
A demanda de pacientes mineiros pelo canabidiol – substância derivada da maconha para tratamento de epilepsias graves – dobrou no período de um ano. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu 171 autorizações para importação do produto em 2017. Um aumento de quase 99% na comparação com o ano anterior, quando 86 pessoas conseguiram a permissão no Estado.
O crescimento da procura, no entanto, esbarra em dificuldades como o alto custo de importação e a resistência de muitos médicos em prescrever a substância. Além disso, são raros os casos em que a compra é realizada pelo poder público, mediante ações judiciais.
O drama é vivido pela família de Miguel, 6 anos, que, aos 11 meses, contraiu uma encefalite viral. A doença, que causa inflamação aguda no cérebro, provocou no menino convulsões que chegavam a durar uma hora e meia.
Em todo país, o número de autorizações para importação do canabidiol cresceu 138% de 2016 para 2017, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
“Ao contrário das crianças que tinham muitas crises de curta duração ao longo do dia, o Miguel ficava mais de uma hora suando muito, chorando sem parar e debatendo o tempo inteiro”, relata a mãe do menino, Natália Botelho.
Foram necessários dois anos de consultas com médicos de diversas especialidades para que a família chegasse a um diagnóstico preciso da doença. E quando os pais da criança já não sabiam mais o que fazer, o canabidiol surgiu como uma alternativa.
Natália conta que as primeiras compras, realizadas antes da autorização da Anvisa, foram feitas de maneira ilegal, com o produto sendo entregue escondido dentro de brinquedos.
O risco, no entanto, valeu a pena. Miguel teve o número de convulsões reduzido drasticamente a ponto de ficar sete dias sem uma única crise sequer. O único entrave foi encarar a despesa para adquirir o remédio.
Custos
"O problema é que a importação do canabidiol, no nosso caso, chega a custar R$ 5 mil por mês e não conseguimos mais arcar com isso porque ainda temos gastos com outras terapias. Nesse momento, estamos sem o produto e vamos recorrer à Justiça”, afirma Natália.
A mesma situação é vivida pela chef de cozinha e blogueira Thais Ventura, de Juiz de Fora, na Zona da Mata, mãe de Annie, uma menina de um ano e meio com quadro de paralisia cerebral, hidrocefalia, baixa visão e epilepsia refratária.
A criança passou a fazer o uso do canabidiol aos sete meses, por insistência da mãe, que não aceitava a resistência da neurologista em prescrever a substância para a filha.
“Ela tinha até 70 crises por dia e depois que passou a usar o canabidiol chegou a ficar duas semanas sem convulsões”, explica Thais. “A melhora da Annie foi muito nítida desde então”, acrescenta.

A chef de cozinha e blogueira Thais Ventura também descobriu no canabidiol uma alternativa para o tratamento da filha Annie
O problema, novamente, tem sido o alto custo de importação do canabidiol. Para tomar a dose adequada da substância, Thais precisaria desembolsar pelo menos R$ 1.600 por mês.
“Isso sem contar com as várias outras terapias e medicamentos que a Annie utiliza. Então, entramos com uma liminar para que o Estado compre o medicamento. Estamos no aguardo”, afirma.
230 mil reais foram gastos pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais com a compra de canabidiol de 2014 a 2017
Compras da substância via ordem judicial têm diminuído
Conseguir o canabidiol por vias judiciais também não é simples. Em 2017, apenas duas ações para a compra da substância foram recebidas pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
Na contramão das autorizações liberadas pela Anvisa, os atendimentos feitos pelo órgão estadual vêm diminuindo. Em 2016, oito ações haviam sido recebidas e, em 2015, 11.
De acordo com a SES-MG, há pelo menos oito marcas do canabidiol no mercado, sendo que o atendimento dos pacientes judicializados é feito exclusivamente “pelo óleo de cannabis (hemp oil), conforme prescrição médica e ordem judicial, podendo ser frasco, seringa ou cápsula”.
Na avaliação do médico e deputado estadual Antônio Jorge, que também é militante da cannabis medicinal, a maioria das pessoas com autorização para importação do canabidiol está na classe média-alta.
O primeiro registro do uso da cannabis como remédio é de cerca de 2700 a.C., na China antiga. No Ocidente, essa aplicação ficou popular na segunda metade do século 19
Para ele, por esse motivo, o número de demandas para compra da substância por parte do Estado ainda é pequeno. “Geralmente quem consegue autorização na Anvisa está se virando para importar o canabidiol, até porque não temos prescritores públicos, ou seja, o SUS não conta com médicos habilitados para isso”, destaca.
Rigor
Desde 2014, uma portaria do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta o uso do canabidiol para casos específicos. O documento autoriza a prescrição da substância “apenas para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais”.
Além disso, somente os médicos neurologistas e de áreas relacionadas como a neurocirurgia e psiquiatria têm permissão para receitar a substância.
Esses profissionais precisam, ainda, ser previamente cadastrados como prescritores do medicamento no Conselho de Medicina, assim como os pacientes que fizerem o uso do remédio para o monitoramento de efeitos colaterais.

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