem, em que a gente encontra amigos”, conta Breno, que estava de boné de aba reta e tatuagens. Já Ana Letícia tinha os cabelos tingidos de ruivo e um piercing no nariz.
Mesmo morando na Pampulha, o gerente Júlio Cézar Donagio, de 35 anos, faz questão de ir ao culto na Savassi todos os sábados. Há três anos, ele jamais imaginava que o imóvel visto diariamente, na saída do trabalho, era uma igreja evangélica. “Um dia passei aqui na porta e decidi entrar. Senti-me bem acolhido, foi especial. É uma igreja diferente, mas nem por isso ela deixa de falar do que interessa, que é a Bíblia”.