Motociclista aprende a pilotar de verdade só depois de tirar a CNH

Danilo Emerich e Renato Fonseca - Do Hoje em Dia
01/10/2012 às 11:23.
Atualizado em 22/11/2021 às 01:42

(ANDRÉ BRANT)

Quantas vezes você já viu um motociclista furar o sinal vermelho, subir em cima da calçada, costurar o trânsito ou simplesmente atropelar as regras básicas da boa conduta? O desrespeito dos motoqueiros é reflexo da precariedade no processo para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), além da falta de fiscalização e de conscientização.
 
Em Belo Horizonte, mais de 70% dos candidatos à categoria A são reprovados durante as bancas de avaliação. Dados do Detran-MG mostram que, no ano passado, 165.534 pessoas se submeteram aos exames feitos na capital, mas apenas 28% conseguiram a aprovação. Neste ano, até 13 de setembro, o índice permanece. Quase 78 mil candidatos levaram bomba no exame.
 
Reprovada duas vezes, a artesã Ana Paula Gonçalves Lopes, de 39 anos, fará seu terceiro exame na próxima semana. Ao todo, serão 25 aulas. Mesmo se for aprovada, ela admite que precisará “rodar muito” para enfrentar a batalha diária travada no trânsito. “Agora, estou aprendendo a tirar a carteira. Dirigir bem, só com o tempo”, afirma.
 

Difícil, mas falho
 
As palavras dela vão de encontro às críticas apontadas pelo chefe do setor de Habilitação do Detran, delegado Anderson França. Para ele, como as provas são feitas em um circuito fechado, o candidato treina apenas para passar no exame e não se prepara para encarar o trânsito. “O teste é difícil, mas é preciso mudar”, afirma.
 
Segundo França, o comportamento inadequado dos motociclistas se tornou tão comum que as pessoas estranham quando avistam um deles respeitando a legislação.
 
É algo cultural, e para mudar demanda tempo. Só campanhas educativas não resolvem o problema”, diz o delegado. A solução seria somar o ensino sobre trânsito às crianças nas escolas e maior fiscalização.
 

Para o especialista em trânsito Silvestre de Andrade Filho, o total de reprovados é uma consequência da má preparação. “Os poucos aprovados não estão prontos para as ruas”. Na avaliação dele, é preciso mudar a legislação. “A lei de trânsito não é clara sobre as motos circularem nos corredores entre os carros”, diz.
 

No "autorama", desafio é manter o equilíbrio
 
Um autorama. Esta é a definição dos próprios instrutores e candidatos a uma carteira da categoria A sobre a pista utilizada para formar pilotos. O treino e as provas acontecem à noite, em um circuito fechado, sem trânsito. O aprendiz sequer troca de marcha. A maior dificuldade é manter o equilíbrio.
 
O circuito estabelecido por portaria federal tem pista com largura máxima de 2 m. Os chamados obstáculos nada mais são do que um ziguezague com, no mínimo, quatro cones alinhados. Há uma rampa para testar o controle de embreagem e um elevado para avaliar o equilíbrio. Existem quatro curvas de 90 graus, além de duas rotatórias que permitam manobras em “8”.
 
Para cruzar todo o percurso, feito em primeira marcha, o candidato não leva mais que quatro minutos. O especialista e consultor em tráfego Frederico Rodrigues avalia o teste como “muito fraco”. “Deveria ter um processo com mais formação teórica e prática, simulando situações drásticas de risco e como lidar com elas”.
 

Projetos em cascata
 
Os frequentes abusos cometidos sobre duas rodas não passam despercebidos por deputados federais que, desde o fim do século passado, tentam regulamentar a situação. Mais de 20 projetos de lei sobre o tema foram apresentados na Câmara, mas nenhum conseguiu a aprovação.
 
A proposição mais antiga, de 1996, de autoria do ex-deputado Roberto Pessoa (CE), instituiria “serviços de transporte público de passageiros por motocicletas de aluguel”. O intuito era tirar os trabalhadores da informalidade.
 

 

Motociclista "costura" o trânsito em BH, prática comum pelas ruas (Foto: Toninho Almada)

 

As principais exigências eram: idade mínima de 21 anos, dois anos de habilitação e aprovação em exame de “condução de passageiros em veículo motorizado de duas rodas”.
 
Em 1997, a Comissão de Viação e Transportes rejeitou a matéria, que, no ano passado, foi desarquivada por meio de requerimento do deputado Gonzaga Patriota. (Com Telmo Fadul)

 

Em dez anos, frota cresce 235% em Minas
 
As motocicletas representam um quarto da frota de veículos de Minas. O número de motos nas ruas cresceu 235% nos últimos dez anos. Em 2002, eram 579 mil, contra 1,9 milhão até julho deste ano.
 
O baixo custo de compra e de manutenção são os principais fatores para o grande crescimento da frota. Atualmente, o preço médio de uma moto popular nova, de 125 cilindradas, varia entre R$ 4.000 e R$ 7.000.
 
Para o consultor em trânsito Silvestre de Andrade Filho, a má qualidade do transporte público influencia no aumento das motos. “O custo é muito baixo, e agilidade é grande”, explica.
 
O especialista em transporte e tráfego Ronaldo Gouveia concorda. Ele diz que o boom nas vendas é o atestado da má qualidade do sistema de transporte. “Fica mais barato andar de moto do que em ônibus lotado. Em algumas cidades do interior, a frota de duas rodas se compara com a de carros”.
 

Vítima
 
Saulo Pereira, de 20 anos, é um dos que trocaram o ônibus pela moto. E ele confessa ter cometido abusos no trânsito. Prova disso são os pinos que tem no joelho direito. “Não tenho dinheiro para comprar carro. Por isso, uso a moto. É muito melhor que enfrentar o transporte público”.
 

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