Marcelo tem 21 anos, foi alvo de preconceito por ser gay, enfrentou conflitos familiares e teve depressão. O jovem sintetiza o perfil majoritário de quem comete suicídio. Ainda tabu para grande parte da sociedade, a “morte evitável” está cada vez mais presente: 60 pessoas tentam tirar a própria vida em Minas a cada dia.
Para especialistas, um longo caminho precisa ser percorrido para que o tema seja realmente tratado de forma franca, enfrentando barreiras culturais e reduzindo os óbitos. Aceitar a dor e a angústia de quem está deprimido, abrindo caminho para o diálogo e o tratamento dos transtornos deveria ser regra, principalmente em um cenário de intolerância e ódio como o atual.
O tratamento de transtornos deveria ser regra, ainda mais em um cenário de intolerância e ódio como o atual
Homossexual e com histórico de violência durante a infância, Marcelo tentou suicídio pela primeira vez aos 15 anos. Ele foi abusado pelo próprio pai – que morreu de cirrose, após abrir falência. Em meio à crise, a família perdeu os recursos financeiros. A mãe, ao saber que o filho era gay, o expulsou de casa. O rapaz teve que viver de favor na casa de amigos.
Depois, aos 17 e aos 20, tentou se matar mais três vezes. “Naquele momento, as portas da família se fecharam. Eu era muito próximo da minha mãe, mas ela começou a me tratar com indiferença e nenhum dos meus 24 tios me ajudou”, revela o jovem, que hoje trabalha como educador em uma escola de BH. O apoio para seguir em frente veio dos amigos, que o levaram para um hospital e arcaram com os custos das consultas com um psicólogo.
Mais tentativas
A insatisfação com o curso de Engenharia e os problemas de relacionamento com os pais, associados a crises de depressão e ansiedade, também fizeram com que André Almeida, de 22, tentasse se matar.
“Começou com uma dificuldade de me levantar da cama. Ficava pensando que se me jogasse na frente de um ônibus, não teria que ir para a faculdade”, conta o rapaz.
Depois, ele passou a analisar quais seriam as formas mais eficazes de suicídio, até que, em uma forte crise de ansiedade, decidiu pôr as ideias em prática. Acabou salvo pela mãe, que chegou bem na hora e o impediu.
André relata que fazia a graduação para atender ao desejo dos pais. Além disso, durante o período mais forte da depressão, se viu abandonado por amigos de infância.
Passado o surto, ele decidiu recomeçar. Saiu da graduação, entrou em um trabalho e passou a ser acompanhado por um psicólogo. O diferencial, para ele, foi se envolver na cena belo-horizontina de rap e hip hop, frequentando batalhas de MCs e compondo as próprias letras.
Hoje, André Sandália, como é conhecido, estuda design gráfico e produz e vende palhas italianas, vê como as s mudanças foram positivas “Coloquei a energia em outras atividades, mas ainda quero conquistar minha independência”, afirma.
Estar presente
Mostra-se presente para quem passa pelo drama pode fazer a diferença, destaca a psicóloga especialista em saúde mental Cristiane Barreto, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise.
“Temos que sair do lugar de impotência perante aqueles que amamos e estão com dificuldade. Por mais que a gente não saiba o que fazer, temos que nos mostrar ali, estar com o outro, querer saber como ajudar. É muito importante que apareça alguém, seja pai, mãe, amigo, amor, professor e diga ‘não quero te perder’”, afirma Cristiane.<EM>
*Nome fictício
Família deve observar sinais para acolher a pessoa
A família deve observar, sempre, sintomas como tristeza, angústia e desânimo. No caso de pessoas que já tentaram se matar, os cuidados devem ser triplicados. A orientação é do psiquiatra forense e diretor da Associação Médica de Minas Gerais, Paulo Roberto Repsold.
“A chance de acontecer novamente é muito grande”, crava Repsold. Segundo ele, o suicídio é decorrente de algum distúrbio psiquiátrico. “Todos que têm alguém depressivo em casa devem pensar no pior. Assim, você age com segurança. Nunca devemos subestimar esse tipo de comportamento”.
A depressão também é um agravante que pode levar a pensamentos suicidas. Além da tristeza, as alterações no sono, apetite, nível de energia, comportamento e autoestima devem ser observadas. No caso dos jovens, a modernidade contribui de forma negativa.
“Construímos muitas formas de solidão, inclusive as redes sociais, utilizadas para a comunicação. Tem algo novo em relação a isso, principalmente envolvendo os jovens”, acrescenta a psicóloga Cristiane Barreto.
Procura
Coordenadora da comissão de desenvolvimento de voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV) na capital, Norma Moreira afirma que o número de jovens que procuram o acolhimento gratuito por telefone, via 188, aumentou. “As pessoas devem ouvir sem criticar, permitir que o outro desabafe e coloque para fora o que está sentindo. Faz toda a diferença”, frisa.
Além disso
No Sistema Único de Saúde (SUS), as pessoas podem buscar os postos ou Centros de Atenção Psicossocial (Caps), onde os usuários são atendidos “próximos da família, com assistência multiprofissional e cuidado terapêutico conforme o quadro”, informou a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
Em BH, conforme a Secretaria Municipal de Saúde, o usuário é recebido “imediatamente para estabilização do quadro clínico”, diz nota enviada pela pasta. O paciente é acolhido e escutado por um profissional de saúde mental que irá avaliar a motivação, os riscos e a persistência da ideia do suicídio. Todos os 152 centros de saúde contam com uma equipe especializada para encaminhar os casos, de acordo com o diagnóstico.
Os oito Centros de Referência em Saúde Mental, dois Centros de Referência em Saúde Mental Infantil, quatro Centros de Referência em Saúde Mental Álcool e outras Drogas e os nove Centros de Convivência realizam a avaliação, acompanhamento e tratamento. Há também o Serviço de Urgência Psiquiátrica que atende pacientes encaminhados pelo Samu, PM e outras unidades. (Colaborou Raul Mariano)