Responsáveis pela preservação dos recursos naturais, incluindo os hídricos, a maioria das unidades de conservação de Minas só existe no papel. Das 73 áreas estaduais de proteção integral, apenas 30% estão efetivamente implantadas, segundo levantamento do Ministério Público (MP). Mesmo com diversas ações abertas pelos promotores com o intuito de obrigar o Estado a regularizar essa situação, quase nada foi feito ao longo dos últimos anos. E são nesses locais onde se encontram centenas de nascentes que garantem o abastecimento das cidades mineiras.
“As unidades de conservação funcionam como caixas d’água. A não implementação dessas áreas é uma demonstração clara da omissão estatal e da ausência de políticas públicas nesse sentido. Tudo isso em meio a uma crise hídrica. Não adianta reclamar que falta água se você não cuida”, afirma o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), Carlos Eduardo Ferreira Pinto.
Dos mais de 605 mil hectares de áreas protegidas em Minas, cerca de 420 mil hectares ainda não foram desapropriados pelo Estado. É o que acontece com uma área de 134 hectares em Mocambeiro, distrito de Matozinhos, na região metropolitana. No local deveria funcionar o Parque Estadual de Cerca Grande, criado por decreto estadual em 2010. Entretanto, até hoje as pinturas rupestres que datam de mais de 8 mil anos ainda são alvo de vandalismo e a área de vital importância histórica é ocupada pelo gado.
Impacto
Além do prejuízo para os recursos hídricos, há também as consequências, que podem ser irreversíveis, para todos os bens naturais da região. “Cerca Grande é o único sítio pré-histórico em Minas tombado em nível federal. Sua importância não é apenas local. Estamos correndo o risco de perder um acervo único em função do abandono do sítio”, explica a arqueóloga responsável pelo estudo preliminar do plano de manejo da área, Alenice Baeta.
Foi na área do parque, que está instalado em local considerado berço da espeleologia, arqueologia e paleontologia brasileira – de acordo com classificação do próprio site do Instituo Estadual de Florestas (IEF) – onde foi identificada uma das datações mais antigas da ocupação humana na região. “Pesquisadores americanos estiveram no local nos anos 70 e acabaram atraindo o interesse dos franceses. Foi por causa da vinda dos franceses para a região que eles estenderam a expedição para outros sítios, inclusive o de Pedro Leopoldo onde foi localizada a Luzia”, conta a arqueóloga.
Sem recursos
Em nota, o Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) informou que o Parque Estadual de Cerca Grande se encontra em implementação e que “o IEF, dentro das suas limitações operacionais, financeiras e de competências legais, tem feito todo o possível para priorizar os trabalhos necessários à implantação efetiva do parque, bem como das demais unidades de conservação estaduais”.
Ainda segundo o órgão, “todo esse trabalho só será possível mediante o aporte de orçamento e recursos humanos condizentes com o volume de trabalho da Instituição”.
Governo tem três meses para implementar área protegida
O Ministério Público conseguiu na Justiça obrigar o Estado a garantir a implantação efetiva do Parque Estadual de Cerca Grande, em Matozinhos. O governo tem 90 dias para designar uma equipe específica para o local e garantir infraestrutura, como carros para vigilância. Na decisão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais destaca que é dever constitucional do Estado a definição de espaços territoriais e de seus componentes a serem especialmente protegidos.
Em vistoria realizada em 2013 na área, foram constatados danos, como pichações, que ameaçam os atributos naturais e culturais da unidade de conservação.
“Adianta a gente mostrar para as pessoas as fotos de uma pintura de 8 mil anos? Uma vez destruídas não têm mais volta. Não preservar esse patrimônio é como pegar uma moeda e jogar pela janela, desconsiderando o seu valor”, afirma o presidente do Instituto Guaicuí/Projeto Manuelzão, Procópio de Castro.
Assim como o Cerca Grande, diversos outros parques localizados na região metropolitana aguardam implementação. “Todas as áreas deveriam estar em funcionamento até 2010, tendo sido essa a condicionante para a expansão do Vetor Norte que ganhou a Linha Verde e a construção da Cidade Administrativa”, lembra Castro.
O Sistema de Áreas Protegidas (SAP) Vetor Norte, conforme decreto de 2009, é composto por 20 áreas. Dessas, de acordo com informações disponíveis na página do IEF, apenas sete foram criadas. Mas, se tudo correr de acordo com os prazos judiciais, a primeira delas (Cerca Grande) será implementada em até três meses, ou seja, seis anos após o decreto.
“Temos um inquérito aberto para cada unidade de conservação que ainda não foi implantada. Essa decisão judicial com certeza é um indicativo para a importância do tema e para a urgência da solução do problema”, alega o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), Carlos Eduardo Ferreira Pinto.