Após 7 anos

Minas vai voltar a produzir soro contra cobra e escorpião a partir de outubro

Pedro Melo
pmelo@hojeemdia.com.br
14/08/2023 às 07:20.
Atualizado em 14/08/2023 às 08:07

Após sete anos, os soros para tratar venenos de cobras e escorpiões voltarão a ser produzidos pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) em outubro. A fabricação dos antídotos foi paralisada após uma reforma nas instalações em 2017, que se arrastou até agora. No entanto, mesmo com a importante retomada, muito trabalho ainda precisa ser feito para que a Funed volte a ser protagonista na ciência nacional. 

Atualmente são cinco fábricas, mas só uma está aberta, onde é produzida a Talidomida, remédio usado no tratamento da hanseníase. Os medicamentos são comprados pelo Ministério da Saúde. Retomar o potencial da Funed é umas da metas do atual presidente, Felipe Attiê. 

Formado em economia e administração, o ex-vereador e ex-deputado estadual Attiê está no cargo da centenária fundação mineira há quatro meses. Além de anunciar a volta da produção do soro antipeçonhento, ele falou sobre novos projetos e as dificuldades enfrentadas, como o acúmulo de gastos e falta de mão de obra. Confira a entrevista.

Felipe Attiê está na presidência da Funed há quatro meses (Valéria Rodrigues)

Como o senhor avalia as pesquisas científicas no Brasil atualmente? São valorizadas?

O Brasil tem muita pesquisa. O problema não é a pesquisa, são essas pesquisas virarem resultado para a população, virarem produtos que salvem vidas. Quando parte para isso, que é o registro da patente, colocar na indústria, no comércio, na área de serviços, você tem uma queda brutal. O Brasil deixa de ser o nono produtor de pesquisa e de conhecimento e passa a ser o 56º. Então, existe um hiato, não se consegue transformar o conhecimento no Brasil em valor.

E como a Funed vem trabalhando para dar esse retorno ao povo mineiro?
Nós temos quase 80 pesquisadores. Estamos reorganizando essa área de pesquisa para direcioná-la para coisas que o SUS (Sistema Único de Saúde) precisa. Queremos sair da 9ª posição de produção de conhecimentos e passar a gerar mais produtos concretos à população. Precisamos gerar produtos que melhorem a vida das pessoas. Produtos que gerem renda, empregos e negócios, seja na área da tecnologia, que é mais visível, ou na produção de um remédio capaz de curar alguma doença.

Em meio a essa busca para transformar os estudos em resultados, a Funed estava em busca do registro da vacina da meningite. Como está essa situação?
É uma situação que começou há 13 anos com parceria, mas a Funed está totalmente sem capacidade de fazer essa vacina. Não tem material humano capaz de fazê-la, não tem instalações. Conversei com vários grandes presidentes de indústrias multinacionais e nacionais e eles me informaram que uma fábrica para fazer vacinas de meningite custa de U$ 200 milhões a U$ 300 milhões – valor que pode chegar a R$ 1,5 bilhão. A Funed não conseguiu passar da fase de embalagem, não comprou os equipamentos certos para fazer a fermentação das vacinas. Na área de biológicos são múltiplos funcionários, não só farmacêuticos, mas médicos, físicos, engenheiros químicos, biólogos, uma vasta quantidade como eu pude ver no Butantan e na própria Fiocruz, e a Funed não tem essa capacidade de contratação.

Um dos projetos mais antigos da Funed é a produção de soros antipeçonhentos para Minas e para o Brasil. Alguma atualização?
Não tem nenhuma produção de soro atualmente. Estou reformando a fábrica de soro agora, fecharam a fábrica, não deveriam ter feito isso, para uma reforma de quatro meses, para melhorar algumas partes da produção, e nunca mais abriram. A Funed tem 150 cavalos e 300 cobras. Nossa previsão é voltar em outubro com essa produção para vender para o Ministério da Saúde já que está fazendo falta no Brasil. Faz parte da raiz da Funed, é o início da Funed. Não é uma atividade que dá lucro à Funed nem ao Butantan. Mas é social, os animais peçonhentos ceifam vidas e nós precisamos usar essa tradição da Funed desde 1960 produzindo sem parar, reabrir essa fábrica de soro. É uma das prioridades desses primeiros quatro meses que eu adotei aqui na Funed.

A Funed também tem um histórico importante na produção de remédios...
Aqui na Funed hoje, nas cinco fábricas que existem, uma produz a Talidomida. Em 2022, o Ministério da Saúde comprou R$ 4 milhões de Talidomida, o ano todo nosso. É uma pequena produção, que nós fazemos de um remédio muito comum, mas que ninguém quer fabricar porque não dá lucro. Então nós ajudamos o ministério nesse processo para tratar hanseníase. É isso que a Funed faz hoje. Não produz mais nada, as quatro fábricas estão fechadas e uma delas funciona para embalar o Entecavir – medicamento para tratar hepatite B (VHB) – e para poder produzir a Talidomida.

Hoje a Funed leva nove meses para comprar os produtos, já que é uma fundação pública e tem que participar de licitações, não tem agilidade, não conseguindo nem atender a tempo conforme o SUS necessita. Então queremos agilizar o processo para produzirmos não na velocidade de indústria, mas na velocidade para atendermos os pacientes que necessitem desses remédios.

E como está o projeto para produção de insulina pela Funed?
O projeto está há sete anos com a Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) feita e estamos a todo vapor com o projeto, que envolve a Biomm, uma empresa mineira com investimento de R$ 500 milhões em Nova Lima. Desenvolvemos uma parceria com essa e diversas outras empresas mineiras e estamos no processo de assinar o contrato para levar ao Ministério da Saúde e ver a real possibilidade de implantar essa insulina que vai passar, no futuro, a ser produzida aqui em Minas pela Biomm, enquanto a Funed vai aprender o processo e estar à disposição para qualquer situação. A expectativa é de início da produção daqui a oito ou dez anos.

Recentemente a Funed teve um processo seletivo para tentar aumentar a força de trabalho. Como o senhor avalia esse processo?
A Funed não tem a possibilidade como o Butantan e Fiocruz têm, por exemplo, de contratar funcionários pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) ou terceirizados. A Funed tem que recorrer a esse processo seletivo que é um tapa-buraco. Você contrata pessoas com um valor de salário básico e no estágio inicial da carreira. Mas é a única forma rápida e eficiente de contratação. E nós estamos trabalhando com isso e procurando preencher as vagas. 

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